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Opinião

Mello Araújo: o que o possível próximo prefeito de São Paulo não conta

- O senhor é o vice-prefeito?, pergunta o homem ao lado.

- Sou sim, responde o coronel Mello Araújo.

- Tem que melhorar este metrô. Tá muito cheio, reclama o munícipe, sem saber que a prefeitura não cuida do transporte sobre trilhos.

Essa história é contada pelo próprio vice-prefeito —econômico em palavras, desconfiado, discreto e, apesar da abordagem no metrô, ainda pouco conhecido.

Mas ele pode ser prefeito já em 2027. A possibilidade depende de uma infinidade de "SE": se Bolsonaro não for candidato, se Tarcísio concorrer à Presidência e se Ricardo Nunes deixar o cargo para concorrer ao Palácio dos Bandeirantes. Nada disso é impossível.

Impossível mesmo é arrancar do coronel alguma inconfidência. Com pouco traquejo com a imprensa que cobre política, Araújo é cauteloso com as palavras, não gosta de off, e as melhores histórias são contadas pelo seu entorno, que também não é tão numeroso assim. "Sou um homem de pouquíssimos amigos."

Ele e o prefeito, xarás no Ricardo, não são íntimos, mas conversam bastante. Almoçam juntos com frequência. Nunes deu algumas tarefas para o Mello, e ordem dada é ordem cumprida para um militar, que esteve durante 32 anos na ativa na polícia.

A PM, onde ele começou aos 15 anos frequentando o Ensino Médio da Academia do Barro Branco, ensinou disciplina e moldou-lhe com uma certa aversão a determinados assuntos bem comuns na vida política. Ter jogo de cintura, por exemplo.

"Às vezes, ele parece uma pedra no sapato", define um frequentador do gabinete do prefeito.

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O ex-vereador Fernando Holiday percebeu isso logo no começo do ano. Em reunião na sala do prefeito, o assunto era cargos —negociação de cargos para ser mais exato. O vereador Lucas Pavanato (PL) também estava presente. Melo não gostou do tom da conversa. Houve bate-boca. "Mas no fim, nós nos entendemos", explica o vice-prefeito. Segundo outras pessoas que presenciaram a discussão, o tom não foi tão amistoso e as vozes atingiram mais decibéis do que seria normal numa conversa como essa.

Na Câmara Municipal, Mello Araújo não é uma unanimidade. Sob anonimato, um vereador comenta que o período do coronel como prefeito interino, no fim de abril, enquanto Ricardo Nunes estava em viagem internacional, não foi tão pacífico.

Algumas emendas parlamentares teriam sido rechaçadas pelo vice, que não as assinou. Mello Araújo não confirma a história, mas como os corredores da Câmara não guardam segredo, foi fácil apurar que o problema maior foi uma emenda de R$ 200 mil para uma palestra sobre esportes para cem pessoas. Só de RH, o evento previa R$ 70 mil em pagamentos. Resultado: o dinheiro não foi liberado.

O período como prefeito foi marcado por outras duas polêmicas. A primeira foi a remoção de cerca de 60 pessoas debaixo do Minhocão e a construção de uma baia de estacionamento no mesmo trecho.

Especulou-se que o vice teria tomado essa decisão sem consultar o prefeito, que estava na China. Não é verdade. O prefeito sabia. Mas gente do entorno de Nunes tinha aconselhado Mello Araújo a não fazer.

Não é difícil encontrar no tal entorno gente que tenha restrições ao estilo do vice-prefeito.

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A outra polêmica foi um pouco mais complicada. E essa é uma das poucas histórias que Mello Araújo concorda em contar —até porque está publicada no Diário Oficial: a demissão do secretário executivo de Segurança Alimentar, Carlos Fernandes.

O então prefeito em exercício foi pessoalmente ao encontro do secretário e o demitiu em menos de um minuto, "a bem do serviço público".

Mais do que isso, Mello Araújo não conta. Mas, na Procuradoria Geral do Município, há uma investigação por suposta prática de corrupção na pasta que administra mais de 90 contratos de fornecimento de marmitas para pessoas carentes.

Dessa vez, o prefeito não sabia antecipadamente. O coronel tomou a decisão e só depois comunicou Ricardo Nunes. "Foi por causa do fuso horário com a China", explica o vice, que conta que recebeu o apoio do prefeito. Na Rota, onde foi comandante, Mello Araújo também não consultaria seu superior.

O bastidor que ninguém conta é que a demissão desceu atravessada na garganta de Paulinho da Força, responsável pela indicação do secretário investigado.

Outra briga pública do vice-prefeito foi com o padre Júlio Lancellotti, por estilo de abordagem a moradores em situação de rua. Mas dessa vez, houve aplausos até em setores da prefeitura e da Câmara Municipal que não morrem de amores pelo militar.

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Visitar a "cracolândia" e locais onde estão agrupadas pessoas desabrigadas virou uma atividade quase diária do vice-prefeito. Essa foi uma das missões recebidas de Ricardo Nunes: ajudar no enfrentamento desse flagelo da cidade.

Mello Araújo costuma postar em seu Instagram gravações de conversas com pessoas em situação de rua, tentando convencê-las a se mudarem para um equipamento social.

Pelo cálculo dele, em quatro meses de gestão, ele já conseguiu convencer mais de cem pessoas, só na conversa, a terem oportunidades de assistência e tratamento nos abrigos da prefeitura. Ele até acompanha alguns até conseguirem emprego.

O coronel é a favor da internação compulsória para os dependentes químicos da "cracolândia" que não têm mais discernimento sobre suas próprias vidas, mas sabe que essa é uma posição política que não tem respaldo no mundo político.

"Aqui na minha sala, tá tudo lindo, mas lá fora..."

Lá fora pode ser Parelheiros, por exemplo, como conta outro vereador. Certa vez, o vice-prefeito foi conhecer a situação da represa de Guarapiranga, invadida em suas margens por construções irregulares. O vice-prefeito convocou o subprefeito da região, que simplesmente —e estranhamente— não apareceu. Mello Araújo não esqueceu —o subprefeito, nomeado por um conhecido político, ainda está por lá.

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Na rotina estão também conversas com secretários municipais, convocadas para "aprender tudo sobre a pasta". Segundo dois secretários que já foram chamados, as conversas são amistosas, mas servem para o vice checar informações, que depois relata para o prefeito, em tom de alerta.

O que soa estranho é o secretário de Segurança Urbana, Orlando Morando, nunca ter sido chamado. Afinal, segurança pública é a especialidade do coronel Mello Araújo. Mas até hoje, ele não deu nem um palpite na área.

"Sou só o vice. Estou aqui para ajudar, como um vice-presidente está para colaborar com seu chefe numa empresa privada. Digo o que penso, mas a palavra final, obviamente, é do prefeito", diz ele, que antes de aceitar concorrer a vice era executivo de mercado.

"Ganhava o dobro do que ganho hoje", lembra.

Antes também foi chefe da Ceagesp em São Paulo, quando enfrentou gangues e esquemas de corrupção. Foi nomeado por Bolsonaro —na parede da sua sala, tem uma foto com o ex-presidente e o entreposto ao fundo.

Aliás, são três fotos em sua sala. As outras duas são de Ricardo Nunes e mais uma com Bolsonaro e colegas PMs, posando com fuzis nas mãos. O coronel conta que fala por WhatsApp quase todos os dias com Bolsonaro, com quem se aconselha.

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Pela lealdade ao ex-presidente, não admite a hipótese de herdar a prefeitura de Ricardo Nunes ainda neste mandato. "Bolsonaro será candidato. Eu tenho certeza. Você não tem todas as informações que eu tenho."

Não, não tenho. Levanto meio frustrado do sofá da sala do vice-prefeito, achando que tenho poucas informações e vou ter que conversar com um monte de gente ainda para construir este texto.

Em tempo: Mello Araújo corre 15 km por dia às 5 da manhã, vai para a prefeitura de metrô, anda armado desde os 15 anos e é devoto de Nossa Senhora Aparecida.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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