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Marco Antonio Villa

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro, o Montesquieu miliciano

Pedro Ladeira/Folhapress - 17.03.22
Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress - 17.03.22

Colunista do UOL

20/04/2022 12h28

Jair Bolsonaro aproveitou o Dia do Exército para mais uma vez atacar as instituições, a Constituição e sinalizar que o golpismo faz parte da sua estratégia para se manter a qualquer custo no poder.

Disse: "Não podemos jamais ter eleições no Brasil que sob ela paire o manto da suspeição. E esse compromisso é de todos nós, presidentes dos Poderes, comandantes de Força, aqui obviamente direcionado ao trabalho do senhor ministro da Defesa". Cabe perguntar: desde a redemocratização e a primeira eleição direta à Presidência da República, em 1989, qual o pleito que "pairou o manto da suspeição?" Nenhum! Mais ainda: o que dizer que, além dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), temos também as "Três Armas (Exército, Marinha e Aeronáutica)"? São seis os Poderes? Bolsonaro é o Montesquieu miliciano?

As Polianas, sempre de plantão, louvaram o recuo de Bolsonaro. Qual recuo? Na segunda-feira desafiou, com linguagem de botequim, o ministro Alexandre de Moraes. Bradou: "Vai me prender, Alexandre"? No dia seguinte, eivado de ambiguidades, típicas de um engenheiro do caos —na feliz expressão de Giuliano Da Empoli—, Bolsonaro manteve os ataques ao Tribunal Superior Eleitoral.

Sem nenhum rubor, afirmou que o ministro Luís Roberto Barroso "convidou as Forças Armadas, repito, convidou as Forças Armadas a participar de todo o processo eleitoral". É uma mentira. O ministro Barroso convidou representantes das Forças Armadas para participar da Comissão de Transparência das Eleições. Apenas isso: participar! Quando Bolsonaro diz "participar de todo o processo eleitoral", ele concede às Forças Armadas um poder tutelar sobre as eleições. Serão elas, neste sentido golpista, que vão dizer se as eleições serão ou não válidas. Onde está o recuo?

Não satisfeito, concedeu ao Exército o poder —inconstitucional— de ser o "intérprete do povo." Falou: "As Forças Armadas não dão recados. Elas estão presentes. Elas sabem como proceder. Sabem o que é melhor para o seu povo, o que é melhor para seu país". Não é uma ameaça? "As Forças Armadas não dão recados"? "Elas sabem como proceder." Elas são autônomas em relação ao disposto na Constituição? Não são subordinadas ao presidente da República? Elas —com base no que?— "sabem o que é melhor para o país".

Bolsonaro recuou? Onde? Não é um chamamento ao golpe de Estado? É linguagem de um presidente que respeita o Estado democrático de Direito?

Em estilo que Sérgio Porto chamaria de "samba do crioulo doido", Bolsonaro teceu também considerações "históricas" sobre o Exército e a política brasileira: "Quando se fala em Exército brasileiro, vem à nossa mente que em todos os momentos difíceis que a nossa nação atravessou, as Forças Armadas, o nosso Exército sempre esteve presente. Assim foi em 22, em 35, em 64 e em 86, com a transição." Qual a relação em os tenentistas de 1922 e a redemocratização de 1985 (e não 1986)? Quer dizer que "nos momentos difíceis", o Exército deve intervir na política? É um aviso?

Mais uma vez Bolsonaro deixou claro que não aceitará o resultado das urnas. Se perder —o que é quase que certo— vai tumultuar ainda mais o país em novembro e dezembro. E, tudo indica, vai se recusar a transferir a faixa presidencial. Aguardem.