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Marcos Silveira

COVID-19: O Brasil precisa do iluminismo de Rousseau

Colunista do UOL

12/06/2020 11h00

A estratégia de ocultar os dados da COVID-19 pelo governo executivo federal comprova: estamos sendo governados pelo absurdo.

Ocorreu um claro abuso do Governo.

Temos um Estado que se colocou acima regras que foram estabelecidas pelos parâmetros de zelo pelo interesse público, transparência e legalidade na gestão pública global. Cada país precisa abrir seus dados sobre casos e óbitos da COVID-19.

Porém, no momento em que o Brasil ocupa a primeira colocação de números diários de novos casos da doença, o time do governo federal resolveu ignorar qualquer pensamento razoável: decidiu esconder os dados e mudar a métrica para aferir o número de casos.

Somos os piores do mundo porque merecemos.

Trocamos dois Ministros da Saúde.

Temos um Ministro interino sem experiência médica.

Não realizamos testes em quantidades suficientes.

Não há estratégia eficaz de coleta de dados.

Não há qualidade de dados para avaliação do atendimento de saúde.

O painel de informações foi alterado e omitido.

O que aconteceu foi muito grave, pois dados são fundamentais para uma sociedade legitimar seu modelo de governo.

Cabe lembrar que o artigo 37 da Constituição Federal descreve os princípios fundamentais da Administração Pública. O famoso "LIMPE:":

Legalidade;

Impessoalidade;

Moralidade;

Publicidade; e

Eficiência.

A omissão de dados de casos fere essencialmente os últimos dois.

Publicidade de dados e informações por parte do governo, as quais são de máximo interesse público e não comportam sigilo.

Eficiência, pois sem dados não temos como medir a efetividade prática das ações tomadas pelo Estado.

Em resumo: algo só pode ser avaliado e, possivelmente melhorado, se for medido. A máxima se aplica diretamente aos atos da Administação Pública.

O Iluminismo de Rousseau deve nos guiar

Ainda em 1762, no famoso livro Pacto Social, Rousseau foi um dos primeiros defensores da transparência de dados e números de um Estado.

Somente por meio de cálculos, números e comparações seria possível que todos os cidadãos conseguissem avaliar de uma maneira isonômica se um governo é bom ou ruim.

No livro 3 e capítulo 9, diz o pensador: "Portanto, quando se pergunta absolutamente qual é o melhor governo, faz-se uma pergunta tanto insolúvel quanto indeterminada. Ela possui tantas boas soluções quantas são as combinações possíveis nas posições absolutas relativas dos povos."

No capítulo 10, Rossseau faz uma profética descrição para o que estamos passando no Brasil de 2020: "O princípio da vida política está na autoridade soberana. O poder legislativo é o coração do Estado, o poder executivo é seu cérebro, que dá movimento a todas as partes. O cérebro pode sofrer paralisia e o indivíduo continuar a sobreviver. Um homem fica imbecil e sobrevive: mas, assim que o coração cessa suas funções, o animal morre."

Apesar da paralisia cerebral do Executivo Federal, o Congresso e a Sociedade Civil ainda pulsa para buscar uma alternativa.

A colaboração inédita dos órgãos de imprensa (UOL, G1, O Globo, EXTRA, Estadão e Folha) pela realização de um monitoramento paralelo é um alento.

Outra iniciativa louvável foi a publicação da plataforma "Dados Transparentes", formada por ex-integrantes da equipe de Mandetta e das Secretarias Estaduais da Saúde.

Em 1762 Rousseau também não tinha os dados para avaliar os sinais de um bom governo.

Sabendo que aquilo era importante para um futuro próspero, lançou o desafio: "calculadores, a tarefa agora é de vocês: contem, meçam, comparem."

As palavras de 1762 ecoam para combater o obscurantismo do Brasil de 2020.