Itamaraty usou ação de empresa de Trump contra Moraes pra defendê-lo no EUA
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Não foram apenas argumentos pela defesa da soberania brasileira e de prejuízos à relação bilateral que os diplomatas brasileiros usaram com seus colegas americanos na tentativa de dissuadir a gestão Donald Trump de impor sanções ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
Dias após a declaração do Secretário de Estado Marco Rubio de que havia "grande possibilidade" de que Moraes fosse enquadrado na Lei Magnitsky, que impõe restrições e bloqueios financeiros, no último fim de semana, em uma reunião com auxiliares de Rubio em Washington D.C., a diplomacia brasileira usou como argumento algo que vinha sendo considerado um trunfo pelos bolsonaristas radicados nos EUA: o processo movido na Flórida contra Moraes pela empresa de Donald Trump, a Trump Media & Technology Group, controladora da Truth Social, e pela rede social Rumble.
Na ação, movida em fevereiro, as duas empresas acusavam Moraes de tentar impor decisões a elas fora de suas jurisdição, em território americano. Segundo elas, na ausência de representantes legais da Rumble no Brasil, Moraes vinha evitando os mecanismos oficiais de cooperação judicial internacional e enviando e-mails para funcionários das empresas na Flórida para notificá-las de suas decisões de retirada de conteúdos do ar e da aplicação de multas e outras punições.
Além disso, os conteúdos a serem excluídos segundo as decisões de Moraes seriam de usuários igualmente baseados na Flórida, como o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos.
Para as empresas, as ações do magistrado configurariam um assalto à soberania nacional dos Estados Unidos. Diante disso, os advogados das duas empresas pediram uma liminar para defendê-las dos atos de Moraes. Enquanto o processo seguia, a Rumble chegou a ser bloqueada no Brasil, à semelhança do que aconteceu ao X, por falta de representantes legais no país e descumprimento de ordens judiciais.
Para o Itamaraty, a decisão da juíza da Flórida Mary S. Scriven, que rejeitou o pedido de liminar da Rumble e da empresa de Trump, derruba a tese de que Moraes teria extrapolado seus poderes para perseguir as big techs americanas e puni-las em território americano.
Na decisão, a juíza afirmou que Moraes não tinha competência legal para determinar a retirada do ar de contas de usuários nos EUA e que deveria usar os mecanismos formais para aplicar qualquer decisão a elas.
Mas também escreveu que não seria necessário oferecer à Rumble e a Trump Media nenhum anteparo judicial adicional, já que "aparentemente nenhuma ação foi tomada para fazer cumprir a decisão de Moraes pelo governo brasileiro, pelo governo dos EUA ou de qualquer outro ator relevante. Até que tais medidas sejam tomadas, esta questão não está madura para revisão judicial".
Segundo disse ao UOL um dos embaixadores brasileiros envolvidos na estratégia de defesa de Moraes, "se não houvesse uma decisão vinda da própria Justiça dos EUA admitindo que ele não fez valer nenhuma decisão contra as empresas em território americano, poderia ser mais difícil derrubar o argumento de transnacionalidade dos atos de Moraes", mas, de acordo com este mesmo embaixador, as palavras de Scriven fragilizaram a justificativa para a aplicação das sanções Magnitsky ao magistrado.
A interpretação do Itamaraty se choca com o entendimento da Rumble, da Trump Media e de bolsonaristas radicados nos EUA, como o deputado federal Eduardo Bolsonaro e o comentarista Paulo Figueiredo, que há meses frequentam as salas do Departamento de Estado, da Casa Branca e do Congresso americano para articular as sanções contra Moraes.
Em uma nota divulgada pouco depois da decisão de Scriven, a Rumble classificou o resultado como "uma vitória completa para a liberdade de expressão", e disse que o ato da juíza "envia uma mensagem forte aos governos estrangeiros de que eles não podem contornar a lei dos EUA para impor censura em plataformas americanas". Satisfeitas, as empresas não recorreram do resultado. O processo não teve novos desdobramentos de lá para cá.
A despeito do entendimento do lado bolsonarista, fontes do Itamaraty do governo Lula defendem ter sido este o argumento mais eficiente para dissuadir, ao menos temporariamente, a gestão Trump da aplicação da Magnitsky contra Moraes. Admitem, porém, que não se pode garantir que o ministro não será alvo destas sanções em um futuro próximo.
Nos últimos dias, Rubio anunciou restrição de vistos americanos a autoridades latino-americanas que tenham se envolvido no que a administração Trump considera como "censura" à liberdade de expressão de indivíduos e empresas americanas. Embora o nome dos afetados não tenha sido divulgados, expoentes trumpistas sinalizaram que Moraes era um dos alvos.
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