Sanção a Moraes nos EUA seria sem precedente e 'camisa de força financeira'
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"Não é uma pena de morte, mas é certamente uma camisa de força financeira". A descrição, feita pelo professor de direito da Universidade Nacional da Austrália, Anton Moiseienko, se refere aos impactos da Lei Global Magnitsky a quem recebe suas sanções.
Criada ainda na gestão de Barack Obama, a regra tinha a intenção de punir acusados de violações aos direitos humanos ou atos de corrupção, e focava inicialmente em cidadãos russos. Aplicada mundialmente desde 2016, a legislação americana prevê três tipos de punições aos seus alvos: restrição de acesso ao território dos Estados Unidos, congelamento de bens no país e impedimento de fazer transações financeiras em dólar com toda e qualquer instituição bancária que atue nos Estados Unidos - o que incluiria, por exemplo, as bandeiras de cartões de crédito Visa e Mastercard ou mesmo o Banco do Brasil.
Nenhum brasileiro jamais foi submetido às sanções Magnitsky, mas isso pode estar prestes a mudar. No último dia 21, o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, afirmou que "há uma grande possibilidade" de que a Lei seja aplicada contra o ministro do STF Alexandre de Moraes. Em recente entrevista à coluna, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, atualmente nos EUA, disse que seu objetivo final no país é obter essa punição a Moraes e que o processo "está na Casa Branca, está indo adiante".
Um dos maiores estudiosos das aplicações e dos efeitos da lei, Moiseienko afirmou à coluna que a punição a Moraes por suas decisões jurídicas em relação à derrubada de conteúdos em redes sociais representaria um marco. Isso porque, estenderia de maneira inédita a interpretação sobre o que constitui abuso aos direitos humanos.
"Não se tratava de violação de direitos humanos e não se baseava em um juiz adotando uma decisão que o governo dos EUA considera contrária aos direitos humanos. Portanto, seria um desenvolvimento sem precedentes em termos de extensão do alcance das sanções de Magnitsky", avaliou.
Houve alguns casos de juízes sancionados pelos EUA no passado, em democracias, especialmente, no Panamá e no Equador. Mas nenhum deles jamais foi submetido à [Lei] Magnitsky, e sim a outro programa de sanções dos EUA que envolvia apenas restrições imigratórias. E contra eles, a alegação que pesava era de corrupção judicial
Moiseienko, em entrevista ao UOL
Sanção tem elemento político
Alexandre de Moraes é o juiz relator de casos rumorosos, como o processo no qual é réu o ex-presidente Jair Bolsonaro, e o inquérito das fake news - que ordenou a derrubada de contas e conteúdos às big techs americanas e tirou o X do ar no território brasileiro por cerca de 40 dias.
Expoentes bolsonaristas e trumpistas o acusam de ferir o princípio da liberdade de expressão e de extrapolar sua jurisdição, além de tentar fazer valer suas decisões em território americano. Seria essa a argumentação para enquadrá-lo como um abusador dos direitos humanos.
"Até o momento, as violações graves dos direitos humanos sancionadas pelos EUA sob a Lei Magnitsky Global invariavelmente envolveram violência grave. Estamos falando de tortura, sequestros, desaparecimentos forçados e assim por diante", diz Moiseienko.
Não creio que, até o momento, violações graves dos direitos humanos tenham sido interpretadas como abrangendo condutas como a limitação da liberdade de expressão por meio da adoção de uma decisão judicial, o que efetivamente seria a essência das alegações contra Moraes
Moiseienko
Segundo o especialista, esse tipo de sanção tem um elemento "inerentemente político" já que não depende de "processos criminais" ou "julgamentos", e é "imposta por um governo, não por um tribunal".
"Então claro que há algum grau de seletividade política nos alvos das sanções. Ainda assim, porém, existe uma importante questão de credibilidade aqui. Até hoje, a [Lei] Magnitsky foi usada para processar alguns dos mais corruptos e mais brutais abusadores dos direitos humanos ao redor do mundo. E há um grande valor nisso", diz o especialista, para concluir:
Se essas sanções forem diluídas para perseguir pessoas de quem o governo dos EUA não gosta por razões mais políticas do que de envolvimento em corrupção ou abuso de direitos humanos, então há um grande risco nisso
Moiseienko
O professor cita especificamente as recentes sanções a membros do Tribunal Penal Internacional como um exemplo do problema. Segundo ele, esse tipo de ação derruba a credibilidade das ferramentas de pressão americanas.
"Quanto mais vemos sanções contra pessoas como o Tribunal Penal Internacional, ou juízes, ou advogados que não fizeram nada de errado além de estarem do lado errado do que o governo quer que eles façam, maior é o risco de que o resto do mundo olhe para as sanções dos EUA e diga que isso é parte do problema, não da solução", diz.
Moiseienko já atuou como consultor sobre sanções internacionais para a Câmara dos Comuns do Reino Unido, da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e do Senado Australiano e é autor do recém-lançado "Doing Business with Criminals" (algo como "Fazendo negócios com Criminosos") publicado pela Cambridge University Press.
Responsável por uma das mais extensas pesquisas do impacto da lei sobre centenas de sancionados, Moiseienko documentou que para pelo menos dois terços deles os efeitos foram além do escrutínio da imprensa e implicaram ainda em persecução penal em seus países, além de punições internacionais e em dificuldades financeiras.
"Mesmo bancos não internacionais ou americanos tendem a não manter entre seus correntistas qualquer pessoa que tenha sofrido sanção dos Estados Unidos, porque os riscos de punição tornam essa operação muito insegura", explica.
Se aplicadas, sanções dificilmente serão revertidas
Moiseienko ressaltou que, uma vez que as sanções sejam aplicadas, é praticamente impossível recorrer e vencer: "e é aqui que o alcance extraordinário das sanções se torna realmente aparente, porque, em primeiro lugar, o governo tem um amplo poder discricionário para impor sanções a alguém."
O padrão para a imposição de sanções sob a Lei Magnitsky Global é a evidência confiável, que é inferior aos padrões que alguém precisa satisfazer em um julgamento criminal ou em um julgamento civil. Portanto, desde que o governo tenha evidências confiáveis.
Para contestar sanções, é preciso demonstrar que a decisão do governo dos EUA é arbitrária, capciosa ou fora da autoridade legal. E esse é um limite muito alto a ser atingido. E, até onde eu sei, não houve nenhuma contestação bem-sucedida às sanções Magnitsky até agora. Então, efetivamente, se você for sancionado pelo governo dos EUA, estará em uma situação bastante difícil
Moiseienko
Em que pese a complicação pessoal para quem sofre a sanção, se Moraes sofrer de fato a sanção, Moiseienko descarta qualquer implicação "direta ou indireta" tanto para o Supremo Tribunal Federal quanto para a União. "Talvez apenas pessoas que assumiriam posições na Corte passem a pensar que podem também sofrer esse tipo de punição se desagradar os EUA", diz ele.
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