Com imagem de pacificador em xeque, Trump chega a tenso G7 no Canadá
O G7, grupo das economias mais industrializadas do mundo, completa 50 anos em crise. E a situação deverá ficar evidente no encontro que o grupo inicia neste domingo, 15, num cenário emoldurado pelas Montanhas Rochosas em Kananaskis, no Canadá.
"É um ambiente extremamente tenso, especialmente porque é justamente o G7 com quem Trump tem focado em criar conflitos neste segundo mandato. Há muito mais tensão entre esses países e Trump do que entre EUA e seus adversários tradicionais", afirma Carlos Gustavo Poggio, professor de relações internacionais do Berea College, e especialista em Estados Unidos.
Nenhum outro conjunto de países aliados dos EUA foi tão claramente confrontado pelo republicano quanto o grupo, que inclui o Canadá, sobre quem Trump impôs taxas e declarou o interesse de anexar como o 51º Estado americano, e a União Europeia, a quem Trump tem ameaçado com múltiplas tarifas, cobrado aumento do gasto militar em autodefesa, além de demonstrar cobiça pela Groenlândia, território do Reino da Dinamarca. Estão ainda no grupo Japão e Reino Unido (e Itália, Alemanha e França também têm assento de membros individuais do G7).
Ao contrário das últimas reuniões, quando o grupo — com apoio dos EUA sob o governo democrata de Joe Biden — firmou posição a favor de um apoio militar e financeiro incondicional à Ucrânia, desta vez o tema promete ser um desafio.
Isso porque Donald Trump adotou uma nova postura para tentar forçar um acordo de paz entre Rússia e Ucrânia e, no processo, chegou a suspender totalmente os repasses financeiros e de armamentos aos ucranianos. No ano passado, por exemplo, na Itália, os líderes do G7 se comprometeram com um aporte de US$ 50 bilhões para que a Ucrânia defendesse seu território. Agora, os europeus sugerem intensificar sanções contra a Rússia, dada a falta de progresso nas negociações de paz, mas a administração de Trump resiste.
Trump ao lado de Netanyahu sobre Gaza
Outro ponto de discordância é a situação de Gaza. No fim de maio, os líderes de Canadá, França e Reino Unido subiram o tom contra o governo israelense de Benjamin Netanyahu e ameaçaram "medidas concretas" caso a atual ofensiva em Gaza não cesse e o país não permita a entrada de ajuda humanitária aos palestinos. Os europeus voltaram a demandar negociações para a criação de um Estado Palestino. Enquanto isso, Trump apoia o plano de Netanyahu de retirar os palestinos da região de Gaza em definitivo. O americano chegou a propor a construção de uma "riviera" no local, e que a população palestina fosse absorvida por países árabes da região.
"É possível que uma declaração final conjunta seja muito esvaziada", afirma Poggio. A veículos internacionais, fontes do governo canadense chegaram a admitir que um texto final conjunto pode sequer ser alcançado, o que selaria um fracasso diplomático do encontro. Mais provável é que os líderes divulguem comunicados individuais sobre os temas discutidos.
"Há um certo cansaço de certos líderes, como o do Canadá, com a postura do Donald Trump e há um reconhecimento por parte desses outros países de que vão ter que tomar a frente de iniciativas sem mais contar com os EUA. Os EUA deixam de ser um líder, um aliado importante e passam a ser alguém que você precisa lidar e contornar para não criar dificuldades", afirma Poggio.
Os sinais de resistência surgem em palavras e ações. Relembrando que a França é "amiga e aliada dos EUA", o presidente francês Emmanuel Macron criticou há alguns dias os atos de Trump. "Queremos cooperar, mas não queremos ser instruídos diariamente sobre o que é permitido, o que não é permitido e como nossa vida mudará por causa da decisão de uma única pessoa", disse Macron.
Antes de comparecer ao Canadá, o presidente francês esteve ontem na Groenlândia, em sinalização para Trump de que a Europa está unida na defesa da ilha. Foi a primeira vez que um líder europeu visitou o território.
Relação com Canadá piorou
Já o anfitrião canadense Mark Carney afirmou que as tarifas de Trump criaram fissura na relação histórica entre os dois países e que "a predominância (dos EUA) no mundo é coisa do passado".
Para Poggio, é esperado que os demais líderes do G7 se apresentem coordenados, "para evitar emboscadas diplomáticas de Trump", como as cenas de humilhação no salão oval a que ele submeteu o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e o sul-africano Cyril Ramaphosa.
"Trump vem institucionalizando encontros como palcos para a humilhações públicas, notadamente daqueles que são aliados democráticos dos EUA. São táticas claras do Donald Trump, sinais muito evidentes de que a diplomacia tradicional foi substituída por essas performances de humores de Trump", diz Poggio.
O ex-primeiro-ministro canadense Jean Chrétien sugeriu dias antes do encontro do G7 que os chefes de Estado ignorem qualquer "chilique" do presidente americano. "Se ele decidir fazer um show para aparecer no noticiário, ele fará uma loucura", disse Chrétien. "Deixem ele fazer e sigam conversando normalmente", recomendou.
O clima sugere limites claros para as táticas de negociação de Trump, que chega ao evento sob desconfiança doméstica em relação a uma de suas principais promessas de campanha: a de ser um pacificador global.
Nos últimos dias, os pedidos de Trump a Israel para que adiasse qualquer ataque ao Irã foi ignorado. Trump queria ver a conclusão de negociações diplomáticas entre iranianos e americanos sobre o programa nuclear de Teerã, mas Israel iniciou um conflito de grandes proporções contra o regime dos aiatolás que ameaça dragar os EUA para uma nova guerra no Oriente Médio.
Quase cinco meses após o início do governo, Trump testemunhou a intensificação da guerra entre Rússia e Ucrânia, com negociações de paz que não avançam. Insatisfeita, a Casa Branca tem ameaçado se retirar de qualquer mediação.
Além disso, o secretário de defesa de Trump, Pete Hegseth, disse há duas semanas que uma invasão de Taiwan pela China é "iminente", o que foi interpretado como um sinal de que os chineses estão escalando a pressão militar na região. Além disso, na guerra tarifária com os chineses, Trump tem demonstrado dificuldades em avançar. Há alguns dias, um acordo entre americanos e chineses foi fechado para manter o patamar de tarifas do começo do processo - e garantir uma cota de exportação de terras raras chinesas para os EUA. Mas, segundo os analistas, a relação com a China não está agora mais vantajosa do que era no ano passado.
"Já há domesticamente a percepção da dificuldade de Donald Trump de atuar como pacificador. Eleito com a promessa de resolver conflitos em 24 horas e obter a paz mundial, ele tem visto os conflitos se estenderem e se intensificarem. Trump dizia que, se fosse presidente, conflitos como Rússia e Ucrânia não teriam acontecido, fica claro que não está funcionando assim", diz Poggio.
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