Natália Portinari

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Reportagem

Ministério atrasa pagamento de construtora de ex-namorada de Lira

A empreiteira de uma ex-namorada do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), está desmobilizando maquinário e atrasando contas devido a um atraso de quase três meses no pagamento para uma obra de um ano de duração em Alagoas.

O convênio para a obra foi assinado em 2022 entre a prefeitura de Girau do Ponciano (AL) a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Paraíba), controlada em Alagoas pelo primo de Lira, Joãozinho Pereira.

O atraso, porém, se dá por responsabilidade do MIDR (Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional), que não repassou os recursos para a prefeitura para que a obra possa continuar. A pasta é comandada por Waldez Góes, também aliado de Lira, do PDT.

O objetivo da obra é ligar a cidade de 36 mil habitantes ao povoado de Canafístula com 17 km de pavimentação.

Quem enviou os recursos foi o próprio presidente da Câmara, através de emendas de relator ("orçamento secreto"), ainda em 2022, antes de essa modalidade ser proibida pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

No início de 2024, um ano após o gasto ser autorizado pelo governo, a prefeitura abriu a licitação. Três construtoras se prontificaram. Quem venceu foi a Pereira Lúcio Engenharia, por R$ 26,6 milhões.

Foram vencidas a Novatec Construções e Empreendimentos e a FP Construtora, duas empresas que acumulam centenas de contratos com pequenas prefeituras de Alagoas.

A Pereira Lúcio é uma sociedade entre o engenheiro civil Marcus Vinicíus Pereira Lúcio e Rosane Leão Gama, ex-namorada de Arthur Lira e mãe de sua filha mais velha. O relacionamento é anterior aos dois casamentos do presidente da Câmara dos Deputados, nos quais ele teve outros filhos.

A empresa foi criada em 2020. Antes disso, Pereira Lúcio prestava serviços para outras firmas de engenharia no estado.

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Relatório da obra mostra trechos em que máquinas estão trabalhando em Girau do Ponciano (AL)
Relatório da obra mostra trechos em que máquinas estão trabalhando em Girau do Ponciano (AL) Imagem: Reprodução

Motivo do atraso

Segundo a Codevasf, os R$ 10 milhões do convênio estão retidos sob análise do MIDR (Ministério do Desenvolvimento e Integração Regional), apesar de haver um empenho (reserva para pagamento) e orçamento disponível para gastar com a obra.

A estatal disse que "após analisar a mais recente medição do convênio", solicitou ao MIDR, em 15/8 — por volta de um mês depois que a medição foi entregue —, a liberação dos recursos à Prefeitura de Girau do Ponciano.

"Esses recursos estão vinculados a Termo de Execução Descentralizada (TED) firmado entre a Codevasf e o MIDR. Assim que houver a liberação dos recursos financeiros, a Companhia realizará a transferência dos valores para a prefeitura", disse a Codevasf ao UOL.

Na superintendência da Codevasf, Joãozinho Pereira deixou um substituto no cargo para se candidatar a prefeito de Junqueiro (AL) pelo PP (ele não conseguiu se eleger). O grupo de Lira, porém, segue influenciando na gestão da companhia.

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Questionado pelo UOL, o ministério, por sua vez, disse que "o recurso foi solicitado pela Codevasf e está em análise para liberação de pagamento", sem explicar o motivo da demora.

Procurado, Marcus Pereira Lúcio disse que sua empresa está sendo prejudicada pelo atraso no pagamento.

"Já desmobilizei mais de dois terços dos equipamentos. Não estamos conseguindo pagar algumas contas. Não posso dizer quem é o responsável por esse atraso, se foi ele (Arthur Lira), ou quem foi. Mas estou passando dias difíceis", afirmou ao UOL.

O prefeito de Girau do Ponciano é David de Barros, do MDB. Apesar de ser filiado ao MDB, partido dos rivais de Lira no estado, é um aliado próximo do presidente da Câmara. No último domingo, ajudou a eleger Bebeto Barros (PP), seu primo, para prefeito no ano que vem.

Consórcio

A Pereira Lúcio ganhou o contrato em um consórcio, em que 2% da participação é da empresa AR Engenharia. O dono da AR, Diogo Andrade Romão, foi candidato a prefeito pelo PT em Maraial (PE).

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A obra, com prazo para acabar em fevereiro do ano que vem, começou em abril. O consórcio recebeu cerca de R$ 5 milhões pelo que já executou.

Pouco tempo depois, em 11 de julho, as empresas cumpriram a meta de 14% de execução. Segundo as regras do convênio, seria quando o governo federal liberaria mais R$ 10 milhões para a prefeitura.

Os recursos, porém, não chegaram até agora, com quase três meses de atraso, comprometendo a realização da obra e forçando a empresa a desmobilizar seu maquinário, segundo a própria Pereira Lúcio.

Participantes da licitação

Na licitação vencida pela Pereira Lúcio, havia duas concorrentes: a Novatec Construções e Empreendimentos, que fez uma oferta de R$ 26,9 milhões, e a FP Construtora, que disse que faria a obra por R$ 30,3 milhões, praticamente sem desconto sobre o orçamento proposto pela prefeitura.

A FP Construtora, uma das concorrentes da licitação em Girau do Ponciano, tem como sócia Lucilene Freire Peixoto, sogra de Fabio Jatobá, ex-diretor financeiro da Assembleia Legislativa de Alagoas.

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Jatobá foi preso na Operação Taturana, investigação em que Lira foi acusado de participar de um esquema de desvio de dinheiro quando era deputado estadual, pelo qual foi inocentado recentemente.

Ex-diretor financeiro da Assembleia, Jatobá foi condenado por improbidade administrativa por seu envolvimento. Hoje, ele responde na Justiça também pela acusação de peculato e lavagem de dinheiro por quando era prefeito de Roteiro (AL).

A FP Construtora e Lucilene Freire Peixoto também são acusadas, na Justiça federal de Alagoas, de improbidade administrativa pelos contratos que mantinham com a Prefeitura de Marechal Deodoro (AL).

O MPF (Ministério Público Federal) apontou direcionamento das licitações, falta de controle sobre as obras, uma obra bancada pela construtora no apartamento de um ex-prefeito e um saque na conta da construtora realizado por um servidor da prefeitura em 2011.

Já a Novatec é citada em investigações do TCU (Tribunal de Contas da União). Em 11 de novembro de 2023, a Corte mandou anular uma licitação de R$ 7,3 milhões em Parari (PB) após concluir que a concorrência havia sido direcionada para que a Novatec ganhasse.

A empresa também foi escolhida vencedora em um convênio de R$ 40 milhões com a prefeitura de Natal (RN), outro que foi parar no TCU sob suspeita de direcionamento indevido para privilegiar a Novatec.

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Em maio deste ano, a prefeitura de Natal foi advertida pelo TCU de que o edital continha restrições impróprias, que cercearam a competitividade.

Um contrato da Novatec com a prefeitura de Santa Rita (PB) foi alvo de apontamentos semelhantes do TCE-PB (Tribunal de Contas do Estado da Paraíba). A Corte de contas estadual considerou irregular uma licitação de R$ 114 milhões de 2017 em que a construtora se consagrou vencedora, por violação ao princípio da competição entre os concorrentes.

Nos processos, a construtora não foi acusada de ter participado do direcionamento das licitações e, portanto, não foi punida pelos casos.

As construtoras FP e Novatec foram procuradas, mas não responderam ao contato do UOL. Arthur Lira também não retornou.

Reportagem

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