Natália Portinari

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Reportagem

Aliado de Elmar mandou emenda para obras investigadas pela PF

As obras de pavimentação do Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas) na Bahia, investigadas pela PF (Polícia Federal) por suspeita de desvios, foram financiadas com emendas indicadas por um ex-deputado federal do PP, Cacá Leão.

A PF deflagrou uma operação nesta terça-feira (10) para investigar peculato, corrupção, lavagem de dinheiro e fraude em licitações no Dnocs. Foram 17 alvos de prisão preventiva, além de mandados de busca e apreensão e bloqueios de R$ 162 milhões em bens.

A investigação partiu de suspeitas de irregularidades em contratos firmados em 2021 pelo Dnocs com a empresa Allpha Pavimentações e Serviços de Construções Ltda, dos irmãos Alex Rezende Parente e Fábio Rezende Parente, para pavimentação.

Esses contratos foram abastecidos com recursos de emendas de relator, a pedido do então deputado Cacá Leão, em dezembro de 2021. Essas emendas, conhecidas como "orçamento secreto", foram declaradas inconstitucionais pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

Procurado, o ex-deputado disse que não sabia qual era a empresa executando as obras. "A emenda foi colocada no órgão. Ele que licita e executa", disse.

Leão é aliado de Elmar Nascimento, líder do União Brasil na Câmara. Em 2022, se candidatou a senador, mas foi derrotado na eleição. Hoje, é secretário de governo da prefeitura de Salvador.

O primo de Elmar e ex-secretário executivo de Campo Formoso (BA), Francisco Nascimento, foi um dos presos na operação da PF por suspeita de participar de fraudes em licitações. No momento da ação policial em Salvador, ele arremessou pela janela da sua residência uma bolsa com dinheiro vivo, que foi interceptada pela PF.

Assim como o Dnocs, o município de Campo Formoso tem contrato com a Allpha Pavimentações. Por isso, a prefeitura acabou sendo incluída no escopo da investigação. O município é administrado por Elmo Nascimento, irmão de Elmar.

Hoje vereador, Francisco é suspeito de integrar uma organização criminosa que fraudava concorrências com a Allpha Pavimentações, pagando propina a servidores públicos e, depois, lucrando com superfaturamento em contratos.

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Contrato em Campo Formoso

A Allpha Pavimentações pertence aos irmãos Alex Rezende Parente e Fábio Rezende Parente, que também foram presos na operação. Suas empresas têm contratos de R$ 150 milhões com o governo federal, quase todos com o Dnocs da Bahia e de Alagoas.

Além das obras investigadas no Dnocs, a Allpha também tem um contrato de pavimentação de R$ 12 milhões com verba da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) em Campo Formoso.

Como mostrou o UOL, Elmar ajudou a indicar recursos para esse contrato, que envolve a pavimentação de uma estrada que passa em frente à fazenda de seu pai.

O contrato é citado no pedido de prisão preventiva da Polícia Federal. Segundo a PF, enquanto esteve na prefeitura, Francisco Nascimento "recebeu diversas vantagens indevidas para direcionar e patrocinar os interesses das empresas dos irmãos Parente, seja de maneira direta ou exercendo influência sobre os demais agentes públicos".

A PF aponta que a Allpha Pavimentações pagou R$ 100 mil à Construtora Lumax para que ela desistisse da licitação em Campo Formoso. Quando houve a concorrência, a Lumax fez uma proposta ligeiramente pior que a Allpha.

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Estrada em Campo Formoso onde fica a fazenda do pai do deputado Elmar Nascimento
Estrada em Campo Formoso onde fica a fazenda do pai do deputado Elmar Nascimento Imagem: Google

Márcio Freitas dos Santos, o pregoeiro, também teria participado da combinação. Ao enviar um dos pagamentos a Alex Parente, Francisco Nascimento pede que ele "deixe algo para o pregoeiro". "O cara é parceiro e ajudou", disse, em mensagem obtida pela PF.

Entre 2022 e 2023, Francisco Nascimento recebeu R$ 100,7 mil das empresas administradas por Alex Parente e de Lucas Lobão, ex-coordenador do Dnocs. A PF identificou também que, neste ano, Francisco Nascimento voltou a procurar Alex Parente solicitando vantagens indevidas, como o empréstimo de um avião particular.

No último ano, a Allpha recebeu R$ 56,9 milhões da Prefeitura de Campo Formoso. Procurada, a prefeitura não respondeu ao contato do UOL até a publicação deste texto. A Construtora Lumax também não respondeu à reportagem.

Obras no Dnocs

Outro preso nesta terça-feira foi Lucas Maciel Lobão Vieira, chefe do Dnocs na Bahia na época em que os contratos foram assinados. Ele foi afastado em setembro de 2021 após a CGU (Controladoria-Geral da União) verificar um sobrepreço de R$ 192 milhões na compra de caixas-d'água pelo órgão do governo federal.

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O Dnocs é vinculado ao Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional e tem um histórico de loteamento político e investigações por desvios. Sua função é mitigar os efeitos da seca, mas nos últimos anos seu orçamento tem sido usado para pavimentação.

Nos contratos investigados pela PF, o TCU (Tribunal de Contas da União) apontou, inclusive, que haveria um desvio de finalidade: o orçamento do Dnocs pode ser usado para estradas vicinais para escoar a produção rural, mas não para asfaltar vias urbanas, como foi feito pela coordenadoria da Bahia nesses contratos.

Em 2021, Cacá Leão pediu que recursos fossem enviados para obras em Jequié, Barra, Jaguaquara, Itaberaba, Rio Real, Pilão Arcado, Aurelino Leal e Cristópolis. Dias depois, o governo empenhou (reservou para pagamento) R$ 38 milhões para a empresa.

Segundo a PF, a Allpha faturou R$ 31,5 milhões em obras nos municípios de Barra, Rio Real, Itaberaba, Jequié, Juazeiro, Cristópolis e Novo Horizonte. Nesse montante, os investigadores apontam um superfaturamento de 13,4%.

A investigação da PF também indica que o grupo teria fraudado licitações no governo de Tocantins e em municípios dos estados do Amapá, Rio de Janeiro e Goiás. Os investigados tiveram uma movimentação financeira de R$ 1,38 bilhão de 2018 a 2024.

A defesa de Francisco Nascimento disse que não iria se manifestar porque ainda não teve acesso à investigação.

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Já a defesa de Alex Rezende Parente e Lucas Lobão disse que os investigados "desejam esclarecer todos os fatos no curso da investigação e eventual processo". "A defesa, contudo, pretende se manifestar sobre o mérito da acusação perante as autoridades competentes".

Reportagem

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