Alcolumbre é líder em obras com orçamento secreto, mostram novos dados

Ler resumo da notícia
Levantamento exclusivo do UOL mostra que as emendas parlamentares de comissão e de relator criaram um cenário em que obras de infraestrutura com recursos federais são controladas até hoje por um seleto grupo de parlamentares.
Após decisões do STF (Supremo Tribunal Federal), o governo federal exigiu saber quem eram os "padrinhos" dessas verbas e agora obteve novas informações, às quais o UOL teve acesso.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), é o parlamentar com mais influência nessas obras.
Elas são bancadas por emendas direcionadas pelos ministérios da Integração e Desenvolvimento Regional e das Cidades — a maior parte delas nos últimos dois anos, já no governo Lula (PT).
Sozinho, Alcolumbre foi responsável por direcionar R$ 226 milhões na pasta da Integração — onde indicou o ministro Waldez Góes — e R$ 204 milhões na das Cidades. Ao todo, R$ 430 milhões.
De 268 parlamentares, os dez mais beneficiados controlam um terço do dinheiro dessas emendas. A distorção é evidente em comparação às emendas individuais, em que a lei obriga senadores e deputados a receberem a mesma quantia.
Essas emendas são utilizadas principalmente em obras de pavimentação.
Para conseguir dar continuidade às obras, parlamentares foram obrigados a revelar quais cidades apadrinharam. Foram enviados 540 ofícios desde dezembro do ano passado aos dois ministérios. As demais pastas ainda não divulgaram seus ofícios.
Trata-se de obras com emendas de comissão e de relator empenhadas (reservadas para pagamento), mas que ainda não foram pagas, a maioria já no governo Lula (PT).
O UOL compilou esses documentos, que mostram como a cúpula do Congresso controla uma quantidade desproporcional de recursos da União, além de usar esse dinheiro para beneficiar empresas de aliados e parentes nos estados.
As 30 cidades mais beneficiadas receberam um terço dos recursos enviados para obras em municípios, o equivalente a R$ 1,2 bilhão do que foi identificado nesses ofícios.
Ao todo, 268 deputados e senadores, de 594 com mandato, enviaram suas indicações. Seguindo a determinação de Flávio Dino, do STF, apenas essas obras serão executadas. São R$ 5,7 bilhões em emendas identificadas (veja o ranking completo abaixo).
O cenário de concentração é semelhante ao que veio à tona em 2022, quando o STF mandou divulgar os beneficiados pelas emendas de relator e só 13 parlamentares relataram ter feito indicações acima de R$ 100 milhões cada um.
Apesar de ter proibido as emendas de relator no final de 2022, o STF permitiu o pagamento dos restos para não paralisar obras em andamento, desde que houvesse transparência sobre as indicações.
Foi com base nisso que, no final do ano passado, o ministro Flávio Dino mandou divulgar as informações sobre essas emendas e as de comissão.
O ministro considerou que as emendas de comissão foram usadas para dar continuidade à prática do orçamento secreto, que é como ficaram conhecidas as emendas de relator, implementadas no governo Jair Bolsonaro (PL).
O pagamento dessas emendas é uma das prioridades do Congresso no início deste ano.
Suplente de Alcolumbre
A maior indicação de Alcolumbre no Ministério da Integração foi para uma obra executada por empresa de seu suplente —a Construtora e Reflorestadora Rio Pedreira Ltda, de Breno Chaves Pinto — em um convênio da União com o governo do Amapá.
Waldez Góes, que autorizou o gasto no estado, agora controla o ministério responsável pela obra.
Alcolumbre mandou R$ 97,7 milhões em emendas para a obra. O edital da licitação é de 29 de dezembro de 2022, dois dias antes de Góes deixar o cargo de governador do Amapá. A licitação foi realizada pelo governo estadual.
Já foram pagos R$ 19,5 milhões à construtora de Chaves Pinto. Suas empresas, Rio Pedreira e LB Construções, têm R$ 1,4 bilhão em contratos com o poder público.
O empresário é investigado pela Polícia Federal por corrupção, fraude à licitação, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro e peculato. A investigação teve início com a descoberta de que a Rio Pedreira estaria fraudando certificações para "esquentar" madeira de origem ilegal.
A assessoria de Alcolumbre disse que "o senador exerce a função de coordenador da bancada federal do Amapá e, com essa missão, possui competência e obrigação de atuar no apoio à execução de todos os convênios do estado".
"Vale ressaltar que essa somatória de valores representa todas as indicações dos deputados federais e da bancada de senadores do Amapá, cujos ofícios foram assinados pelo senador Davi."
O levantamento feito pelo UOL inclui, porém, apenas as emendas de comissão e de relator que Alcolumbre identificou como suas em ofícios aos ministérios.
Empresas familiares no Piauí
O senador emedebista Marcelo Castro foi relator do Orçamento em 2023, primeiro ano do atual governo Lula, e presidente da Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo no mesmo ano.
Castro usou o cargo para direcionar emendas de comissão ao Piauí, incluindo indicações de R$ 165 milhões ao DER-PI (Departamento de Estradas de Rodagem).
O órgão foi comandado por seu filho, o atual deputado federal José Dias de Castro Neto (PSD-PI), de 2017 a 2022, quando empresas da família foram contratadas por ele.
Essas indicações incluem:
- R$ 97,2 milhões para obras no DER-PI executadas por um consórcio em que seu irmão, Humberto Costa e Castro, é sócio (o que pode violar a lei das licitações, já que o filho do senador foi quem supervisionou o processo);
- R$ 38,3 milhões para uma obra no DER-PI executada pela Construtora Hidros, de sócios de seu irmão;
- R$ 29,5 milhões para outra obra executada pela Construtora Jurema, de seus irmãos, licitada pelo DER-PI (o que também viola a lei);
- R$ 13 milhões para uma obra licitada pelo DER-PI vencida pela Construtora Renata, cujo dono é primo de Marcelo Castro.
Além disso, a Construtora Jurema, de João Castro, irmão de Marcelo Castro, recebeu R$ 38,2 milhões por indicação da Comissão de Desenvolvimento Regional do Senado para uma obra de saneamento em Floriano (PI).
O senador Ciro Nogueira (PP-PI) se identificou como padrinho dessa emenda em ofício ao Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional. A obra se arrasta desde 2009 e já foi alvo de diversas fiscalizações por irregularidades.
Como já mostrou o UOL, outra indicação da Comissão de Desenvolvimento Regional partiu de Cid Gomes (PSB-CE). Foram R$ 15,8 milhões para pavimentar uma estrada em uma região em que o senador tem uma fazenda de eucaliptos. Ele diz que a obra beneficia outros produtores.
Em 2024, Cid Gomes também indicou R$ 47,7 milhões para um convênio do ministério para pavimentação em Quixeramobim (CE), cidade administrada por seu aliado, Cirilo Pimenta (PSB). A obra ainda não teve início.
Ordem do governo e transparência parcial
Deputados e senadores enviaram ofícios para todos os ministérios em que há verbas remanescentes dessas emendas para atender à exigência de uma portaria publicada em 10 de dezembro de 2024 pelo governo federal.
A portaria foi assinada pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda), Simone Tebet (Planejamento), Esther Dweck (Gestão) e Alexandre Padilha (Secretaria das Relações Institucionais) e exigiu também a apresentação de planos de trabalho para as transferências especiais ("emendas Pix") até o final do ano passado.
Os ministérios da Integração e Desenvolvimento Regional e das Cidades enviaram os ofícios ao UOL via LAI (Lei de Acesso à Informação).
Já o Ministério do Turismo disse que ainda está compilando as informações, e o da Agricultura e da Saúde não enviaram os documentos à reportagem do UOL.
No Congresso, fontes ouvidas pela reportagem relatam que, nesses ofícios, parlamentares não quiseram informar sobre emendas que já tinham sido executadas, já que não viram vantagem em se identificar em negociações já fechadas.
Por isso, ainda é difícil mapear quanto poder teve cada um sobre os R$ 7,6 bilhões em emendas de comissão já quitados desde 2023.
(Por um erro de digitação nos ofícios enviados ao poder Executivo, a senadora Margareth Buzetti figurava entre os 10 senadores que mais indicaram emendas no gráfico acima. Suas indicações, na realidade, foram de R$ 28,7 milhões. O gráfico foi alterado.)
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.