Natália Portinari

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Contrato do governo com ONG tem máquinas 36% acima do preço

O Ministério da Agricultura e Pecuária pagou à ONG Instituto Besouro por máquinas agrícolas com valor orçado 36% acima do praticado no mercado. O convênio, de R$ 23,8 milhões, foi financiado com uma emenda dos parlamentares de Rondônia.

O orçamento apresentado pela ONG custa R$ 6,3 milhões a mais do que o valor que costuma ser pago pelos mesmos itens pela administração pública, segundo levantamento feito pelo UOL de compras de 2024 no Painel de Preços do governo federal.

O painel reúne dados das contratações feitas por órgãos públicos no site Compras.gov.br.

A ONG, que já recebeu o dinheiro do ministério, disse que ainda não efetivou a compra das máquinas e que irá fazer uma licitação na Bolsa Nacional de Compras, um site privado. Por isso, segundo o instituto, os preços podem mudar.

Já o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, disse, ao ser questionado sobre o orçamento, que determinou a "imediata apuração dos fatos e eventuais providências" à Secretaria-Executiva do ministério, que assinou o termo de fomento — instrumento de parceria entre ONGs e a administração pública — com o instituto.

"Essa é uma emenda impositiva [em que o governo é obrigado a executar os gastos apontados por parlamentares] de indicação da bancada do estado de Rondônia para esse beneficiário, não cabendo ao Mapa [ministério] fazer realocação", afirmou o ministro.

O deputado Maurício Carvalho (União-RO), coordenador da bancada de Rondônia, disse que a ONG foi escolhida pelo ministério.

"Nós pedimos máquinas agrícolas para o estado de Rondônia. Nosso interesse é entregar a maior quantidade possível de máquinas para atender mais municípios", afirmou, negando ter conhecimento — até ser informado pelo UOL — do termo de fomento.

Depois disso, o deputado pediu ao ministério que exija da ONG o mecanismo de pregão eletrônico para fazer a compra, abrindo a participação para todas as empresas do mercado, para que a emenda seja usada de forma eficiente.

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Orçamento inflado

No contrato com a ONG, o preço previsto para alguns itens é mais que o dobro do preço praticado pelas empresas do ramo em licitações públicas.

O governo pagou R$ 52,9 mil por unidade de uma grade niveladora, cujo preço médio no mercado é R$ 25,9 mil. O orçamento é para 55 unidades desse item.

Já um cortador de forragem acoplado a um trator, que custa em média R$ 44,4 mil, está orçado em R$ 102,6 mil (veja todos os itens na tabela abaixo).

ONG promete licitação

"Será feito um pregão eletrônico em que qualquer empresa poderá participar e competir", disse Vinícius Mendes Lima, presidente da ONG, ao UOL. "Vamos fazer essa divulgação através de jornais de grande circulação."

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"O valor que sobrar, se a máquina estiver mais barata, será devolvido aos cofres públicos com rendimentos corrigidos ou o ministério pode propor comprar outros equipamentos com o valor do saldo", disse Mendes Lima.

O Instituto Besouro é uma das ONGs que tiveram repasses suspensos pelo ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), no início deste ano, devido à falta de transparência sobre a execução de seus projetos.

No final de janeiro, os pagamentos foram liberados após o Instituto Besouro e outras entidades cumprirem algumas exigências determinadas pela CGU (Controladoria-Geral da União) para aumentar a transparência sobre seus gastos.

Dino determinou que a CGU fizesse um pente-fino em todos os repasses de emendas parlamentares a ONGs após a série de reportagens do UOL "Farra das ONGs" revelar desvios de verba federal a partir da subcontratação de empresas por essas entidades.

Emenda de bancada estadual

Em 17 de dezembro, o Ministério da Agricultura empenhou (reservou para pagamento) a verba para o convênio com a emenda da bancada de Rondônia.

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Dez dias depois, o secretário-executivo do Ministério da Agricultura, Irajá Rezende de Lacerda, assinou um termo de fomento com o Instituto Besouro.

A previsão é de que a verba seja usada em carretas, grades niveladoras, colhedoras, pulverizadoras, plantadeiras e perfuradores de solo, entre outras máquinas.

Segundo a ONG, elas serão destinadas a "150 pequenos e médios agricultores, pecuaristas e cooperativas rurais", com preferência aos localizados em áreas de baixa renda.

"Em resumo, a aprovação deste projeto não só impulsionará o desenvolvimento econômico do setor agropecuário em Rondônia, mas também promoverá a inclusão social, a sustentabilidade ambiental e o fortalecimento das comunidades rurais", diz o projeto.

Ao todo, o governo federal pagou pela entrega de 611 equipamentos. Os pagamentos foram liquidados pelo Ministério da Agricultura em fevereiro.

Em nota, a ONG disse que fará a capacitação de 350 agricultores para usar as máquinas e que seguirá os preços de mercado, promovendo a "realização de rigorosas cotações de preços, por meio da pesquisa de preços em sites de pelo menos três empresas especializadas no ramo do produto que se pretende adquirir".

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Regras para gastos com ONGs

ONGs não são obrigadas a fazer licitação, mas devem seguir os princípios da economicidade e moralidade, segundo o entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal), fazendo cotações de preços antes de efetuarem as compras.

"Quando recebe o dinheiro público, a ONG precisa fazer cotações de preços e demonstrar que a utilização do dinheiro público se deu da forma mais econômica possível", diz Guilherme Corona, advogado e doutor em direito administrativo pela PUC-SP.

Ele ressalta também que o Poder Legislativo, ao aprovar o plano de trabalho para uma emenda parlamentar, também tem uma função fiscalizadora. "A própria bancada já teria que ter feito um controle prévio dos preços com base no plano de trabalho dessa emenda. Na prestação de contas, também é preciso demonstrar que se seguiu o preço de mercado."

No ofício enviado ao ministério após o contato do UOL, o deputado Maurício Carvalho frisou que o pregão eletrônico irá "garantir maior transparência, economicidade e competitividade no certame, em consonância com as melhores práticas da gestão pública".

O Instituto Besouro tem sede em Porto Alegre (RS). Em seu portfólio, são listados projetos de incentivo ao empreendedorismo, financiados com dinheiro público ou por empresas.

Reportagem

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