Natália Portinari

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Lobista cobrou 20% para liberar emendas de empresários investigados, diz PF

A Polícia Federal encontrou indícios de que, no final de 2023, um lobista atuou para tentar destravar projetos no governo federal que beneficiariam um grupo de empresários investigados por desvios de recursos públicos na Operação Overclean. Contrato de prestação de serviços obtido pela PF cobrava 20% sobre os valores dos projetos.

Essas novas provas às quais o UOL teve acesso surgiram na terceira fase da Operação Overclean, deflagrada no dia 3 deste mês.

O lobista Sérgio Canozzi é sócio de uma empresa que oferece "consultoria para fins de desenvolvimento de negócios e consultoria institucional voltados a projetos junto ao governo federal".

Empresário gaúcho, Canozzi já integrou a diretoria do Grêmio. Em 2004, foi descrito por Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de Segurança Pública, como "corruptólogo". Na época, foi investigado pela CPI dos Bingos no Senado.

Em diálogos dos investigados da Overclean, Canozzi solicita uma contribuição de "200", possivelmente R$ 200 mil, segundo a PF, para "monetizar aquilo na próxima segunda-feira em Brasília" — a reunião teria ocorrido em 13 de dezembro de 2023. O tema da conversa era a aprovação pelo governo de convênios com prefeituras.

A investigação teve acesso a um contrato de prestação de serviços enviado pelo lobista aos empresários, que previa o pagamento de comissão de 20% sobre os valores pagos das emendas para financiar os convênios (veja abaixo).

Contrato de consultoria da Scaine Negócios e Participações, empresa de Sérgio Canozzi, que previa comissão de 20% sobre recursos de emendas, obtido pela PF na Operação Overclean
Contrato de consultoria da Scaine Negócios e Participações, empresa de Sérgio Canozzi, que previa comissão de 20% sobre recursos de emendas, obtido pela PF na Operação Overclean Imagem: Polícia Federal

Em diálogos com o empresário Alex Parente, o lobista cobra o fechamento do contrato e relata ter marcado uma reunião em Brasília para resolver o assunto, mas sem dar detalhes.

Parente é um dos empresários apontados pela PF como líder de uma organização criminosa montada juntamente com Marcos Moura, conhecido como "Rei do Lixo", para pagamentos de propina a agentes públicos e fraudes em licitações.

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Convênios para obras

Os investigados queriam liberar convênios no Ministério da Agricultura e Pecuária para pavimentação de estradas vicinais. A Allpha Pavimentações, empresa dos irmãos Parente, atuava nessa área, em licitações agora suspeitas de fraude.

Convênios do governo federal com prefeituras são um mecanismo usado para enviar recursos aos entes municipais, que ficam encarregados de fazer a licitação, escolhendo a empresa que vai executar a obra e, depois, fazendo os pagamentos.

Os convênios discutidos pelos investigados no Ministério da Agricultura — que somavam R$ 97,5 milhões para cidades da Bahia, Pernambuco e Ceará — não foram aprovados. Portanto, não foram enviadas emendas parlamentares para eles.

A minuta do contrato de consultoria, porém, previa uma "taxa de sucesso" de 20% sobre os valores dos contratos firmados nesses convênios que seria repassada à empresa de Canozzi, o que chegaria, portanto, a aproximadamente R$ 20 milhões.

Em 13 de dezembro de 2023, dia em que Canozzi estaria em Brasília, a expectativa dos empresários era de que os recursos seriam liberados pelo ministério, segundo diálogos analisados pela PF, o que acabou não acontecendo.

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Contrato não foi assinado, diz lobista

Procurada, a defesa de Canozzi afirmou que o contrato não foi firmado. "A empresa do senhor Canozzi foi contatada, apresentou orçamento, sendo enviada uma minuta para a celebração do contrato, mas acabou por ter recusado os seus serviços."

"Em que pese o senhor Sérgio Canozzi ser uma pessoa muito conhecida e renomada no meio político, em razão de há mais de três décadas prestar assessoria e consultoria empresarial, ele desconhece qualquer envolvimento ou participação no objeto desta operação, pois em momento algum prestou serviços para os envolvidos", afirmou a defesa de Canozzi.

Sua defesa diz ainda que recebe com "naturalidade" o fato de ter sido citado, "pois, para alguém com mais de três décadas de atuação no mesmo ramo, é comum ser citado e/ou mencionado, principalmente em razão do padrão de excelência, o qual não coaduna com práticas ilegais".

A defesa de Canozzi não respondeu com quem e em qual local teria ocorrido a reunião em Brasília em 13 de dezembro de 2023.

O contato dos Parente com Canozzi foi intermediado por Gabriel Mascarenhas Figueiredo Sobral, outro empresário que atuava na liberação de emendas em Brasília para beneficiar o grupo, segundo análise das conversas entre os investigados.

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Segundo sua defesa, Sobral apresentou Canozzi a Alex Parente, "mas depois não participou de qualquer conversa ou reunião". "Apenas encaminhou um áudio posterior para o Alex em que Canozzi pedia para retomar o contato. Não esteve em conversas sobre convênios, não foi ao ministério nem trocou mensagens sobre isso", afirmou a defesa de Sobral, em nota.

O UOL procurou o Ministério da Agricultura para questionar se houve algum contato ou reunião com Sérgio Canozzi, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.

Segundo a PF, os empresários também tentaram, no mesmo período, obter emendas do MIDR (Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional). A pasta não respondeu ao contato da reportagem.

A PF encontrou nos diálogos entre Sobral e Alex Parente documentos com as propostas de emendas para os dois ministérios. As propostas para a Agricultura não foram aprovadas, mas algumas solicitações de recursos do MIDR foram aceitas para análise.

As propostas foram inseridas no sistema do governo federal (Transfere.gov) pelas prefeituras que iriam, depois, receber os recursos.

Foi encontrada em conversa entre Sobral e Parente uma planilha com "diversas propostas para recuperação de estradas vicinais/Pavimentação, no montante de R$ 49.950.000,00 (quarenta e nove milhões, novecentos e cinquenta mil reais), para os municípios de Oliveira dos Brejinhos/BA, Juazeiro/BA, Ibicaraí/BA e Campo Formoso/BA" no MIDR, apontou a Polícia Federal.

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A defesa dos irmãos Parente não se manifestou. Em nota na terceira fase da Overclean, realizada neste mês, o advogado do empresário, Sebástian Mello, afirmou que "todos os fatos serão oportunamente esclarecidos perante as autoridades competentes, assim que tiverem pleno acesso à decisão e demais elementos dos autos".

Após a publicação desta reportagem, a defesa de Canozzi enviou uma nota à reportagem ressaltando que, na CPI dos Bingos, não houve nenhuma denúncia contra o empresário que tenha tido prosseguimento, e reiterou que ele não tem envolvimento com as atividades dos empresários investigados na Operação Overclean.

Reportagem

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