Natália Portinari

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Reportagem

TCU contraria técnicos e isenta aliado de Rui Costa no caso de respiradores

O TCU (Tribunal de Contas de União) contrariou o parecer da área técnica ao inocentar o ex-secretário-executivo do Consórcio Nordeste Carlos Eduardo Gabas em uma compra de respiradores pulmonares durante a pandemia de covid-19, em 2020, que nunca foram entregues.

Gabas é aliado do ministro da Casa Civil, Rui Costa, que à época era governador da Bahia, presidia o consórcio e assinou o contrato de R$ 48 milhões para aquisição dos respiradores.

Em processo julgado ontem, o TCU avaliou se Carlos Gabas e Valderir Claudino de Souza, então gerente administrativo do Consórcio Nordeste, deveriam ser responsabilizados pela compra de respiradores da empresa Hempcare.

Sem qualificação técnica e sem experiência prévia no fornecimento desse tipo de aparelho, a empresa recebeu pagamento adiantado do valor total do contrato e nunca entregou os respiradores.

Esse contrato foi assinado em abril de 2020 entre Rui Costa e a empresária Cristiana Taddeo, sócia da empresa. Rui Costa não foi alvo desse processo do TCU, mas é investigado em inquérito da Polícia Federal que apura os mesmos fatos.

Como revelou o UOL, a empresária admitiu em delação premiada que pagou comissões de R$ 11 milhões a lobistas que intermediaram o negócio com o consórcio, incluindo um empresário que se apresentou como amigo de Rui Costa e da então primeira-dama da Bahia, Aline Peixoto.

Rui Costa nega irregularidades e diz que rescindiu o contrato e determinou a abertura de investigação depois que os respiradores não foram entregues.

Gabas disse ao UOL que agiu num contexto de urgência e excepcionalidade e que não tem responsabilidade pessoal pela não entrega dos respiradores, que seria uma falha por parte da empresa.

Seu advogado, Pablo Domingues, disse ao UOL que Gabas "agiu amparado em parecer técnico da Procuradoria do Estado da Bahia (que validou a forma de contratação) e com base em normativo da AGU e lei estadual que permitiam pagamento antecipado".

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"Em verdade, o consórcio e os estados foram vítimas, e o próprio Gabas cuidou de denunciar os fatos à polícia", acrescentou.

Valderir ressaltou também o contexto de urgência e disse que apenas cumpriu ordens de superiores. Ele afirma que, depois do calote da Hempcare, adotou medidas para recuperar o dinheiro para os cofres públicos. Procurado pelo UOL, não respondeu até a publicação desta reportagem.

Área técnica recomendou multa

De acordo com o relatório técnico do TCU obtido pelo UOL, Gabas elaborou a minuta do contrato e autorizou o empenho (reserva do orçamento) para pagar a empresa e Valderir fez o termo de referência do contrato.

O parecer da auditoria de contratações do tribunal recomendou a aplicação de multa e que ambos fossem inabilitados para ocupar cargos públicos por um período de cinco a oito anos.

Segundo a AudContratações, apesar das circunstâncias excepcionais da pandemia, a falta de cautela na assinatura do contrato com a Hempcare não é justificada, já que havia indícios concretos da falta de capacidade da empresa.

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"Alguns detalhes específicos atentaram à razoabilidade e à sensatez do chamado 'administrador-médio' (termo análogo ao 'homem-médio', adaptado aos gestores públicos)", diz o parecer, elencando os seguintes itens:

  • A empresa foi aberta em 21/6/2019, ou seja, somente cerca de nove meses antes da assinatura do contrato;
  • Possuía capital social de apenas R$ 100.000,00, incompatível com o valor da contratação;
  • Nunca havia fornecido para a administração pública federal, o que não permitia uma análise da conformidade de seus compromissos pregressos e de sua efetiva qualificação técnica;
  • Seu principal segmento era, notoriamente, a comercialização de produtos à base de cannabis (conhecida como maconha), isto é, não detinha qualquer know how na comercialização do produto almejado pelo Consórcio Nordeste.

"Resta patente a afronta ao bom senso e à prudência confiar o dispêndio de quase R$ 49 milhões (...) a uma entidade cujos elementos constitutivos suscitavam, desde sempre, dúvidas plausíveis quanto à sua credibilidade para a comercialização em questão e de sua efetiva capacidade operacional."

A argumentação é que a classificação de pandemia justifica contratações emergenciais, mas não afasta o dever de cuidado de analisar o que está sendo comprado.

O ministro Jorge Oliveira, relator do caso, foi favorável à punição, mas acabou vencido no julgamento desta quarta-feira.

O voto revisor, do ministro Bruno Dantas, argumentou que não era possível exigir conduta diversa dos administradores, que se encontravam em uma situação de emergência, e que não houve erro grosseiro por parte deles.

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Dantas frisou que, se vierem novas informações do processo criminal comprovando dolo, fraude ou locupletamento de qualquer agente público, o tema pode ser reanalisado pelo colegiado.

O plenário do TCU se dividiu entre os ministros Bruno Dantas, Walton Alencar, Benjamin Zymler, Aroldo Cedraz e Antonio Anastasia, contra a punição, e Jorge Oliveira, Augusto Nardes e Jhonatan de Jesus, a favor da multa.

Apesar de não punir Gabas e Valderir, o TCU decidiu instaurar uma tomada de contas especial, a partir do processo, para apurar a responsabilidade da empresa no prejuízo provocado aos cofres públicos.

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