Natália Portinari

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Reportagem

Investigados pela PF vendiam dedetização 660% acima do preço a prefeituras

A Larclean, empresa de investigados pela Polícia Federal sob acusação de fraude a licitações, conseguiu contratos com prefeituras para vender serviços de exterminação de insetos, ratos e cupins por um valor de até 660% acima da média do mercado.

A empresa vendia desinsetização e desratização ao poder público por R$ 1,90 por metro quadrado, quando outras empresas cobram, em média, R$ 0,25. A descupinização saía por R$ 2,20, o que as concorrentes fazem por R$ 1,18, em média.

O UOL analisou 900 compras em 2024 através do Painel de Preços, que compila dados do governo federal, estaduais e municipais, para chegar a esses valores. Em apenas três das grandes licitações os valores eram maiores que os cobrados pela Larclean.

Os irmãos Fabio e Alex Parente, donos da Larclean, são investigados pela PF na Operação Overclean por suspeita de integrar um grupo criminoso especializado em fraude à licitação, corrupção e desvio de dinheiro público. Procurado, os irmãos não responderam ao UOL.

A Prefeitura de Camaçari (BA) fez um pregão eletrônico no início de 2024 para escolher uma empresa para fazer o controle de pragas. A Larclean disse que faria o serviço por R$ 7,9 milhões, pelos valores unitários citados acima.

Quatro concorrentes ofereceram valores menores, que variavam de R$ 2,4 milhões a R$ 4,3 milhões no total, mas foram desclassificadas pelo pregoeiro por, supostamente, não atenderem aos requisitos técnicos para prestar o serviço.

A empresa conseguiu, assim, uma ata de registro de preços —com base nesse instrumento, outros órgãos públicos podem fazer contratos sem passar por uma nova licitação, desde que seja vantajoso para eles, segundo a lei.

A cidade de Camaçari era administrada na época por Elinaldo Araújo, do União Brasil. Um integrante da executiva do partido, Marcos Moura, conhecido como "rei do lixo", é suspeito de integrar a mesma organização criminosa que os irmãos Parente.

Prefeitura diz investigar

A Prefeitura de Camaçari, assumida em 2025 por Luiz Caetano (PT), oposição à antiga gestão, disse que, no início deste ano, "realizou análise técnica do contrato firmado com a empresa Larclean, oriundo da gestão anterior, e optou por não executá-lo".

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A prefeitura informou que, entre 2021 e 2024, foram pagos mais de R$ 14,6 milhões à empresa. "Os valores registrados nessa ata são alvo de questionamentos técnicos por estarem com sobrepreço em itens como desratização e dedetização."

"A atual gestão considera que o processo de licitação herdado apresenta fragilidades que precisam ser investigadas com profundidade. Por isso, determinou auditoria completa sobre os contratos anteriores e sobre a ata de 2024, cujas eventuais irregularidades serão apuradas e, se confirmadas, encaminhadas aos órgãos de controle."

Já o ex-prefeito de Camaçari Elinaldo Araújo negou irregularidades e disse, em nota, que a "licitação se deu por meio de critérios objetivos estabelecidos em edital de pregão eletrônico, devidamente aprovado pelos órgãos de assessoramento e controle".

"As exigências foram bastante ampliativas, permitindo-se a indicação de responsável técnico em diversas áreas, concedendo ampla competitividade ao certame. As empresas excluídas não atenderam às exigências mínimas de habilitação, impossibilitando sua contratação, estando os referidos atos fundamentados em pareceres técnicos que analisaram de forma aprofundada a documentação dos licitantes."

Tentativa de expansão

Em uma planilha apreendida pela PF, são listados seis municípios que os investigados tentavam fazer com que aderissem à ata de Camaçari, o que geraria mais R$ 13,2 milhões em contratos, caso tivessem sido assinados: Itapetinga (BA), Palmas (TO), Ibipitanga (BA), Pedrão (BA), Ibicaraí (BA), Petrolina (PE) e João Pessoa (PB).

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Além dessas cidades, há R$ 11,9 milhões em contratos que a Larclean tentava fechar com os municípios paulista de Bragança Paulista, Guarujá e Piracicaba, em que a empresa cobrou R$ 1,80 o metro quadrado para dedetizar contra ratos, cupins e insetos.

A prefeituras de Ibipitanga, Piracicaba, Ibicaraí e Bragança Paulista informaram ao UOL que não firmaram contratos com a empresa investigada e desconhecem qualquer negociação. Os demais não responderam.

Além dos municípios listados na planilha analisada pela PF, em que a Larclean tentava expandir seus contratos em R$ 824,5 milhões, há outros órgãos em que a empresa conseguiu vender sua dedetização, segundo dados dos portais de transparência.

Um levantamento da reportagem encontrou R$ 95 milhões em contratos da Larclean com estados e municípios desde 2021.

  • Lauro de Freitas (BA): R$ 979 mil
  • Formosa do Rio Preto (BA): R$ 1,6 milhão
  • Vitória da Conquista (BA): R$ 4,7 milhões
  • Salvador (BA): R$ 67 milhões
  • Estado de Goiás: R$ 364 mil
  • São Francisco do Conde: R$ 591,7 mil
  • Campo Formoso (BA): R$ 2,8 milhões
  • Eunápolis (BA): R$ 2,4 milhões
  • Estado de Tocantins: R$ 13,6 milhões
  • Juazeiro (BA): R$ 2,2 milhões

O vice-prefeito de Lauro de Freitas, Vidigal Cafezeiro (Republicanos), foi preso preventivamente em dezembro passado, na segunda fase da Operação Overclean. Segundo a PF, ele recebia vantagens dos empresários e obteve ajuda até para quitar um carro.

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A administração da cidade disse ao UOL que os atos "estão sendo avaliados pelas autoridades competentes e demais órgãos de controle externo".

Já a Prefeitura de Eunápolis disse que os contratos foram firmados pela gestão anterior e que, por isso, não é possível analisar a regularidade da contratação.

O estado de Goiás disse que, no momento da celebração do contrato, "não constavam impedimentos legais, sanções ou investigações conhecidas contra a empresa Larclean que inviabilizassem sua contratação com o poder público." "A contratação foi precedida de parecer jurídico emitido pela Procuradoria Setorial, atestando a legalidade do procedimento."

As demais gestões foram procuradas para comentar, mas não responderam —o espaço segue aberto para eventuais manifestações.

Fumacê contra a dengue

Outra ata de registro de preços foi firmada em 2022 em Vitória da Conquista, para aplicar, com carros e motos, o serviço de fumacê contra a dengue, por R$ 4,9 milhões.

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Ao todo, o contrato previa cerca de 1,2 tonelada de fumacê. Para efeito de comparação, no mesmo ano, o Distrito Federal pagou R$ 3 milhões para aplicar 4,5 toneladas.

O chefe do Gabinete Civil de Vitória da Conquista, Lucas Dias, foi um dos presos preventivamente pela Operação Overclean em dezembro. De acordo com a PF, servidores do município recebiam propina da Larclean para favorecer a empresa.

Procurada, a Prefeitura de Vitória da Conquista disse que fez a ata, mas não chegou a assinar o contrato, já que, "após solicitação da prefeitura, o governo do estado cedeu veículos para o controle do mosquito Aedes aegypti no município".

Apesar de não ter gerado uma contratação no município, a ata foi usada pela Prefeitura de Feira de Santana (BA), que assinou contrato de R$ 316 mil com a Larclean para aplicar o inseticida, conforme registra planilha em mãos da PF —a prefeitura foi procurada, mas não respondeu.

A investigação da Operação Overclean tramita no STF (Supremo Tribunal Federal) após a PF encontrar indícios de que Elmar Nascimento (União-BA), deputado federal, teria envolvimento com o esquema. Ele nega.

Além da empresa de dedetização e controle de pragas, também estão sob investigação as atividades da MM Limpeza Urbana, empresa de Marcos Moura, e a Allpha Pavimentações, construtora dos irmãos Parente, suspeita de pagar propina e fraude em licitações. As empresas não comentam as suspeitas.

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