Natália Portinari

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Lupi pediu à AGU para nomear suspeito de receber propina no INSS

O ministro da Previdência, Carlos Lupi, solicitou à AGU (Advocacia-Geral da União) autorização para nomear Virgílio Antônio Filho —atualmente suspeito de receber propina— para procurador-geral do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), em agosto de 2023.

Virgílio é servidor de carreira da AGU e, portanto, sua nomeação em cargos no governo precisa ser aprovada por seu órgão de origem. Por isso, o Ministério da Previdência pediu a troca.

Segundo a Polícia Federal, Virgílio foi o destinatário final de pelo menos R$ 12 milhões repassados por associações de aposentados, enquanto atuava internamente para liberar descontos associativos nas contas do INSS sem autorização dos pensionistas.

Sua nomeação marcou uma mudança nas diretrizes do instituto, que passou a permitir o registro de milhares de descontos sem a verificação de consentimento dos beneficiários.

A indicação foi autorizada por Jorge Messias, advogado-geral da União, mesmo diante de parecer contrário de Adriana Maia Venturini, procuradora-geral federal da AGU e então superior hierárquica de Virgílio, que se opôs à transferência.

Segundo Flávio Roman, adjunto do advogado-geral da União, é comum que chefes de equipe, como Venturini, se oponham a trocas de cargos, mas à época não havia impedimento formal à nomeação de Virgílio.

"É um procedimento comum, corriqueiro, no qual prevaleceu a indicação feita pelo próprio presidente do INSS. No despacho [de Venturini], não há qualquer demérito em relação à pessoa de Virgílio", afirmou Roman ao UOL.

Lupi, por sua vez, declarou que o pedido partiu de Alessandro Stefanutto, então presidente do INSS, antes de ser encaminhado à AGU. O ministro também apresentou ao UOL documentos que mostram que Messias autorizou a troca.

Stefanutto foi afastado do cargo pela Justiça e posteriormente demitido, após operação da Polícia Federal apontar que ele atuou em benefício de entidades suspeitas, mesmo após alertas de órgãos de controle, em 2024. Procurada pela reportagem, a defesa de Stefanutto não se manifestou até a publicação deste texto.

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Mudança nas regras

Ex-procurador-geral do INSS, Virgílio Antônio Filho
Ex-procurador-geral do INSS, Virgílio Antônio Filho Imagem: Divulgação/TRF-3

No início do governo Lula, a procuradoria do INSS estava implementando uma portaria de setembro de 2022 que condicionava os descontos associativos a um pedido expresso dos beneficiários, realizado por canais oficiais de atendimento.

Em 18 de agosto de 2023, o então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, solicitou ao ministro Carlos Lupi a substituição do procurador-chefe Bruno Bisinoto por Virgílio Antônio Filho, que já havia ocupado o cargo entre 2020 e 2022.

Como se trata de servidores da AGU, a troca precisava da autorização do órgão de origem. O pedido foi enviado por Lupi à AGU em 28 de agosto.

Adriana Maia Venturini manifestou-se contra a substituição em parecer datado de 20 de setembro de 2023. No documento, ela afirmou que havia "perfeito alinhamento entre esta Direção Central e a PFE/INSS - Sede", e destacou a atuação jurídica de excelência da equipe, em conformidade com as diretrizes atuais.

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Ela argumentou que não havia motivo para a substituição, apontando o risco de "descontinuidade dos projetos e ações conjuntas em andamento", e recomendou que a indicação não avançasse.

No dia seguinte, Messias autorizou a nomeação com base em parecer de Flávio Roman, que considerou que deveria prevalecer o juízo de convivência e oportunidade do gestor solicitante —no caso, Stefanutto.

Um mês após assumir o cargo, Virgílio —que foi exonerado na semana passada, após ser alvo da Polícia Federal— emitiu parecer favorável ao desbloqueio em lote de 32 mil descontos em favor da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura). Essa medida também é investigada pela PF.

O pedido inicial partiu da própria Contag, em março de 2023, mas foi negado pela procuradoria, já que, pelas regras do INSS, somente os beneficiários podem solicitar o bloqueio ou desbloqueio de descontos em folha.

A Contag insistiu na solicitação. Em junho, antes da troca na chefia da procuradoria, foi realizada uma reunião entre Stefanutto, uma diretora do INSS e um representante da Contag, na qual foi apresentada uma proposta do próprio presidente do INSS para liberar os descontos.

A partir disso, um novo pedido da Contag voltou a tramitar internamente e, em outubro, já com Virgílio como procurador-geral do INSS, foi encaminhado a ele. Em apenas um dia, ele deu parecer favorável, e, em novembro, Stefanutto autorizou o desbloqueio.

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Para a CGU (Controladoria-Geral da União), o procedimento de desbloqueio autorizado à Contag, bem como as justificativas apresentadas pelo INSS, estão "eivados de ilegalidades".

Suspeita de propina

Segundo relatório da Polícia Federal, pessoas físicas e jurídicas ligadas a Virgílio receberam R$ 12 milhões das entidades investigadas desde o início de 2023.

Desse total, R$ 7,5 milhões foram repassados pela empresa de Antônio Carlos Camilo Antunes — ligado à Ambec (Associação de Aposentados Mutualista para Benefícios Coletivos) — à empresa de Thaisa Hoffmann Jonasson, esposa de Virgílio, entre fevereiro e junho de 2024.

A PF afirma que, como contrapartida, Virgílio "atuou de maneira oficiosa e indevida em processos administrativos vinculados às entidades associativas, em especial no desbloqueio em lote de descontos associativos solicitados pela Contag", conforme aponta o relatório.

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Thaisa e Virgílio, por meio de sua defesa, declararam que não tiveram acesso aos autos. "Não há o que ser declarado neste momento. A defesa não reconhece essas informações, eis que sequer teve acesso aos autos."

Em nota, a Contag afirmou que "reitera seu respeito às instituições democráticas e o compromisso com a legalidade em todas as suas ações" e que está à disposição para colaborar com as investigações.

A entidade acrescentou ainda que, "ao longo de seus 61 anos de existência, sempre atuou com ética, responsabilidade e em conformidade com as normas legais, visando garantir, manter e ampliar os direitos de seus mais de 15 milhões de trabalhadores rurais, agricultores e agricultoras familiares".

O trâmite para nomear integrantes da AGU para procuradorias-gerais de autarquias, como o INSS, mudou a partir de um decreto de fevereiro de 2024, depois do processo de nomeação de Virgílio. Desde então, a indicação para esse tipo de cargo parte do advogado-geral da União, e não mais do gestor responsável pelo órgão.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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