Fraudes do INSS chegam a R$ 91 bi? Não é o que as investigações mostram

As fraudes em descontos de contas do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e nos empréstimos consignados liberados sem autorização envolvem, na maioria dos casos, agentes, dimensões e métodos diferentes.
Tem circulado nas redes a afirmação de que as fraudes podem chegar a até R$ 91 bilhões por ano, valor que inclui todos os empréstimos. Mas não é isso que as investigações indicam até o momento.
Documentos obtidos pelo UOL mostram que a Polícia Federal e a CGU (Controladoria-Geral da União) chegaram a identificar alguns casos de entidades localizadas no Ceará que fraudaram a adesão de aposentados e também usaram os dados deles para realizar empréstimos consignados, mas à margem do sistema financeiro.
Uma auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) sobre o assunto, por outro lado, não encontrou conexão entre os dois tipos de irregularidades contra aposentados.
Foram R$ 89,5 bilhões em consignados —com parcelas descontadas diretamente das contas do INSS— liberados em 2023 e R$ 1,5 bilhão em mensalidades pagas, no mesmo ano, às associações e sindicatos suspeitos de fraude.
Os técnicos do TCU, a partir de uma representação da deputada Bia Kicis (PL-DF), investigaram se as associações suspeitas de fazer descontos fraudulentos estariam fazendo a venda casada de empréstimos consignados, mas não conseguiram encontrar um vínculo.
Embora a auditoria tenha encontrado problemas nas duas áreas, os empréstimos são administrados pelas empresas do sistema financeiro, e os descontos de mensalidades são cadastrados por associações ou sindicatos.
A CGU tem uma auditoria em andamento para apurar fraudes na concessão de empréstimos consignados, uma investigação separada daquela que constatou fraudes em descontos associativos.
Fraude no Ceará
No Ceará, a PF identificou, com apoio da CGU, que uma entidade que possuía filiados supostamente vivendo no estado conseguiu, por meio de acordos judiciais, autorização para fazer empréstimos consignados em folha.
O detalhe que chamou a atenção dos investigadores é que, neste caso, os acordos foram firmados em João Pessoa, na Paraíba, mesmo com os associados e as entidades sendo todas do Ceará.
Os casos, porém, foram pontuais e não têm relação direta com o valor total de empréstimos consignados feitos oficialmente pelas instituições financeiras.
Irregularidades
A auditoria do TCU, do início de 2024, encontrou irregularidades nos descontos. Constatou que havia um aumento drástico nos números nos últimos anos que não parecia bater com a realidade, e também que o INSS tinha um controle frágil sobre quem de fato havia se associado, sem verificar a biometria, por exemplo.
São falhas semelhantes àquelas que levaram a PF e a CGU a deflagrar a Operação Sem Desconto, em maio.
Os técnicos do TCU também verificaram que os empréstimos consignados têm um controle falho. Sete instituições financeiras foram multadas em R$ 31 milhões pela Secretaria Nacional do Consumidor, desde 2019, por cadastrar empréstimos sem autorização nas contas de aposentados do INSS.
Esses empréstimos caem na conta do cliente, e depois seus pagamentos são descontados mês a mês. Ou seja, o dinheiro não é desviado, mas o cliente se queixa de que não deu autorização para se endividar.
Até novembro de 2023, o INSS possuía acordo vigente com 76 instituições financeiras para fazer empréstimos consignados. Há milhares de reclamações nos órgãos de defesa do consumidor, todo ano, contra empréstimos irregulares, com os quais os clientes dizem não ter consentido.
Alguns desses bancos são alvos de processos na Justiça, acusados de compactuarem com essa prática. Um levantamento do Instituto Defesa Coletiva, que move parte dessas ações, mostra que os bancos BMG, Mercantil, Pan, Safra, C6, Celetem e Olé Consignado estão respondendo na Justiça a reclamações de consumidores por empréstimos supostamente irregulares.
Esses empréstimos são feitos por instituições financeiras, e o TCU não encontrou um elo entre elas e as associações e sindicatos que estavam fazendo descontos.
"Não há indícios suficientes de que as entidades associativas com ACT [Acordo de Cooperação Técnica] vigente com o INSS para desconto de mensalidade associativa, em sua grande maioria, estejam divulgando ofertas de crédito consignado condicionada a contribuição mensal. De todas as entidades, apenas três ofereciam o serviço em seu site, e destas, duas ofereciam o serviço como parte um pacote de benefícios", aponta o tribunal.
A auditoria também tentou encontrar uma correspondência temporal, verificando se os aposentados contraíram empréstimos logo depois de se associar a alguma entidade, mas descobriu que isso só ocorreu numa parte pequena dos casos.
"Foram identificados 967.375 novos contratos de empréstimos consignados que foram firmados com datas próximas (menos de um mês, antes ou depois) ao início de desconto para entidades associativas. Considerando o universo de 15.605.260 contratos firmados nesse período de referência, esse valor corresponde a 6,25% do total de contratos de empréstimos consignados", diz o relatório.
Também não foi encontrada uma atuação de correspondentes bancários —que têm autorização para atuar em nome do banco, fechando contratos de empréstimo— dentro das associações que fazem descontos de mensalidades.
"Não foi detectado pela equipe eventual atuação dessas entidades como correspondentes bancários de instituições financeiras", diz o relatório do TCU.
Pagamentos a empresas
Em São Paulo, associações ligadas ao empresário Maurício Camisotti, um dos investigados pelas fraudes do INSS, fizeram pagamentos a empresas de consignado.
A PF identificou pagamentos de R$ 15 milhões pelas pela Ambec, Unabrasil e Cebap a duas empresas de venda de créditos consignados, como mostrou o Metrópoles.
A suspeita é que as entidades tenham pago para que os vendedores de consignado filiassem seus clientes de empréstimos às associações, fazendo uma venda casada. Um contrato encontrado pela PF prevê que as empresas teriam direito a uma parcela das mensalidades dos associados.
A Ambec disse ao UOL que "mantém contratos com empresas de correspondência bancária espalhadas por todo o Brasil que praticam a atividade de captação de filiados em âmbito nacional".
"A auditoria interna promovida pela Ambec constatou que, nos casos onde pode ter havido algum vicio de consentimento na filiação, foram essas empresas de correspondência bancária que praticaram a prospecção e obtiveram os documentos e confirmação por áudio da adesão dos novos afiliados."
Maurício Camisotti disse que sua empresa não tem relação com bancos que concedem crédito consignado, e que as associações contratavam correspondentes bancários e empresas de telemarketing para captar associados (leia mais abaixo).
Cobrança da PGR
Em maio, a PGR (Procuradoria-Geral da República) cobrou do Ministério da Previdência e do INSS um plano para identificar instituições financeiras que tiveram crescimento exponencial na concessão de empréstimos consignados nos últimos anos.
PGR também cobrou que o INSS detalhe as medidas tomadas para prevenir fraudes não só em descontos associativos, mas também em empréstimos. O governo ainda não respondeu.
Após a Operação sem Desconto, o novo presidente do INSS, Gilberto Waller Júnior, determinou o bloqueio de novos créditos consignados e passou a exigir reconhecimento facial. O número de empréstimos caiu para o menor patamar desde 2023, como mostrou reportagem da Folha.
Posicionamento dos bancos
A Febraban, federação dos bancos, afirmou, em nota, que "qualquer reclamação de empréstimo consignado não autorizado deve ser imediatamente apurada pelas instituições financeiras associadas à Febraban".
A federação destacou que, em 2023, ano em que houve 23,2 milhões de operações de empréstimo consignado para beneficiários do INSS, foram registradas 9.648 queixas contra instituições financeiras por créditos não autorizados pelos clientes.
Em 2020, os bancos instituíram um sistema de autorregulação para combater as fraudes. "Entre 2021 e 2023, as reclamações reduziram de 36.226 para 9.648, representando uma queda de 73% nas queixas por empréstimos consignados não autorizados a aposentados."
A entidade acrescentou ainda que, entre 2020 a 2025, esse sistema de autorregulação aplicou 1.461 punições a correspondentes bancários por atuação irregular na concessão de crédito consignado a aposentados, dos quais 113 foram banidos de operar com qualquer instituição financeira da autorregulação.
O Banco Mercantil afirmou que não realiza empréstimos sem a solicitação do cliente e repudia qualquer prática irregular. "A instituição adota rigorosas políticas de segurança, investe continuamente em tecnologia antifraude e em ações de educação digital para a prevenção de golpes. O banco mantém critérios rígidos para a contratação de empréstimos consignados, exigindo, em todas as operações, senha pessoal intransferível e/ou biometria facial", diz a nota.
O Cetelem disse que, em 2023, suspendeu a oferta de empréstimo consignado no convênio com o INSS. O banco disse que "adota rigorosos mecanismos de segurança para prevenir fraudes em suas operações".
"Desde abril de 2020, todas as contratações de empréstimos são realizadas exclusivamente por meio digital, com autenticação via biometria facial e análises robustas de prevenção à fraude. Todo o processo é conduzido diretamente pelo Cetelem, sem qualquer envolvimento ou vínculo com associações."
O Santander, dono do Olé Consignado, disse que não compactua com práticas irregulares e adota uma série de medidas para garantir a segurança dos clientes na contratação de crédito consignado.
"A atuação dos correspondentes bancários é constantemente monitorada, e, em caso de qualquer desvio de conduta, o banco aplica as sanções cabíveis, incluindo o descredenciamento do correspondente e o ressarcimento de eventuais prejuízos ao cliente. O banco investe em ações preventivas, canais de denúncia e iniciativas de educação financeira, além de atuar de forma colaborativa com autoridades e órgãos reguladores para coibir fraudes e proteger os consumidores", afirmou.
O C6 disse que atua para coibir fraudes e que, desde 2021, o número de reclamações relacionadas ao C6 Consig "caíram drasticamente". "O banco impõe um rígido e contínuo controle de qualidade aos seus parceiros comerciais e cumpre todas as diretrizes da autorregulação do consignado desenvolvida pela Febraban."
O Banco BMG disse seguir estritamente todas as previsões legais e regulatórias, bem como a autorregulação da Febraban, referentes à oferta de produtos e aos controles internos de segurança. "O banco tem mecanismos rígidos de controle e uma área 100% dedicada à prevenção de fraudes."
Os bancos Pan e Safra não se manifestaram.
Posicionamento das associações
A Ambec, associação que fez repasse a empresas de crédito, afirmou também que "essas empresas não pertencem à Ambec, e sim foram contratadas para expor os benefícios e os produtos da Ambec voltados à terceira idade e, assim, promoverem a captação de novos afiliados interessados".
"Essas contratações se deram pelo relacionamento histórico desses correspondentes com uma grande base de aposentados, ou seja, a Ambec não possui e não possuía diretamente qualquer base de aposentados em seu sistema de operação."
"Nunca foi autorizado pela associação que estes correspondentes fizessem a oferta de filiações vinculadas à empréstimos consignados, sendo de responsabilidade dos correspondentes o estrito cumprimento das regras de filiações estabelecida nos contratos. E qualquer vicio de consentimento é de inteira responsabilidade legal e contratual de tais empresas privadas de correspondência bancária."
Em nota, Camisotti afirmou que a Benfix, sua empresa, não tem relação com bancos que concedem crédito consignado. "A empresa foi contratada para fornecer gestão tecnológica e administrativa profissional às associações."
"É importante ressaltar que a Benfix não tinha a atribuição de captação de novos associados. Isso ficava a cargo de correspondentes bancários e empresas de telemarketing, que eram contratadas diretamente pelas associações. Para esclarecer qualquer tipo de dúvida, o empresário contratou uma multinacional de investigação corporativa para analisar minuciosamente todo o funcionamento das associações. Os resultados dessa análise serão enviados às autoridades competentes."
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