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Observatório das Eleições

Candidatas, política e vida privada: quem são essas mulheres?

07/10/2020 04h00

Flávia Biroli*

Na última quinta-feira, durante o debate entre as candidaturas à prefeitura de São Paulo, as pessoas fizeram buscas no Google para conhecer mais quem pretende ocupar os cargos de prefeito e vice-prefeito da maior cidade do país.

O nome mais buscado, segundo matéria publicada no portal do UOL, foi o de Marina Helou. Deputada estadual eleita em 2018 pela Rede Sustentabilidade, ela é hoje candidata à prefeitura da cidade pelo mesmo partido. A busca mostrou que os eleitores ainda vinculam as mulheres à vida privada. E isso pode se acentuar se quem se candidata é uma mulher jovem para os padrões da política. Nas buscas, o nome de Helou foi associado à idade, mas também a "pai" e "marido".

Após o debate, a candidata revelou ter recebido mensagens com comentários sobre seu corpo e perguntas sobre seu estado civil. A sexualização e o assédio são algumas das formas de violência contra as mulheres na política. Atingem candidatas e ocupantes de cargos eletivos e variam em sua forma e intensidade. O perfil racial e ideológico tem sido um dos aspectos importantes para se entender os padrões dessa violência.

No caso de Helou, além da violência, chama a atenção o esforço para posicionar as mulheres na vida familiar e privada. Para se conhecer uma mulher candidata, é preciso saber seu estado civil? Ou ainda, de quem é filha e com quem é casada?

Alguns números e reflexões sobre estado civil de candidatos

Os tempos mudaram e as mulheres hoje têm uma inserção na vida pública, profissional e política muito distinta da que tinham há algumas décadas. Mas o machismo segue forte. A vida doméstica e os laços familiares e de afeto ainda são chamados a explicar quem elas são. Seu sucesso ou fracasso, sua forma de vida e seu caráter, seriam revelados a partir dessa esfera. Não se reconhece para elas a autonomia que se reconhece para os homens. Se uma mulher se apresenta "sozinha" no espaço público, sobretudo em um espaço masculino como o da política, deve haver um homem a promovendo.

Nessas eleições, entre as candidaturas ao cargo de prefeito e vice-prefeito, 13% e 21% são de mulheres. No caso da disputa para vereador, que é regulada pela lei de cotas, esse percentual sobre para 34,4%. Globalmente, segundo estudo recente da ONU Mulheres, o percentual de mulheres que ocupam cargos eletivos na esfera local é de 36%. No Brasil, não alcançamos isso nem entre as candidaturas. Mas quem são as mulheres que conseguem chegar a esse estágio da construção das carreiras políticas? Seu perfil é semelhante ao dos homens?

Observando o perfil de candidatos e candidatas, salta aos olhos o fato de que eles são casados em percentual significativamente maior do que elas. Quando se observa o percentual de pessoas solteiras e divorciadas, a concentração se inverte, como se vê no gráfico abaixo.

imagem 1 - Observatório das Eleições, a partir dos dados do TSE. - Observatório das Eleições, a partir dos dados do TSE.
Estado civil de candidatos e candidatas a todos os cargos (2020)
Imagem: Observatório das Eleições, a partir dos dados do TSE.

Entre candidatos e candidatas ao cargo de prefeito, o percentual geral de pessoas casadas é de 68,3%. Novamente, o percentual de homens casados é superior ao de mulheres. Quando observamos as candidaturas à Câmara de Vereadores, que têm média de idade abaixo daquelas à prefeitura, o percentual total de pessoas casadas é de 50,1%. Mais uma vez, há padrões significativos de gênero nos dois casos, mas é interessante observar que a menor concentração de pessoas casadas se encontra entre as mulheres candidatas ao cargo de vereador.

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Candidaturas por gênero, cargo e estado civil
Imagem: Observatório das Eleições, a partir dos dados do TSE.

Uma primeira hipótese poderia ser que essa diferença se explica pela faixa etária de mulheres e homens. Os dados das candidaturas mostram, no entanto, que não existe discrepância significativa. A maior parte das candidaturas está concentrada na faixa entre 40 e 59 anos (60,74% das deles, 64,69% das delas). E se consideramos o intervalo entre 21 e 39 anos, a discrepância praticamente inexiste (18,64% das candidaturas deles e 18,86% das delas se concentram nessa faixa, que é justamente aquela em que ocorre o maior percentual dos casamentos no país). Também procurei observar a diferença de estado civil entre o conjunto de candidatos brancos e negros. A diferença também não se explica pela clivagem racial.

Com base na literatura sobre participação política feminina, deixo, então, algumas interpretações possíveis para essa diferença no perfil conjugal de mulheres e homens.

Os laços conjugais parecem jogar contra as oportunidades de mulheres candidatarem-se. É possível que elas não encontrem apoio em seus cônjuges. Além disso, a divisão sexual do trabalho pode reduzir as condições para que as mulheres participem, uma vez que toma delas tempo e energia. As mulheres são as principais responsáveis pelo cuidado dos filhos e pela vida doméstica. Como demonstram as pesquisas de uso do tempo no Brasil, a dedicação a essas atividades se torna maior se são casadas e, sobretudo, se têm filhos. Em sentido oposto, o casamento pode significar um suporte para as candidaturas deles, já que poderiam assim contar com alguém para cuidar ou ao menos organizar o cuidado dos filhos e da vida doméstica.

O que tem sido dito há décadas sobre as relações de trabalho precisa ser lembrado quando falamos da participação das mulheres na política. É preciso avançar em direção a arranjos e compreensões dos papéis, que permitam que as mulheres não tenham que escolher entre a vida profissional ou política e a vida pessoal. Ou, ao menos, que as condições em que fazem suas escolhas não sejam tão diferentes daquelas que se apresentam para os homens.

*Flávia Biroli é doutora em História pela Unicamp (2003). É professora do Instituto de Ciência Política da UnB, pesquisadora do CNPq e presidente da Associação Brasileira de Ciência Política (2018-20). É autora, entre outros, de Gênero e desigualdades: limites da democracia no Brasil (Boitempo, 2018) e Gênero, neoconservadorismo e democracia (com Maria das Dores C. Machado e Juan Vaggione, Boitempo, 2020).

Esse texto foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições de 2020, que conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras e busca contribuir com o debate público por meio de análises e divulgação de dados. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.com.br