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Observatório das Eleições

Quais candidatos lideram nos gastos em redes sociais?

19/10/2020 04h02

Helena Martins*

Desde 4 de agosto, gastos com anúncios no Facebook e Instagram ultrapassam R$ 14 milhões. Apenas entre os dias 9 e 15 de outubro, foram mais de R$ 4,3 milhões em impulsionamentos de conteúdos sobre temas sociais, eleições ou política nessas redes. Os maiores anunciantes foram dois candidatos à Prefeitura de Fortaleza: Sarto (PDT) e Capitão Wagner (PROS), que juntos aportaram mais de R$ 300 mil na última semana. Entre os políticos, o terceiro lugar em investimento nesse serviço é uma candidata a vereadora no Recife, Andreza Romero (PP). Em quarto, Célio Studart (PV), também candidato à prefeitura da capital cearense. Os dados foram extraídos da Biblioteca de Anúncios do Facebook.

Apesar dos destaques cearenses, São Paulo é o estado que lidera quando somados os recursos empregados na plataforma. Ao todo, foram mais de R$ 980 mil em uma semana. Mas, enquanto nesse caso há diversos candidatos impulsionando, no Ceará a prática é mais restrita e o volume dedicado por poucos políticos é enorme. A soma dos gastos ultrapassa R$ 587 mil, mas apenas aqueles três candidatos à prefeitura concentram mais de 60% do total.

Pouco conhecido pelo grande eleitorado, embora acumule mandatos e presida atualmente a Assembleia Legislativa, Sarto dedicou mais de R$ 178,5 mil no período analisado. Os anúncios mais recorrentes trazem textos como "Conheça um pouco mais sobre a trajetória de Sarto e conheça as propostas que vão fazer Fortaleza cada vez melhor" e "O Time 12 só cresce!". Também publicações com o prefeito Roberto Cláudio (PDT) e sobre o resultado da pesquisa Ibope, que mostrou Sarto em terceiro lugar, com 16% das intenções de voto, foram estimulados. Nos últimos dois dias, o candidato passou a publicar, além de conteúdos com caráter de apresentação, propostas sobre saúde e mobilidade.

Capitão Wagner, por sua vez, pagou em uma semana R$ 123,6 mil em anúncios. Liderando as pesquisas de intenção de votos, Wagner tem buscado se apresentar de forma mais humanizada e diversa, evitando a monotemática imagem de capitão que o consagrou, mas que impõe limites para ampliação do eleitorado e está arranhada devido à repercussão negativa da última greve de policiais militares no Ceará, no início do ano.

A estratégia de diversificação de imagem de Wagner se revela na TV, onde o candidato tem apresentado programas que ressaltam sua atuação como professor, e também nos anúncios nas redes sociais, mais diversos do que o que se vê no caso de Sarto. Fotos com família e animais, chamados para lives de comentários sobre filmes e outros conteúdos, muitos com estética jovial, foram impulsionados. Nenhum anúncio na última semana fez menção ao presidente Jair Bolsonaro, que declarou apoio ao capitão ao longo do período analisado, o que é um indício de que esse apoio está sendo trabalhado em espaços de comunicação mais segmentados, como grupos de WhatsApp.

Interessante notar que, a partir do dia 16 de outubro, Wagner passou a impulsionar conteúdo sobre a pesquisa do instituto Paraná Pesquisa que o colocava com 36% das intenções de voto. Ocorre que a pesquisa foi divulgada no dia 12 e, no dia 14, levantamento do Ibope reduziu sua projeção, apontando ter 28%. Fica claro que Wagner prioriza o conteúdo favorável nas redes, tendo investido apenas nesse anúncio entre R$ 5 e 6 mil.

No caso de Célio Studart, que aparece em quinto lugar no Ibope, foram mais de R$ 56,7 mil destinados à ampliação da circulação de seus conteúdos no Facebook e Instagram. Postagens sobre proteção animal, com fotos do candidato com cachorros, estão entre as mais recorrentes, assim como posts com o número do candidato e a promessa de "acabar com a indústria da multa em Fortaleza".

Studart utilizou frequentemente o impulsionamento desde a eleição passada e hoje tem uma audiência ampla, com quase 653 mil seguidores no Facebook e mais de 174 mil no Instagram, registrando também bastante engajamento por meio de comentários. Wagner, por sua vez, tem no Facebook e no Instagram 298,5 mil e 195,8 mil seguidores, respectivamente. Já Sarto possui, nas respectivas redes, 24,7 e 26,8 mil seguidores.

A aposta desses candidatos nas redes pode ser dimensionada quando os aportes são comparados com o top dez dos que mais gastaram dinheiro no Facebook até agora. Tendo em vista os gastos desde 4 de agosto, Sarto, Wagner e Célio somam, respectivamente, mais de R$ 285 mil, R$ 161 mil e R$ 83 mil. No Recife, Mendonça Filho (DEM) gastou R$ 73 mil. Rodrigo Valadares (PTB), prefeiturável em Sergipe, R$ 57 mil. Rogério Santos (PSDB), candidato em Santos, mais de R$ 66 mil. Ricardo Nicolau (PSD), candidato em Manaus, quase R$ 57 mil. Em Belo Horizonte, Rodrigo Paiva (Novo), investiu R$ 33 mil. Sozinho, o Partido Novo empregou quase R$ 70 mil desde agosto em suas páginas oficiais. Heitor Freire (PSL), também candidato em Fortaleza, quase R$ 30 mil, sendo R$ 25 mil apenas na última semana.

Não são apenas candidatos à prefeitura que estão adotando essa estratégia. Na lista dos 10 maiores, há também Andreza Romero (PP), candidata à vereança no Recife, que se apresenta em todas as postagens como defensora da causa animal.

A centralidade da comunicação como estratégia para a eleição é nítida. Em agosto, o Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE) aplicou multa de R$ 15 mil como condenação do deputado estadual Romero Lima Bezerra de Albuquerque (PP) e de Andreza, sua esposa, por propaganda eleitoral antecipada. Isso porque foram espalhados outdoors destacando a imagem de Andreza, então pré-candidata. Com impulsionamentos, a campanha de Andreza gastou mais de R$ 95 mil desde agosto, dos quais R$ 70 mil entre 9 e 15 de outubro, segundo o Facebook. Em Fortaleza, Natália Rios (PDT) dedicou mais de R$ 38 mil desde agosto, sendo R$ 21 mil na última semana.

Impulsionamento na legislação eleitoral

Os dados sobre impulsionamento foram obtidos a partir de análise da Biblioteca de Anúncios do Facebook, corporação que também é dona do Instagram, por isso os gastos se referem ao volume de recursos destinados para ampliar a circulação nas duas redes sociais.

Ao impulsionar, os candidatos pagam para ampliar a visibilidade das postagens. Eles também podem, por meio de pagamento, obter priorização de conteúdos em sites de buscas como o Google. Como tem sido perceptível ao acessar o YouTube neste momento das eleições, há muita gente pagando para ter propaganda veiculada também na principal plataforma de vídeos do Brasil e do mundo.

Para a alegria dessas plataformas, que passaram a ganhar muito dinheiro nas eleições, essas práticas foram permitidas com a Minirreforma Eleitoral (Lei 13.488) de 2017. Depois, a Resolução 23.551/2017 detalhou que as mensagens sobre eleições deveriam estar identificadas nas redes. Definiu, por isso, que deveriam conter rótulo específico com informações sobre o candidato ou partido, como os nomes e o CPF ou CNPJ do patrocinador.

Mas há controvérsias, por exemplo, quanto à possibilidade de impulsionamento no período da "pré-campanha", o que dados da página de Sarto, de seus apoiadores e de outros candidatos indicam que houve, embora a regra proíba. Além disso, ainda não está claro o entendimento quanto ao abuso do poder econômico nesses casos, apesar da evidente quebra de isonomia de oportunidade entre concorrentes.

Além da questão jurídica, no centro da questão está o reforço da desigualdade nas eleições. Como argumentei anteriormente neste Observatório das Eleições, tais mecanismos potencializam uma visibilidade artificial baseada no poder econômico. Afinal, é preciso pagar para levar. No caso, para alcançar o eleitorado.

É claro que determinadas estratégias podem acabar ganhando notoriedade e viralizando de forma orgânica, mas não é essa a tendência dominante no uso das redes. Afinal as plataformas de redes sociais adotam modelos de negócios cada vez mais atrelados à monetização de conteúdos. O engajamento orgânico que antes poderia privilegiar candidatos, mesmo aqueles com poucos recursos, tem sido mais difícil, até porque para alcançar a própria audiência é preciso pagar. E, seguindo a lei da oferta e da procura que rege também as plataformas, pagar caro.

Assim como a legislação proíbe a contratação e veiculação de anúncios no rádio e na TV, permitindo apenas a ocupação do espaço do Horário Eleitoral Gratuito e das inserções definidas pela Justiça Eleitoral, é necessário enfrentar esse tema na internet, que está longe de ser, como muitos ainda pensam, um espaço livre e no qual a disputa se dá de forma igualitária entre as diferentes candidaturas.

Não há igualdade de oportunidades quando o dinheiro é o critério de acesso à visibilidade. Visibilidade que foi bastante reduzida no caso da TV (vale lembrar a redução na duração do Horário Eleitoral Gratuito, que de 1h passou a apenas 10 minutos, mantendo a divisão baseada no tamanho da bancada federal de cada partido) e que passa, cada vez mais, pela internet, até pela sua constante presença no cotidiano de boa parte da população.

Organizações que lutam pelo direito à comunicação, como o Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação, defendem restrições para o impulsionamento, especialmente no período eleitoral. "Rever a liberação do impulsionamento pago nas plataformas digitais, principalmente no contexto eleitoral, já que ele acaba privilegiando candidatos que possuem mais recursos, além de facilitar a propagação de conteúdos, inclusive desinformativos, e de dar margem à ação de 'fábricas de fake news'" é uma das propostas para o combate à desinformação que consta no livro "Desinformação: crise política e saídas democráticas para as fake news", publicado pelo Intervozes em 2020. O coletivo também entende que, em períodos eleitorais, em caso de utilização de impulsionamento, as empresas intermediárias de oferta de conteúdo devem manter "registro de tudo o que for impulsionado e que, contendo menções nominais a candidatos, partidos ou coligações, atinja patamar expressivo de disseminação".

Debate público opaco

O impulsionamento tem relação com a desinformação porque é por meio desse mecanismo que as candidaturas podem fazer os chamados "dark posts", postagens que não constam nas próprias páginas e que são encaminhadas para o público definido por elas, uma mediação que é feita de forma pouco transparente pelas plataformas, que são os agentes que efetivamente fazem a distribuição e constroem os públicos, a partir dos dados que coletam deles. Como não são efetivamente públicas, essas postagens podem conter informações falsas e não serem objeto da avaliação pública.

Tendo em vista o escândalo envolvendo as campanhas de Donald Trump e Jair Bolsonaro, entre outras, nas quais esses mecanismos foram largamente utilizados, passou-se a cobrar mais transparência das plataformas como forma de combater o uso para desinformação. Uma das respostas do Facebook foi exatamente a criação da Biblioteca de Anúncios.

Além disso, em setembro deste ano, a rede adotou mais medidas de transparência relacionadas às eleições. A primeira é o relatório de transparência, com informações sobre gastos na plataforma. A outra é a disponibilização de uma Interface de Programação de Aplicativo (API, na sigla em inglês) para personalizar pesquisas. Foram estes os mecanismos utilizados para a obtenção dos dados apresentados neste texto.

Nas páginas analisadas, não foram verificados posts com desinformação, ainda que haja uso descontextualizado de informações sobre pesquisas de intenção de votos. Porém há uma questão a ser destacada: a opacidade do debate público.

A implementação de ferramentas de distribuição segmentada de informações por meio do pagamento pode fazer com que você receba um conteúdo e eu, outro. O que chega sobre eleições pode ser absolutamente diferente para cada pessoa. Essa lógica tende a fortalecer a criação de bolhas e, com isso, a ausência de debate entre as diferentes visões. São questões a serem avaliadas e respondidas, tendo em vista a experiência de pleitos tão marcados por aplicações digitais. Agora, já é possível afirmar que a desigualdade também impera nas redes e pode desequilibrar a disputa nas eleições.

*Helena Martins é professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), é jornalista e doutora em Comunicação Social pela UnB, com período sanduíche no Instituto Superior de Economia e Gestão (Iseg) da Universidade de Lisboa. Editora da Revista Eptic, é pesquisadora do GT Economía política de la información, la comunicación y la cultura da Clacso e integrante do Intervozes.

Esse texto foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições de 2020, que conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras e busca contribuir com o debate público por meio de análises e divulgação de dados. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.com.br