Topo

Observatório das Eleições

Abstenção e pandemia: qual a relação?

15.nov.2020 - Os portões do Estádio José do Rego Maciel, na zona norte do Recife (PE), no primeiro turno de 2020. Edição: selo A Cara da Democracia - Arthur Souza/LeiaJáImagens/Estadão Conteúdo/Edição Observatório das Eleições
15.nov.2020 - Os portões do Estádio José do Rego Maciel, na zona norte do Recife (PE), no primeiro turno de 2020. Edição: selo A Cara da Democracia Imagem: Arthur Souza/LeiaJáImagens/Estadão Conteúdo/Edição Observatório das Eleições

21/11/2020 04h02

Carlos Ranulfo Melo, Rachel Callai Bragatto e Luiza Jardim*

A apuração das eleições municipais de 2020 apontou 23,15% de abstenção. Este é o recorde de abstenção em eleições municipais, em um cenário de crescimento do não-comparecimento que vinha ampliando-se desde 2012 e agora agravado pela pandemia de Covid-19.

Apesar do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, ter comemorado o índice, dizendo que esperava uma abstenção muito maior, os números mostram um aumento expressivo, que supera o ritmo de crescimento que vem sendo observado há anos.

No que tange as eleições municipais, o primeiro turno de 2020 registrou um aumento de 5% na abstenção, em contraposição a cerca de 2% entre 2008 e 2012 e 1% entre 2012 e 2016. Até 2008, a oscilação não era significativa.

1 - Elaboração própria, a partir de dados do TSE - Elaboração própria, a partir de dados do TSE
Abstenção nas eleições municipais
Imagem: Elaboração própria, a partir de dados do TSE

Enquanto a média nacional subiu de 17,58%, em 2016, para 23,15%, o aumento foi ainda mais significativo nas grandes cidades e nas regiões sul e sudeste.

Se analisarmos os maiores colégios eleitorais, chegamos a um aumento na casa de oito pontos percentuais. Em São Paulo, subiu de 21,84% para 28,30, no Rio de Janeiro foi de 24,28% para 32,79% e em Belo Horizonte de 21,66% para 28,34% - aumentos entre 6 e 8%.

No Nordeste, Salvador registrou um aumento de cinco pontos percentuais, de 21,25% para 26,46% e Fortaleza de quatro pontos, de 17,04% para 21,84%. Porto Alegre registrou a maior alta, de 22,51% para 33,08%.

Uma vez que o voto é secreto, fora a disposição geográfica da abstenção, não temos informações que permitam compreender o perfil das pessoas que deixaram de votar. Mas a pesquisa "A Cara da Democracia: Eleições 2020", realizada entre 24 de outubro e 04 de novembro, pode nos dar algumas pistas.

Na ocasião, foi perguntado aos eleitores se eles poderiam deixar de votar por medo de contaminação. Com 95% de grau de confiança e 2.2% de margem de erro, 27 % dos respondentes afirmaram que sim. A pesquisa permite compreender como estas pessoas se distribuíam em relação à faixa etária, sexo, renda familiar, nível educacional e interesse por política.

Perfil

Como a pandemia coloca como grupo de risco a população acima de sessenta anos, já se esperava uma maior probabilidade de abstenção dentro deste grupo. Segundo a pesquisa, 32% da população nessa faixa etária declarou que poderia deixar de votar sem que, no entanto, se constatasse uma correlação entre as duas variáveis - idade e probabilidade de não votar por medo de contaminação. O percentual dos que admitiram não votar cresceu de 24% entre os jovens até 24 anos para 31% entre os brasileiros de 25 a 34 anos, mas volta a 24% entre aqueles de 45 a 59 anos e torna a subir para os acima de 60.

Quanto ao sexo, as mulheres se mostravam mais propensas ao não comparecimento (30%) do que os homens (25%).

A pesquisa mostrou ainda que a taxa da população que admitia não votar por medo de contaminação diminuía conforme aumentava a faixa de renda. Dentre aqueles com mais de dez salários mínimos, 19% afirmaram poder deixar de votar, proporção que chegava a 28% para aqueles com até um salário mínimo. A faixa de 1 a 2 salários mínimos apresentava o índice mais alto, com uma taxa de 33% de não comparecimento. É o que mostra a figura a seguir.

im1 - Pesquisa "A Cara da Democracia: Eleições 2020" - Pesquisa "A Cara da Democracia: Eleições 2020"
Possibilidade de deixar de votar, por renda
Imagem: Pesquisa "A Cara da Democracia: Eleições 2020"

Em relação à escolaridade, a imagem abaixo ilustra a diferença expressiva entre os grupos que cursaram até o ginásio - mais de 30% admitiam não votar - e aqueles com colegial (ensino médio) e superior completo - 22% e 24%, respectivamente.

img2 - Pesquisa "A Cara da Democracia: Eleições 2020" - Pesquisa "A Cara da Democracia: Eleições 2020"
Possibilidade de deixar de votar, por escolaridade
Imagem: Pesquisa "A Cara da Democracia: Eleições 2020"

Por fim, quando olhamos para a região dos entrevistados, destacava-se o Centro-oeste, onde 34% dos eleitores afirmavam que poderiam não comparecer às urnas. Entre os eleitores das regiões sul e sudeste os percentuais recuavam para 25 e 26% respectivamente.

Para além do risco de contaminação: desinteresse na política?

Por mais que o risco da contaminação afete todas as pessoas, a pesquisa constatou uma relação entre o interesse pelas eleições e a propensão a não votar devido à pandemia. Entre aqueles que se mostravam pouco interessados, 36% admitia não votar com medo de contaminação. O valor é muito superior do que entre aqueles que afirmaram estar muito interessados, quando apenas 12% disseram que poderiam deixar de votar. Entre os interessados, a taxa foi de 19%.

O risco de contaminação parecia ser um problema maior para aqueles que, à época, não estavam interessados nas eleições. Vale ressaltar que na pesquisa, realizada faltando aproximadamente 15 dias para o primeiro turno, o percentual dos pouco interessados nas eleições municipais era de 53,3%.

A incerteza provocada pela pandemia provavelmente reforçou a tendência já observada de crescimento da abstenção. Soma-se a este cenário o contexto atual em que as campanhas políticas perderam muito de sua intensidade, dado que as ações de rua foram evitadas e até proibidas em alguns municípios.

Nota: Tratamos aqui da abstenção, que junto aos votos nulos e brancos, compõe o fenômeno da alienação eleitoral. Hoje, publicamos também neste Observatório uma análise sobre a marginalidade eleitoral, que trata da discrepância entre a população e a população eleitoral - e que chega a 16 milhões de pessoas, praticamente 10% da população. Somados, são cerca de um terço da população que não está interferindo no processo eleitoral.

* Carlos Ranulfo é graduado em Geologia (1981), mestre em Ciência Política (1994) doutor em Sociologia e Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (1981), e pós-doutor na Universidade de Salamanca (2006/2007). É professor titular do Departamento de Ciência Política e pesquisador do Centro de Estudos Legislativos da UFMG.
Rachel Callai Bragatto é jornalista, mestre e doutora em Sociologia pela UFPR. Foi visiting researcher na University of California - Los Angeles. Pesquisadora em estágio pós-doutoral no INCT/IDDC. Interessada em temas como democracia digital, participação política e cibercultura. Faz parte dos coletivos Intervozes e Soylocoporti.
Luiza Jardim é graduada em Administração Pública com minor em Relações Internacionais pela Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP) e mestranda em Ciência Política na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pesquisa participação social, democracia digital e política, é educadora política e integra o INCT/IDDC.