Topo

Olga Curado

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Hipnotizado por Lula, Bolsonaro busca vilões e bode expiatório para a crise

Jair Bolsonaro em live do dia 11 de março - Reprodução
Jair Bolsonaro em live do dia 11 de março Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

14/03/2021 13h16Atualizada em 15/03/2021 09h13

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

O capitão reformado, expulso do exército, ex-deputado federal durante 27 anos, sem apresentar um projeto a favor do venerável púbico, navega agora nas águas turvas da pré-campanha eleitoral de 2022, e começa a botar na fila do sacrifício os cordeiros que irá imolar para satisfazer a ira santa da popularidade.

Não tem pudor para negar o que disse: não, a Covid-19 não é uma gripezinha, e eu nunca disse isso! Nunca falei que a hidroxicloroquina é eficaz contra o vírus. Tratamento precoce é ir ao hospital para ser cuidado. Faz contorcionismo verbal e tenta apagar a História.

O candidato à reeleição tem agora o obstáculo das valas dos cemitérios —onde não é coveiro - cheia de corpos. São mais de 270 mil brasileiros mortos. Uma tragédia que os hospitais lotados e os profissionais da saúde exaustos escancaram diante da população perplexa, de um país apontado pelo resto do mundo como inexplicavelmente incompetente na gestão da pandemia.

Mas, para resolver esse problema de imagem, o cordeiro general-almoxarife será entregue à sanha de todos que clamam por vacina, providências, liderança, transparência e competência. Resta escutar qual será desculpa do capitão para imolar o servil general que lhe bate continência. Mas não há alternativa. O general terá que ser sangrado.

A limpeza dos trilhos que levam à reeleição exige ainda a remoção de um ex-juiz, ex-ministro, ex-herói, ex-escudeiro, o Moro, cuja ambição de poder fechou os olhos para os limites da lei ao se auto investir de pá de cal à corrupção. E junto com o ex-juiz também fecharam os olhos as instituições que agora lhe apontam o dedo. É da natureza do escorpião, que monta nas costas do sapo para atravessar o lago, e o pica de morte quando chega na margem.

Na linha sucessória direta da Presidência da República está Arthur Lira, réu em acusação de corrupção dentro da Lava Jato. Com um Moro suspeito, fica com a barra limpa. E se desobstrui o trilho do capitão, que passa a ser vítima de um ex-juiz, o qual só descobriu quem era depois de se casar de papel passado, com direito a título ministerial.

Paradoxalmente, a eliminação moral de Moro também serve a Lula. Mais que uma inocência processual, terá a comprovação da perseguição implacável que sustentou na sua defesa, de ser condenado por uma farsa judicial.

Moro não serve a ninguém, quando serviu a muitos que agora, como escorpião, o picam. Mas tem a Supremo Corte como barreira. Será que os juízes farão auto contrição, reconhecendo a própria sonolência, agora estranhamente acordada por um Gilmar Mendes irado e histriônico, porta-voz de um discurso legalista silente durante os tempos em que ficou sentado em cima de processo, agora, para ele, urgente. O tempo é o senhor da razão? E quais as razões agora?

O capitão quer trilhos limpos para concorrer à reeleição com o herói desacreditado; o Lira quer extinção de seus processos, o Lula quer provar a tese e desmascarar a hipocrisia do seu algoz.
Resta saber o que querem os militares fiadores das peripécias do capitão expulso das fileiras do Exército. Houve um momento em que o fantasma de Lula, como potencial concorrente às eleições presidenciais, animou um general a tuitar ameaçando o STF.

Em sua última "live", o capitão imbrochável mostrou que tem uma caneta Bic e um cargo para invocar autoridade e convocar as Forças Armadas para marchar com ele, repetindo e reiterando ser o seu comandante supremo. Qual a missão do capitão para essa tropa que chama de sua?

O silêncio, que seria normalmente comemorado, dentro da expectativa de que os militares compreendem o seu papel constitucional de não interferir na normalidade das instituições, depois do ressurgimento de Lula, é intrigante.

Por que perguntar então o que pensam e querem os militares agora? Porque têm ocupado espaço público para falar das suas contrariedades com instituições.

A quem representam? Quem é o inimigo contra quem o capitão os convoca? Querem Moro fora do jogo, pagando o preço da negação do aplauso ao ex-juiz, quando mandou prender corruptos confessos?

Lula hipnotizou o capitão, que descobriu e mostrou que a Terra é redonda, adornando a sua mesa com um globo terrestre, para que não caia na tentação da Terra plana. O filho 0, o Flávio, achou o Zé Gotinha e o armou com seringas nas suas mídias. O mano 000 aprendeu a botar máscara na cara e viu papai fazer a mesma coisa no mesmo dia que Lula usou a dele.

O altar para a imolação do general-deslumbrado-almoxarife está pronto. A senha foi dada. O vídeo do rotundo general explicando o inexplicável da inexistência das vacinas foi ruim, segundo "fontes" do governo. O bode expiatório está identificado. Mas o capitão vai dar um cavalo de pau e aceitar a ciência, o lockdown e o distanciamento social?

De mãos dadas com Lira e com o medroso Pacheco, presidente do Senado, o capitão vai limpado os trilhos, facilitando a vida de deputados que asseguram seus mandatos com emendas parlamentares negociadas às custas de fecharem os olhos e ouvidos aos milhares de mortos que partiram e dos muitos mais que a sua omissão vai enterrar.

Capitão, quem são os vilões contra os quais convoca a lutar as Forças Armadas?