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Olga Curado

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Barrado na tenda, Bolsonaro tem aula de isolamento social

10.abr.2021 -  O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) visita venezuelanos no bairro Morro da Cruz, em São Sebastião (DF), comunidade perto de Brasília - Reprodução
10.abr.2021 - O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) visita venezuelanos no bairro Morro da Cruz, em São Sebastião (DF), comunidade perto de Brasília Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

11/04/2021 12h56Atualizada em 11/04/2021 12h56

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O capitão revê uma aula sobre como é feita a transmissão do vírus da Covid-19. Que aprenda. O filho dele, Zero qualquer coisa, precisou pegar um avião e ir até Israel, onde foi buscar um spray milagroso para tratar a doença provocada pelo coronavírus, e descobriu que a disseminação do vírus pode ser reduzida com o uso de máscara. Foi-lhe ensinado publicamente que deve usar máscara em ambiente com outras pessoas.

Bastava ir à tenda de frango assado na feira de periferia de Brasília. Ali, papai aprendeu também que o vírus se espalha pelo ar. Que a proximidade entre as pessoas facilita a sua dispersão. Que isso aumenta o número de pessoas doentes, e que pessoas doentes também podem morrer. E que hoje no Brasil há mais de 350 mil mortos pela pandemia, que não é uma "gripezinha".

Na tentativa de buscar mais argumentos para a tese de que todo mundo quer sair de casa, o capitão foi à feira comer frango assado, e recebeu um retumbante não de dentro da tenda, quando quis invadir o terreno e ficar mais perto das pessoas que preparavam a comida. Ouviu, a contragosto, pela voz do povo, que não está inoculado pelo vírus da ignorância e ignomínia, e pelo coro das redes sociais, que não podia se aproximar. Que comesse o seu pedaço de frango assado do lado de fora, onde uma faixa marca a distância obrigatória do freguês da tenda.

O capitão que queria se mostrar mais uma vez herói e dono da verdade, contrariando tudo o que a ciência sabe, foi barrado. O povo sabe o que o capitão insiste em negar. A responsabilidade pela saúde de todos é um compromisso também com a empatia, com a consciência dos limites dos serviços de saúde sobrecarregados, dos profissionais de saúde esgotados, dos leitos de menos, dos cemitérios em hora extra. Cada um tem uma contribuição.

Na tentativa de manter acesa a chama do seu público cativo, alimentado com bravatas sem consequências práticas, o capitão usa como argumento o tom de desafio, como se sua goela fosse suficiente para ensurdecer as instituições. E desafia o povo de máscara.

O ex-deputado federal por 27 anos recebeu uma instrução valiosa - que a ciência insiste em repetir, mas que talvez pela dificuldade dele em compreender raciocínios elaborados, precisou ser dita de maneira direta, simples e concreta pela gente do povo. Não, não podia entrar na tenda onde estavam os cozinheiros, porque se "o povo pega nós, nós estamos lascados". O "povo" é a fiscalização, que faz cumprir o decreto do isolamento social.

O capitão precisou levar a sua "naturalidade", a sua "espontaneidade", com que quer passar a ideia de que está perto do povo, para ouvir, desse mesmo povo, para não chegar perto.

O povo sabe que o capitão reformado tem médico de plantão para cuidar dele, tem hospital com leito e equipamento reservado, para ele e a família - com todos os Zeros que reúne, e que terá acesso a todo tratamento que a ciência oferece.

A solenidade do cargo, a liturgia que a posição de presidente da República exige, o peso simbólico da liderança, a competência esperada e a responsabilidade definida não foram compreendidos pelo capitão.

Passados mais de dois anos de desgoverno, é difícil que seja possível produzir uma cartilha em linguagem suficientemente clara para que ele aprenda, afinal, qual é o seu papel. Prefere transferir para governadores, prefeitos e para o STF (Supremo Tribunal Federal) as consequências desastrosas da sua incompetência.

Declarou recentemente que não lê jornais e mandou cancelar todas as assinaturas dos veículos de imprensa no governo federal. Não quer saber o que está acontecendo. Prefere ignorar a ciência, porque, no seu delírio persecutório, todos querem derrubá-lo.

Talvez pudesse continuar indo às feiras onde o povo poderá lhe ensinar que isolamento social é prevenção, que ser espontâneo é mais do que comer com a mão. Que presidente da República precisa ter educação, compaixão e trabalhar. Porque hoje, no Brasil, se qualquer um de nós pega a Covid-19 "tá lascado".

Come seu frango assado longe de nós, capitão.