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Olga Curado

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Bolsonaro dá circo, ganha tempo e tenta mudar a pauta da tragédia

31.mai.2021 - O presidente Jair Bolsonaro ao lado do ministro da Economia, Paulo Guedes, durante o Fórum de Investimentos Brasil 2021 - Marcos Corrêa/PR
31.mai.2021 - O presidente Jair Bolsonaro ao lado do ministro da Economia, Paulo Guedes, durante o Fórum de Investimentos Brasil 2021 Imagem: Marcos Corrêa/PR

Colunista do UOL

31/05/2021 13h33Atualizada em 31/05/2021 18h42

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O universo paralelo em que está o capitão reformado, acompanhado daqueles que colocam interesses comerciais e pessoais acima do país, se materializa na decisão da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), de mãos dadas em desprezo pelos quase meio milhão de mortos e de muitas mais milhares de vítimas sequeladas pela covid-19, para fazer a festa da Copa América no país.

A oferta do circo num momento em que os cemitérios cheios enlutam a população brasileira e em que autoridades sanitárias imploram para que as pessoas reduzam as taxas de contágio, num esforço de contenção do que parece ser o inevitável: uma terceira onda que supere a mortandade que vemos com incredulidade desafiar as estatísticas.

As ruas de mais de 200 cidades do Brasil levaram uma mostra do que não querem: a morte. Um grito do que desejam: vacinas. E o desespero dos que são excluídos de respeito por um governo que descreve um Brasil que a população, na sua maioria, não conhece.

"Os fatos são amigos", decreta o psicólogo humanista Carl Rogers, mesmo quando teimam em negar as nossas crenças e contrariam o nosso discurso. E os fatos são os números de mortos, as taxas de desemprego, desmatamento, a ameaça de blecaute pela crise hídrica. A pauta são os milhões de brasileiros sem renda, em condições sub-humanas. Os fatos são a falta de vacina.

Mas o capitão, como personagem de uma publicidade chinfrim, crê editar, neste momento de luto, o país do Carnaval. Ensaia, com legendas em inglês, passinhos, no meio de índios organizados para a inauguração de uma ponte de madeira, de 18 metros, construída pelo Exército brasileiro em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas.

Os passinhos do capitão eram treinos para o chute na cara de todos os brasileiros que veem o Brasil se escancarar para um torneio futebolístico, enquanto o mundo aponta o país como um exemplo de péssima gestão da pandemia e o Senado Federal se debruça para esclarecer a trajetória dos desmandos.

Mas o capitão tem claro o que precisa nesse momento: mudar a pauta. Sair da pauta das investigações sobre a conduta denunciada por crime de um ministro Salles, cujo propósito é "passar a boiada" e com ela pisotear a Amazônia, destruir o meio ambiente.

E tem que que mudar a pauta porque há perguntas sem respostas. Sobre a falta de vacinas, sobre orçamento secreto bilionário para a compra de apoio político e sobre um gabinete paralelo que nega a ciência e professa a morte com a desculpa esfarrapada de "tratamentos precoces", pura fantasia.

As portas dos estádios que irão se abrir a partir do dia 10 de junho, no Brasil, para receber seleções de futebol e criar um circo para distrair a atenção do que acontece, são mais uma cortina de fumaça, que pretende encobrir o desmando. É um acinte.

A quem serve a CBF? O que ganha a CBF com a indulgência ao coronavírus?

São decisões estapafúrdias que servem a um intuito explícito: negar a morte. A tentativa de criar uma mobilização nacional amparada na mítica do futebol, usando a seleção brasileira. Assim não vemos a contagem dos mortos. Assim não nos damos conta da superlotação das UTIs, assim não nos atentamos para a lenta imunização com as vacinas. Assim não olhamos a Amazônia, não assistimos à CPI. Assim as ruas se calarão para gritar gol. Gol de quem?

Gol de quem nos chuta na cara.