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Olga Curado

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Bolsonaro estimula covardia e puxa-saquismo como estilo de governar

Jair Bolsonaro e o general Eduardo Pazuello - Reprodução/Youtube
Jair Bolsonaro e o general Eduardo Pazuello Imagem: Reprodução/Youtube

Colunista do UOL

07/06/2021 18h09Atualizada em 07/06/2021 18h09

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A obscenidade das decisões tomadas sob a liderança do capitão reformado ganha um corolário, em que o esdrúxulo soa como provocação.

O general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, comandante do Exército, ganhou de presente o grau mais alto da Ordem do Mérito da Defesa, que é dado àqueles que prestam relevantes serviços ao Ministério da Defesa e às Forças Armadas do Brasil. As razões oferecidas pelo comandante para acatar explicações do general da ativa Eduardo Pazuello, para a sua flagrante quebra de disciplina ao participar de ato político ao lado do capitão, no Rio de Janeiro, têm o contorcionismo exigido para varrer o lixo para baixo do tapete: é preciso curvar a espinha. O ex-ministro da Saúde safou-se. O Exército não.

Paul Tillich, no seu importante livro "A Coragem de Ser", ensina que "coragem é a afirmação da natureza essencial de uma pessoa (...) inclui o sacrifício possível (...) prazer, felicidade, e mesmo a nossa existência". Na mesma obra, o teólogo cita a visão de São Tomás de Aquino, para quem "coragem é a força de ânimo, capaz de dominar o que quer que ameace a obtenção do mais elevado bem. Está unida à sabedoria(...)".

A reflexão sobre coragem proposta por Tillich no século 20 está de mãos dadas com a de um outro pensador, o filósofo Étienne de La Boétie, no paradigmático "Discurso da Servidão Voluntária", texto do século 16, que, para muitos estudiosos, marca o início do próprio Renascimento.

O autor apresenta o raciocínio segundo o qual a tirania se destrói sozinha quando os indivíduos se recusam a consentir com a sua própria escravidão.

O personagem, o próprio Boétie, é um nobre encarcerado pelo rei, que até então servira e que, por intrigas, passa a ser visto como traidor. Passa anos no calabouço, continuamente torturado. E não se revolta, atribuindo à sua falta de discernimento a servilidade, e constata: "(...) coisa realmente admirável, porém tão comum, que deve causar mais lástima do que espanto, ver um milhão de homens servir miseravelmente e dobrar a cabeça sob o jugo, não que sejam obrigados a isso por uma força que se imponha, mas porque ficam fascinados, e por assim dizer enfeitiçados somente pelo nome de um, que não deveriam temer, pois ele é um só, nem amar, pois é desumano e cruel com todos".

Nos subterrâneos do poder em Brasília e áreas afinadas, juntam-se, distantes do escrutínio institucional, gabinetes de sombras, realidades paralelas, que todavia só existem e subsistem pela ausência da coragem de ser, daqueles que têm sobre si o símbolo e a representatividade dada pelos regramentos democráticos. Mantêm-se sob o manto da covardia.

São alguns que se curvam a vontades de tiranetes, rendidos à ambição simples pelo mando. Seduzidos pela visão de um mundo em que a palavra dos diferentes não tem espaço e não merece respeito; um local sombrio em que a essência dos gestos é manter privilégio que coloque a si e aos seus longe do alcance da Justiça. Para isso contam com a covardia, com o deslumbramento por caraminguás oferecidos na forma de títulos, cargos, mordomias e tapinhas nas costas. Contam também com a perda de entendimento do que cada qual deixa na esteira da própria vida. A herança que irá ser despejada na família e na própria instituição da qual se servem e na qual se alojam.

É da mesma natureza covarde que escolhas rápidas e decisões procrastinadas são feitas. Por um lado, a festa do futebol, com uma Copa América; por outro, o esquecimento deliberado na compra de vacinas para imunizar a população, seguindo os preceitos de falsos doutores, cujos títulos são um pretexto para justificar o descalabro. A sedução por um passado nefasto ilumina e inspira: a imagem de um Garrastazu Médici num país de 70 milhões "em ação". Porém, hoje são mais de 200 milhões de pessoas convivendo com a tragédia de milhares - sim - chegaremos a meio milhão de defuntos da pandemia. É o acinte apenas possível quando não há coragem de se dizer não. De dizer basta.

Pelas mãos da democracia se erra. Por essas mesmas mãos é possível acertar. Mas é essencial coragem.