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Olga Curado

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Na CPI, enigma do cabo desafia governo e oposição, mas corrupção é fato

1º.jul.2021 - Luiz Paulo Dominguetti, representante da Davati Medical Supply, em depoimento à CPI da Covid - Edilson Rodrigues/Agência Senado
1º.jul.2021 - Luiz Paulo Dominguetti, representante da Davati Medical Supply, em depoimento à CPI da Covid Imagem: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Colunista do UOL

01/07/2021 16h44Atualizada em 01/07/2021 16h44

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Todos conhecemos a anatomia do jabuti. Não sobe em árvore. O cabo Luiz Paulo Dominguetti seria um jabuti colocado na CPI da Pandemia para retirar o foco das investigações sobre corrupção no Ministério da Saúde, na compra de vacinas contra a covid-19?

Foi uma dança com rodopios. Um salseiro, em que senadores ficaram tentando encontrar a natureza real da presença do depoente.

Subitamente, o Carnaval chega à CPI da Pandemia no Senado, em bloco puxado pelos senadores governistas, quando o cabo exibe áudio do deputado Luis Miranda - denunciante de indícios de corrupção na compra da vacina Covaxin - em que este estaria supostamente intermediando a compra de imunizantes contra a covid-19.

Mas foram poucos minutos até chegar a notícia para baixar a comemoração, quando o executivo Cristiano Alberto Carvalho, da empresa Davati Medical Supply, ofertante de milhões de doses de imunizante da AstraZeneca e responsável pelo envio de áudio de Miranda, dá o contexto. Era uma conversa de quase um ano atrás, e sobre negócios do deputado Miranda, que não envolvem compra e venda de vacinas. Mas por que apareceu o áudio na CPI, induzindo a relacionar o deputado Miranda com corrupção?

Houve tumulto e agora há dúvidas.

O cabo é um agente infiltrado, um cavalo de Troia para ajudar o capitão reformado? Se o for, não foi muito bem-sucedido. Passado o entusiasmo pelo cabo mineiro, denunciante de cobrança de propina, os governistas ficam novamente desalentados.

A tropa de choque do governo teve que voltar à estratégia de rotina, que é a de tentar desqualificar o depoente. Quando ele surgia como fonte que ameaçava destruir denúncias contra o governo do capitão, os senadores governistas correram em defesa dele. Lá estava até um dos filhos do capitão. Mas, a alegria durou pouco.

Desmentida a conexão do deputado Luis Miranda em negócio de intermediação de vacina, senadores foram na linha de desqualificação do cabo mineiro para, de cambulhada, duvidar da denúncia de pedido propina por um mandachuva do Ministério da Saúde, o exonerado funcionário Roberto Ferreira Dias, dono da caneta que autorizaria a compra pelo governo de vacinas oferecidas.

O BBB da CPI da Pandemia é um espetáculo que revela o estilo do capitão e dos seus próximos. A escuta seletiva e a distorção do que é dito é uma tentativa confusa de livrar a cara do governo.

Os governistas defendem que o cabo prenda um coronel e um funcionário público federal, quando ouve o pedido de propina num restaurante em Brasília e fazem força para que, mais uma vez, o denunciante seja punido.

Uma confusão. Seria o cabo um bolsonarista enrustido? Ou um súbito agente misericordioso, humanitário, honesto no propósito e ingênuo no processo?

São perguntas que ainda estão por ser respondidas. O cabo fica no meio dos dois lados - dos que acreditam e dos que descreem.

O que é fato: havia uma máquina de cobrar propina instalada no Ministério da Saúde, longamente ocupada por um general da ativa e populada por coronéis. O cabo ficou no meio.

O discurso de arauto anticorrupção vai se desmontando pela CPI. Enquanto isso, o capitão vai à missa. Tenta ocupar espaço, num exercício de comunicação pueril, tomando a hóstia para fazer aliança com Deus.

Sim, a hora de rezar é todo o dia, para os crentes. Neste momento, a imagem de discípulo contrito foi o único recurso para o capitão, enquanto a CPI da Pandemia vai desvelando um novelo que parece ser um emaranhado de interesses financeiros escondidos na conversa de defesa da vida.

Por enquanto, o capitão conta, aqui na Terra, com o deputado Arthur Lira, presidente da Câmara, que já mandou mensagens para acalmá-lo quanto aos pedidos de impeachment que recebeu. Na mesma trilha, de um doce alinhamento com o Palácio do Planalto, segue o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, que sinaliza a intenção de dar uma folga para a CPI, que não quer férias.

Os pedidos de impedimento contra o capitão repousam nas gavetas do deputado Lira e vão precisar de muito estímulo e consciência de risco para ter tramitação. O presidente do Senado também precisará ser convencido - como o foi pelo STF (Supremo Tribunal Federal) para que a CPI fosse instalada. Há pedido da CPI encaminhado à presidência do Senado, para que os trabalhos sigam no recesso de julho, mas Pacheco vai precisar ser pressionado para, mais uma vez, atender à vontade expressa dos senadores, em comunicação apresentada a ele.

Enquanto isso, o cabo fica sob suspeição. Mas propina é fato.