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Olga Curado

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

No STF, Bolsonaro recebe puxão de orelha para frear a língua e apela a Deus

O presidente Jair Bolsonaro, após encontro com o presidente do STF, Luiz Fux - Adriano Machado/Reuters
O presidente Jair Bolsonaro, após encontro com o presidente do STF, Luiz Fux Imagem: Adriano Machado/Reuters

Colunista do UOL

13/07/2021 09h34Atualizada em 13/07/2021 09h34

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O capitão reformado piou fino. Foi convocado ao STF (Supremo Tribunal Federal).

Precisava entender algumas coisas sobre a função dele como Presidente da República. Diz-se que aprendeu. O presidente do STF assegurou, uma benevolente conclusão.

Como está com muito medo e foi alertado para o risco legal das suas falas e atos, talvez ouse pensar um pouco mais antes de fazer suas coletivas no cercadinho diante do Palácio, uma atividade diária dele, como disse.

O tom pianinho que usou ao falar com a imprensa, depois de vinte minutos de conversa com Fux, e a maneira furtiva de pedir desculpas, rezando o Pai Nosso, são mais uma tentativa de pavimentação para dias complicados que podem vir nas questões legais em que estaria enredado, e também os seus filhotes.

Está translúcida a apreensão dele, o medo. E o soluço só arrefeceu um pouco depois de vários dias. A fala entrecortada pelo espasmo do diafragma - que teria como uma das causas a respiração acelerada, e esta, por sua vez, também aparece em estado de ansiedade. E ansiedade é uma das intensidades do medo.

Aliás, ansiedade tem uma pequena diferença em relação ao medo. O medo é a percepção de um risco, de uma ameaça diante de uma situação em que, imaginando, se "desenhe" na mente um agressor, uma fonte de agressão ou de destituição de algo que lhe pertença. Ansiedade é uma sensação de temor difuso, sem que o que provoca seja descrito. Daí o mal-estar gasoso, o desequilíbrio. O inimigo não tem uma cara muito definida.

O capitão descobriu em alguns minutos, sentadinho no STF, que está correndo riscos reais não imaginários, não ideológicos, de crime de responsabilidade, por práticas ilegais no exercício do poder.

O presidente do STF chamou o capitão para explicar que o exercício da função tem limites constitucionais, e que os Poderes da República que sustentam a democracia não podem ser desrespeitados como se palavras jogadas de forma inconsequente não tivessem consequência. Têm sim. A Constituição e o Código Penal tipificam falações que incitam à desordem, que injuriam e difamam pessoas, que ameaçam a democracia. Tem crime e, se tem crime, tem pena.

O capitão rezou. Ajoelhou, tem que rezar. E fazer a contrição pelos atos. A indulgência da confissão do erro não se obtém apenas pela realização disfarçada da culpa: exige confissão clara e reparação.

Há mais de meio milhão de vítimas enterradas pela tragédia da pandemia, cujo enfrentamento, dito e redito, há de merecer registros históricos da maior irresponsabilidade contra a população de um país, por aquele que tinha a obrigação de lutar para cuidar do seu povo. Não basta um Pai Nosso. Nem um rosário, nem novenas.

A reza do capitão não oferece respostas a perguntas insistentemente ignoradas. Diz que não tem como saber de tudo o que acontece nos seus 22 ministérios - que seriam menos numerosos, como anunciou na sua campanha - quando cobrado a responder sobre informação dada a ele, desde 20 de março, de indícios de corrupção no Ministério da Saúde. Reclamou que o denunciante demorou três meses para falar. E não explicou o que ele mesmo fez nesses três meses, depois de receber os irmãos Miranda.

O medo do capitão é translúcido. Os olhos arregalados, a vermelhidão, e apareceu uma protuberância na fronte - vista assim, de longe e sem assessoria dermatológica, não seria prudente especular do que se trata. A pele é um órgão complexo e bastante sensível a estados emocionais, a perturbações, a estados ansiosos.

A iniciativa do presidente do STF tem o mérito do emblema. Há limites que precisam ser balizados com clareza e que não podem ser trespassados. Cada presidente de um Poder da República precisa saber disso. Talvez o senador Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, possa entender, como atesta Fux ter o capitão compreendido o significado e as fronteiras entre os Poderes.

O capitão terá que rezar muito mais.