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Olga Curado

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Canastrão, Bolsonaro apresenta na ONU um Brasil de realidade paralela

Jair Bolsonaro na ONU - 2021 - Timothy A. Clary-Pool/Getty Images
Jair Bolsonaro na ONU - 2021 Imagem: Timothy A. Clary-Pool/Getty Images

Colunista do UOL

21/09/2021 19h55Atualizada em 21/09/2021 20h00

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Como uma marionete de ideias emboloradas e com um rosário de fantasias, o capitão brindou o mundo com nonsense, ao discursar no palco da Assembleia Geral das Nações Unidas, revelando até onde vai a sua cara de pau. Um personagem saído de um roteiro da Guerra Fria. Inseguro, nervoso, tíbio, mas determinado a vender gato por lebre.

O capitão tentou encarnar um outro personagem, mais contemporâneo, com tintas internacionais, dando trato à aparência. O conteúdo da fala de 12 minutos - impreciso, inverídico, tacanho - somou-se a um esforço adjacente. A composição fantasiosa do discurso chegou numa nova embalagem, com óculos e cabelo penteado com goma, um pouco mais longo que o corte de sargento escovinha, mas igualmente feio.

O terno razoavelmente feito, a gravata em ton sur ton, a camisa branca, tudo composto, para produzir alguma estampa, mas o capitão não conseguiu disfarçar o incômodo com o figurino, com a plateia e com o ambiente. Um peixe fora d`água.

Tentou o papel de protagonista, mas o desempenho foi de canastrão. Em 11 segundos de fala já tinha dado um pulinho para os lados, torcido as mãos tensas, semi apoiadas sobre o púlpito - mexendo os polegares contra o indicador - arregalado os olhos, tentando não tropeçar no nome desafiador do presidente da Assembleia Geral, Abdulla Shahid.

O discurso preparado para ele, dentro de uma ótica simplista, quase vulgar, para alguém que só aprecia falar com os seus acólitos, e receber deles aprovação e aplauso entusiasmados, enquanto descreve o seu reino da fantasia, não deixou o capitão com o mínimo de segurança necessário para os 12 minutos da vergonhosa apresentação na ONU.

Embora acredite nas mentiras que diz, não mostrou segurança em apresentar a ficção que encomendou. Titubeante, recalcitrante, como se estivesse caminhando sobre brasa, era a apresentação de uma criança de ensino fundamental, sorteada para fazer a leitura diante da classe. Estava com a boca seca, sinal de ansiedade; a apoteose à mentira sem dúvida deve ter reverberado nas entranhas.

Mas, ainda que o próprio corpo se rebelasse contra as palavras, o capitão tentou domar a verdade. Começou atribuindo à imprensa relatos de uma realidade que nega e que seria responsável pela imagem ruim do Brasil mundo afora. Teve a coragem de dizer em alto e bom som que o Brasil mudou "e muito" depois que "assumimos o governo". Disse que com ele o país ganhou credibilidade. Fico imaginando o que teria bebido, ou quais teriam sido os condimentos da pizza comida na calçada.

Não contou ao distinto público que Brasil é esse, que vem fazendo florescer, com inegável determinação. Um país campeão em mortes por Covid-19, inflação longe da meta, fuga de investimentos estrangeiros, recorde de destruição ambiental, no Pantanal e na Amazônia; país em que todas as estatísticas revelam o aumento do fosso entre ricos e pobres, onde o descrédito à ciência é slogan de governo; país em que a educação é desdenhada e professores humilhados, e em que o grande comércio estimulado é o de armas de fogo...

Preferiu rechear a sua fala trôpega, de aluno que tenta não errar, mas que não convence, com uma realidade paralela. O tônus da fala é frouxo. O vigor das ideias é substituído pelo texto mesquinho, pequeno, rasteiro em que não reconhece a grandeza dos desafios e desdenha da encruzilhada histórica em que vive hoje a humanidade. Olha o mundo por uma fresta miúda, vergonhosamente medíocre, aquela dos ignorantes orgulhosos, dos idiotas insensatos, que só reconhecem as próprias grandezas refletidas nos acenos de vassalos.

O discurso de personagem menor, apresentado como um aspirante ao palco destinado a grandes estrelas, não tem as qualidades para o papel que ambiciona. Suas palavras doem em quem as escuta e as compreende. Em quem vive no Brasil real. O olhar esgazeado, movimentando a cabeça como um robô, os pulinhos e os lábios secos são a imagem da pessoa que está no lugar errado. Falando as coisas erradas.

O capitão disse ao mundo que, no seu governo, não "estamos com casos concretos de corrupção". Não quis se referir aos "casos abstratos" de corrupção, as rachadinhas, as negociações da vacina com preço embutido de propina.

Mas entre uma lambida e outra nos lábios secos, o capitão brindou as Nações Unidas com uma revelação estarrecedora: o Brasil estava à beira do socialismo! E foi salvo por ele! (exclamação duas vezes). E que a Amazônia vem sendo preservada! Que há redução no desmatamento!

O capitão falou do palco do mundo como se estivesse numa conversa no seu cercadinho. Uma conversa dos anos de 1960. Tempos em que o saudosista se inspira para ofender as instituições democráticas. Uma voz longínqua de um tempo distante, obsoleto, anacrônico. Uma voz que não merece ser ouvida.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL