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Olga Curado

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Saído das revistas de quadrinhos, o Coringa inspira o governo Bolsonaro

Coringa - Warner Bros/Divulgação
Coringa Imagem: Warner Bros/Divulgação

Colunista do UOL

21/10/2021 09h31Atualizada em 21/10/2021 09h31

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A resposta ao relatório da CPI da Pandemia, pelo filho do capitão, com assento no Senado Federal, foi uma gargalhada, imitando o próprio pai. É uma referência inconsciente ao personagem com o qual ambos - pai e filho - se identificam: o Coringa.

O vilão que desafia a paz e a ordem na fictícia cidade de Gotham City, onde Batman e Robin correm para impedir seus crimes, tem a marca do riso frouxo nas cenas em que há uma tragédia, onde pessoas estão em sofrimento. É o desdém pela dor que o anima, é o seu combustível, num alheamento quase patológico - e no caso do personagem vivido mais recentemente pelo magistral Joaquim Phoenix.

Numa visita rápida ao conhecimento disponível online, aprende-se que um dos nomes do Coringa é "Príncipe Palhaço do Crime" ou "Bobo da Corte do Genocídio".

O Coringa não deixa barato, tenta reverter os seus revezes usando todos os artifícios que o poder circunstancial lhe confere. No caso do novo Coringa da cena nacional, o esforço é a tentativa patética de descaracterizar o relatório final da CPI da Pandemia. Uma grande dedicação dos negacionistas empoleirados no governo federal, para negar a tipificação de crimes praticados por próceres do governo e pelo próprio capitão no manejo da pandemia no país.

O Coringa, no baralho, é também a carta do vale tudo. Ocupa qualquer posição, de qualquer carta, em qualquer jogo. Porém, a regra que se faz entre os jogadores é se vale ou não o coringa no jogo.

De um lado a ironia para com a dor; de outro, o personagem que se transveste de qualquer poder para ocupar o lugar que não lhe pertence naturalmente. É o mimetismo de um camaleão para seguir na disputa. E é assim.

O silêncio, mais ou menos, do capitão depois da missiva de seu antecessor na cadeira, o Temer, inspirado pela experiência de bastidores e de cochichos, muito mais efetivos para seduzir e amalgamar relacionamentos estratégicos do que os gritos no cercadinho do capitão. Aprendeu sob pressão o capitão, que também faz mesuras para um STF (Supremo Tribunal Federal) - que ameaçou com todas as letras, invocando o patriotismo no Dia da Independência, no último 7 de Setembro - criando uma bucólica cerimônia de anúncio de mais um Tribunal em Minas Gerais, para desafogar trabalho de juízes. Uma no cravo, com tantas desferidas na ferradura.

No corredor do Congresso, um Coringa gargalha, desafiando todas as sepulturas dos mais de 600 mil mortos e o calvário dos sequelados. Não distante de lá, na Praça dos Três Poderes, um outro Coringa se curva às mesuras ensinadas pelos escaldados sobreviventes dos ardis político partidários e se deixa conduzir suavemente, de olho nas promessas feitas pelo Lira.

Mas o "Bobo da Corte do Genocídio" das revistas em quadrinhos e da telona não age sozinho. Embora seja o protagonista das cenas mais escabrosas e aterrorizantes, atua muitas vezes em conluio, por afinidade de propósito de estilo, com um grupo de vocacionados que também atemorizam Gotham City. Tem como companheiros o Pinguim, o Duas-Caras, a Liga da Injustiça e a Gangue da Injustiça.

Antes de ser consagrado no cinema, as aventuras e desventuras de Gotham City apareciam semanalmente nas telas em preto e branco das televisões de décadas passadas. Hoje, ao vivo e em cores, salta da história de ficção de todas as telas e confirma: a vida imita a arte.