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Olga Curado

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Moro tenta dar o golpe da humildade para ser ouvido além da própria voz

Colunista do UOL

10/11/2021 15h19Atualizada em 10/11/2021 19h29

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Moro desafina.
Não tem jeito.

O ex-juiz, sem dúvida, fez exercícios para soar mais crível, no seu lançamento como candidato. Mas é artificial. Não consegue demonstrar, com naturalidade, empatia. Mais do que na sua voz, na sua atitude, o olhar e a postura mostram que se sente acima do bem e do mal.

O candidato a candidato de terceira via para disputar a Presidência da República tentou criar um personagem e usa uma historinha que quer comover:

- Moro, você abandou o Brasil?

- Eu nunca abandonaria o Brasil.

Vamos nos preparar para o mote pouco criativo de uma cartilha de super-homem que não esmorece. Quer fazer acreditar que a sua missão é maior do ele próprio. Mas, muito cheio de ressalvas. Quer propor sem ter o que propor e fica, de maneira cansativa, repetindo os jargões da escuta e da importância de compartilhar com o povo. Uma chatice.

O valentão, agora vestido de candidato, como um guerreiro que não cede - mas, convenhamos, o script não convence.

A postura de quem está preparado para entrar na briga foi a escolha do figurino, que pretende dessacralizar a imagem de um juiz de toga, com camisa social, branca, sem gravata, mas ainda precisando se centrar.

O movimento lateral do corpo, segurando o pedestal onde descansou as mãos. Dedos dobrados e dedos abertos - algo que se escorre e algo que se mantém escondido.

O texto faz tentativa de brincar com o que a população identifica com personagens da vida pública - como Lula, quando diz que "nunca na história desse país" houve tanta corrupção como na Petrobras. Tenta vacinar o discurso segundo o qual deixou a magistratura para continuar na luta anticorrupção.

Segue tentando convencer que manteve princípios na defesa do país contra a corrupção. Frases de efeito fácil. Cobrado dos presentes, "não estou à venda". Mas ele não caiu na pegadinha. Não se sente confortável no improviso.

Chegou com o script e ficou nele.

Vai pontuando a sua apresentação - longe do Brasil para "refletir" sobre o país. Uma ginástica retórica que não combina com os fatos. O que o ex-juiz fazia era esperar o momento para se lançar, enquanto o cenário se aclarava, e avaliava por onde entrar na busca de um mandato presidencial.

A colcha de retalhos do discurso do ex-juiz é também uma busca de parecer ser o que não é. A compaixão - por exemplo - ao se solidarizar com as vítimas da pandemia, soou como uma obrigação dentro de um roteiro. Não aparece tal empatia durante a própria pandemia, durante a reflexão de Moro, que lembra o heroísmo dos profissionais de saúde.

O ex-juiz, agora candidato a uma terceira via em 2022, tentando desbancar o capitão e se desvencilhar do ex-presidente Lula, obedece à apresentação dos temas como um rosário que pretende tocar em tudo o que neste momento preocupa o povo. Uma cansativa retórica que não tem, de fato, uma evidência de que realmente sabe endereçar os problemas.

Numa avaliação geral, genérica, simplista e abrangente, o ex-juiz falou meio tatibitate. Tentou, claro, obedecer a orientação dos seus especialistas, mas, sozinho no palco era ele mesmo, meio sem jeito, ainda assim arrogante, dando as pausas para as palmas que estariam marcadas no seu texto. Muito, muito artificial.

Se, por um lado, não aparenta ser um juiz, Moro ficou mais parecido com um delegado de polícia. Não estava no palco um candidato à Presidência da República, mas um aspirante a ocupar uma delegacia de polícia.

O Brasil justo de Moro não apareceu no seu anúncio como candidato. Com slogans, frases fáceis e postura artificial, não junta. Moro pode tentar, mas ainda tem mais a aprender, se quiser ser ouvido além da própria voz - está mais parecida com o timbre de adulto - mas os seus cabelos continuam os mesmos.