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Otávio Rêgo Barros

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Quem está promovendo o verdadeiro golpe?

Plenário da Câmara dos Deputados durante votação do piso salarial de agentes comunitários - Nilson Bastian /Câmara dos Deputados
Plenário da Câmara dos Deputados durante votação do piso salarial de agentes comunitários Imagem: Nilson Bastian /Câmara dos Deputados

Colunista do UOL

05/07/2022 04h00

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Há meses, nos jornais, nas televisões, nas rádios, nas revistas, nas mídias digitais e até nas conversas de botequim trata-se do perigo de um golpe perpetrado pelas Forças Armadas, em apoio ao atual mandatário.

É como se revivêssemos um século 20, no qual as condições históricas inseriram os militares em muitos eventos da política nacional.

Todavia, se analisarmos de forma equilibrada, sem as paixões que nos assumem fruto do passado inesquecido, a evolução dos acontecimentos revela que se houver, hipoteticamente, um golpe, não o atribua às Forças Armadas.

Até aqui, mesmo sendo convidadas ao palco para apoiar o mocinho (ou vilão a depender do ponto de vista), têm declinado do papel, preferindo assistir dos camarins da legalidade o desenrolar da peça nacional cujo final, a permanecer nesta toada, será de turbulência e incerteza para toda população.

Embora posturas individuais possam indicar preferências políticas de alguns militares - naturais, pois são cidadãos comuns, com todos os direitos cívicos - a instituição Forças Armadas não moveu tropas, não burlou a Constituição, nem comprou votos irresponsavelmente de famélicos por meio de benefícios sociais temporários e claramente eleitoreiros.

Os integrantes das principais agremiações políticas estão aconchegados em seus postos de comando, materializados por comitês de campanha, por restaurantes afastados do centro da cidade, por casas luxuosas de bairros nobres da capital da República.

A artilharia antiaérea que protege seus bunkers é a desinformação profissional, a perfídia diária e a egoísta falta de senso de comunidade.

É compreensível que uma luta política com reflexos econômicos esteja em curso para mitigar as dificuldades pelas quais a população passa em seu dia a dia de sobrevivência.

Não buscar soluções é desumano.

Imperativo, todavia, é encontrar soluções responsáveis.

Como a gestão governamental não é comprometida com racionalidade, ao menos não foi nos últimos anos, fica a sensação de que o futuro no Planalto Central será de outras aventuras, a testar a solidez da nossa sempre novel democracia.

Nesse interregno, o dinheiro tomado emprestado a agiotas gananciosos - ninguém de sã consciência acredita que é só girar a maquininha de imprimir notas de Real e tudo estará resolvido - será cobrado dolorosamente e a cota majoritária destinada ao pagamento caberá aos mais necessitados com o carimbo de inflação, desemprego e carestia.

Quem está, portanto, promovendo um verdadeiro golpe?

Agentes do poder, despreocupados com um futuro sustentado do país e preocupados apenas com a sobrevivência pessoal e de seu grupo na arena patrimonialista da política nacional são os verdadeiros responsáveis por esse golpe, que não sendo de força, é econômico e político.

Justificativas funestas para se quebrar a coluna mestra da estabilidade do país - a Constituição Federal - sobram nas comissões e plenários da Câmara e Senado federais.

Propostas de Emenda Constitucional são arranjos discutidos e aprovadas em pouco mais de semana. Às vezes um par de dias.

Como justificar que na mesma jornada, em duas votações, com o quórum qualificado de 3/5 das casas se mude a carta maior da Nação?

É um desmerecer nefasto do trabalho sistematizado realizado pelos constituintes em 1988.

Partidos do governo e de oposição unem-se sem uma discussão sensata sobre os reflexos de suas decisões, embarcam alegremente em um Titanic, já sabendo que mais adiante há um iceberg de incertezas conjunturais que afundará o país.

Quem está, portanto, promovendo um verdadeiro golpe?

Esta semana, ao que tudo indica, haverá uma quebra de regras consuetudinárias e escritas do regimento das casas legislativas federais com vistas à aprovação de mais um arremedo de lei.

Nominada apropriadamente de PEC Kamikaze, obviamente sem o sentido de honra que carregavam os pilotos japoneses, revela que nada restará ao país a não ser o vazio da catástrofe fiscal no próximo governo.

Quem está, portanto, promovendo um verdadeiro golpe?

Muito se fala na disputa encarniçada pela cadeira maior do Planalto. Sua dimensão, em verdade, se reduziu a tamborete bambo diante das novas regras do poder e da fragilidade do Executivo.

Por isso, é tempo do eleitorado identificar quem de fato está conduzindo a nação, qual é seu interesse e quem está sendo beneficiado.

Paz e bem!