Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Ainda somos inocentes personagens neste Brasil surreal
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Norberto Bobbio, em sua obra O FUTURO DA DEMOCRACIA - Uma defesa das regras do jogo (Paz & Terra, 2020), nos leva a refletir sobre as contradições e fragilidades dos regimes democráticos, particularmente na adolescência do século 21.
O professor italiano será o nosso guia para este texto.
A campanha eleitoral no Brasil já caminha há quatro anos. Portanto, tivemos tempo para nos acomodarmos a ela e, mesmo assim, não nos esforçamos para compreendê-la e orientá-la.
Divisiva e personalista, atingiu um novo patamar. A partir desta semana, começam as convenções partidárias. Aqueles eventos desconectados da realidade, com personagens de um país das maravilhas a viverem em seu mundo surreal.
As festas tentam mostrar candidatos perfeitos, partidos estruturados, lideranças responsáveis, programas qualificados e ouvintes conscientes de seu papel na democracia. Surreal, pois sabemos como se configuram.
No livro, Bobbio alerta para o otimismo ingênuo dos que acreditam que os homens são antes de tudo cooperativos e que desejam, quando se oferecem para militar no corpo político, aprimorar o mundo com os valores da democracia.
Quais as razões para não podermos acreditar inocentemente nesta utopia?
- As oligarquias sobrevivem independente do partido que esteja no poder. Diariamente, a imprensa nos oferece o esforço dos grupos políticos para dominarem os cordéis do orçamento secreto.
- Os interesses particulares subsistem sobre a consciência de homem público. Como entender que deputados e senadores votem em massa na PEC Kamikaze, incluindo a oposição, por medo da perda de um futuro protegido no mandato.
- Os espaços políticos estão rigidamente definidos, impedindo a formação de novos quadros. A opção ao maniqueísmo eleitoral foi podada antes que florescesse.
- A população vive em déficit de educação, o que a impede de avaliar conscientemente seu futuro, aceitando migalhas que caem da mesa durante as refeições dos poderosos.
Esse panorama não está vinculado diretamente a qualquer viés político. Veste, como corte de alfaiate, a esquerda, a direita, os extremos ensandecidos e o centro amorfo.
No Brasil existe apenas um grupo no poder. Ele se renova, sem se renovar. Ele se sustenta nos conchavos espúrios firmados no escurinho dos restaurantes e nas mansões nababescas da capital federal.
Contra esses adversários da sadia política e necessária alternância de poder é imperativo, como declarou Bobbio, confiar na força das boas razões do homem de bem.
Devemos fugir daqueles que defendem transformar a democracia em uma entidade perfeita, destruindo-a.
Aqueles que a definem como sistema sempre frágil, vulnerável, corruptível e corrupto, mas ao ascenderem ao poder reforçam esses péssimos atributos.
A democracia, em seu estágio atual, é demagoga. Oferece o que não pode entregar. E não pode entregar, porque seus condottiere se valem dela para benefícios pessoais.
Se quisermos uma mudança que traga segurança para caminharmos em busca da paz e bem-estar sociais será preciso atuar sobre valores.
E três são fundamentais: a tolerância, a não-violência e a renovação gradual da sociedade.
Tolerância para combater a crença cega na própria verdade.
A não-violência para solução dos conflitos sociais sem o recurso da força.
A renovação gradual da sociedade por meio do livre debate de ideias e mudança das mentalidades.
Estamos a 80 dias das próximas eleições. Vamos precisar levar diariamente esses valores no bolso e usá-los sem economia.
Agrava-se o estado de coisas pela ciclotimia do poder no Brasil que já demonstrou a impossibilidade de se acreditar em mitos, de esquerda ou direita.
Precisaremos fugir da democracia plebiscitária que gerou uma Alemanha nazista e um Itália fascista e, como reflexo, o fortalecimento de um stalinismo naturalmente sem eleição. Precisaremos fugir das paixões e aceitar a camisa de força da razão.
Sendo plebiscitária, o foco nas campanhas tende a privilegiar as cadeiras executivas, em especial a do Planalto. Mas, para se iniciar uma mudança realista, ele deverá ser redirecionado para as cadeiras do legislativo federal. Os verdadeiros donos do poder.
A intervenção branca que esses políticos, há alguns anos, impõem ao chefe do executivo, débil e sempre desconfiado de que pode ser apeado do cavalo e preso na primeira curva, indica que o nosso regime de governo, há muito, não é mais o presidencialismo.
O dia 2 de outubro deve ser o marco que tanto aguardávamos. Tente algo novo para deixarmos de ser inocentes personagens de um país das maravilhas, um Brasil surreal. O velho, já o conhecemos. Até lá, resistam. Depende de nós.
Paz e bem!
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