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Otávio Rêgo Barros

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Generais e seus valores em apoio à Democracia

O ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, é cercado por seguranças ao caminhar em direção ao Lafayette Park em Washington, DC, após sugerir que a Guarda Nacional seja usada nas ruas - Brendan Smialowski / AFP
O ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, é cercado por seguranças ao caminhar em direção ao Lafayette Park em Washington, DC, após sugerir que a Guarda Nacional seja usada nas ruas Imagem: Brendan Smialowski / AFP

Colunista do UOL

16/08/2022 00h00

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"Presidente, se eu lhe disser sim é sim. Se eu lhe disser não é não. Discordar com lealdade, Presidente, é a melhor forma de demonstrar respeito" (um assessor militar ao Presidente).

Na caserna, o ato de comandar (mandar com) se suporta nos pilares da hierarquia e da disciplina.

Ouvir e aceitar a discordância, como apoio à decisão, eleva o chefe ao patamar de líder.

Ao longo de minha carreira militar tive muitos chefes. Alguns líderes, outros apenas chefes.

No artigo Inside the War Between Trump and His Generals, publicado na revista The New Yorker, no dia 8 de agosto passado, os articulistas tratam desse tema e envolvem aspectos políticos na trama.

Um verdadeiro thriller desde as primeiras linhas do texto assinado pelos jornalistas Susan B. Glasser e Peter Baker.

Os profissionais mergulharam fundo para iluminar a perigosa relação entre o ex-Presidente Donald Trump, descrito como incapaz de agir com razão e seus assessores militares, ocupantes dos cargos mais relevantes para a segurança nacional e internacional daquele país.

Esses militares impediram os Estados Unidos da América de serem levados a uma guerra civil e a um conflito internacional sem precedentes.

A firmeza de atitude evitou que a egolatria do mandatário destruísse o país, na longa e tempestuosa noite do governo trumpista.

Nos fixemos nas eleições de 2020. Os jornalistas contextualizaram ao ambiente militar o comportamento errático e irascível de Trump na renhida peleja.

Teorias da conspiração estimuladas pelo Presidente eram espalhadas em mídias sociais por seguidores antolhados.

Alegavam que as eleições seriam fraudadas e, portanto, era preciso criar uma onda de indignação entre os grupos radicais para "melarem" o resultado das urnas em 3 de novembro de 2020.

Na apuração da matéria, foi revelada a proposta de um plano de emprego das Forças Armadas para atuar em apoio a Trump, com base na Lei da Insurreição (datada de 1807) - aqui no Brasil seria a declaração de um Estado de Sítio -, e de emprego de militares para recontagem de votos nos Estados onde o Presidente tivesse sido derrotado.

Generais com folhas corridas impecáveis, homens como James Mattis, secretário de defesa, Joshef Dunford, chefe da junta de chefes de estado-maior, John Kelly, chefe de gabinete da Casa Branca, e, finalmente, Mark Milley, atual chefe da junta, resistiram aos desatinos de Trump.

Suas armas: VALORES!

Como exemplo, quando Trump entrevistou Milley para avaliá-lo para o cargo de chefe da junta de chefes de estado-maior houve diferenças de pontos de vista.

Ao final, o General lhe assegurou: "Senhor Presidente, o senhor tomará as decisões. Eu lhe garanto que darei sempre uma resposta honesta, e não a divulgarei na primeira página do Washington Post. Definido o curso de ação, enquanto ele for legal, eu vou apoiá-lo".

Trump não alcançou a ressalva do General Milley!

Ao longo de sua presidência, ele procurou redefinir o papel dos militares na vida pública americana

Milley cometeu um erro do qual logo se arrependeu. Convocado às pressas pelo Presidente, participou com uniforme de combate, de uma caminhada ao lado de Trump, desde a Casa Branca até a Igreja de São João, ao lado da Praça Lafayette.

Segurando uma bíblia, o Presidente vociferou contra as centenas de manifestações que a sociedade americana estava promovendo para repudiar a morte do negro George Floyd, assassinado por um policial branco.

O Exército americano, multirracial, não poderia ver-se associado a um ato público racista.

Milley assumiu seu pecado, desculpou-se publicamente e, desde então, decidiu, segundo suas palavras, lutar por dentro contra Trump, para manter a estabilidade, até que ocorresse a posse de Joe Biden, em 20 de janeiro de 2021.

Embora entre os generais ocorressem divergências profissionais, nunca deixaram de contestar leal e legitimamente as decisões do Presidente que, sem respeito pelas Forças Armadas americanas, queria lançá-las contra o povo em afronta aos pilares da Democracia de Benjamin Franklin e Thomas Jefferson.

Por pouco Trump não obteve êxito em sua luta por reverter o resultado das eleições.

Em 6 de janeiro de 2021, açuladas pelo próprio chefe de governo, hordas invadiram o Capitólio para impedir a sessão de declaração de vitória de Joe Biden.

O Pentágono estava alerta. Os chefes das diversas Forças operavam em conjunto. Após acionamento pelos líderes do Congresso americano, tropas prontamente se fizeram presentes para conter a insurreição.

Diálogos reveladores, confirmados por entrevistados, reforçaram o perigo que o mundo correu pelas mãos de Trump.

O perigo que as Forças Armadas do país correram de serem tragadas nas contendas políticas.

O perigo que a Nação americana correu em mergulhar numa crise com confronto de sangue entre irmãos.

O perigo que a Democracia correu de amiudar-se.

O perigo de transformar em milícia as tropas mais poderosas do mundo.

A postura dos generais na relação de poder entre Trump e as Forças Armadas enobreceu a Nação americana e fortaleceu o Esprit de Corps de seus subordinados.

Os militares sêniores tinham padrões, não uma lealdade cega. Não cambiaram a temporalidade do poder por um vil rebaixamento de seus padrões morais.

Aquela conturbação deve servir de alerta a profissionais das armas e à sociedade.

Milley, um apaixonado pela história militar, soube refletir o passado e aplicar com serenidade os ensinamentos colhidos diante das crises sucessivas que lhe foram apresentadas.

Em Nações sob o Estado de Direito, generais devem liderar, vestidos dos valores que os acompanham, e agir com a mesma fortaleza de convicções contra tentativas de refutar as regras da Democracia.

Quando Trump quis promover um grandioso desfile militar, para proveito político, os generais se opuseram. "Cresci em Portugal, isso é coisa de ditadura", disse o General Paul Selva, da Força Aérea, ao Presidente.

Não há outro caminho.

Forças Armadas são servas da Constituição e da sociedade.

Paz e bem!