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Paulo Sampaio

"Bolsonaro não é homofóbico, e eu o amo", diz eleitor gay do presidente

Professor Conceição: "Conheci Bolsonaro no meu processo de desesquerdização, quando estava me politizando com Olavo de Carvalho" - Arquivo Pessoal
Professor Conceição: "Conheci Bolsonaro no meu processo de desesquerdização, quando estava me politizando com Olavo de Carvalho" Imagem: Arquivo Pessoal

Colunista do UOL

08/05/2020 04h00Atualizada em 10/05/2020 19h15

Muita água passou por debaixo da ponte desde que, em outubro de 2018, o professor de português e filosofia David Conceição, 28 anos, deu seu voto a Jair Bolsonaro.

Eleito com a promessa de acabar com a corrupção no Brasil, de outorgar "carta branca" ao juiz-herói Sergio Moro, de jamais ceder ao que chamou de "velha política", o presidente da República teve o nome da família associado a práticas criminosas na Alerj (Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro) e à milícia; destituiu Moro de seus poderes até o ponto de fazê-lo pedir demissão; e agora se aproxima do grupo de parlamentares do chamado "centrão" - historicamente conhecido por barganhar apoio em troca de cargos - para tomar fôlego diante de uma crise política que parece não ter fim.

A coluna entrevistou homossexuais que votaram em Bolsonaro — apesar do alegado desprezo dele pela causa gay —, para saber como esses eleitores avaliam o governo até aqui, incluindo a conduta do presidente desde o começo da pandemia de covid-19.

Por enquanto, nada alterou a convicção de Conceição: "Minha lealdade a Bolsonaro é perpétua. Eu o conheci ainda no meu processo de desesquerdização, quando estava me politizando com Olavo de Carvalho, e na minha recém conversão ao catolicismo tradicional com o Magno Papa Bento 16", afirma ele, que no passado chegou a votar no PT (Partido dos Trabalhadores). O professor é graduado em letras pela UFRJ, com pós latu sensu em ensino da filosofia pela PUC-Rio.

Oratória falida

Quando o questionam sobre a contradição de, sendo homossexual, votar em um candidato declaradamente homofóbico, ele estranha: "O Bolsonaro não é homofóbico, e eu o amo. Tachá-lo dessa forma é usar uma oratória falida que ninguém mais acredita, mesmo que jornalistas, artistas e militantes jurem por Deus que ainda consigam influenciar a sociedade."

Para Conceição, Bolsonaro tinha seus motivos quando fez afirmações como: "Seria incapaz de amar um filho homossexual; prefiro que ele morra em um acidente de automóvel a vê-lo com um bigodudo por aí". O professor explica: "Qual era o perfil de homossexual até então mais conhecido? O hipersexualizado, que financiava o tráfico para se divertir nas baladas, o lacrador que se sentia cidadão de primeira classe ao afrontar os valores que são tão caros à sociedade, como forma de exercer a 'liberdade'. O indivíduo que perdeu a identidade por conta da militância."

Armamentista, o professor apoia o presidente em ato na avenida Paulista - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Armamentista, o professor apoia o presidente em ato na avenida Paulista
Imagem: Arquivo Pessoal

Segundo o professor, Bolsonaro então conheceu o "perfil de homossexual ignorado pela sociedade e pelo mundo midiático". "É o que não aceitou ser instrumento ideológico da esquerda. O homossexual conservador possui a consciência de que os pilares da civilização são a cultura cristã, a filosofia grega e o direito romano", diz ele, que tem um companheiro por quem se declara "perdidamente apaixonado": "Ele é leal, confidente, parceiro, amigo e o melhor: bolsonarista ferrenho!"

As cagadas de Moro

Em sua fidelidade ao presidente, Conceição não se deixou abalar nem mesmo pela saída de Sergio Moro, considerado um "mito" por boa parte dos eleitores de Bolsonaro: "O Moro é um funcionário público tecnocrata, com zero ideologia. Um servo do Estado, não do Governo. No momento em que Bolsonaro precisava de aliados fiéis, ele preferiu seguir o caminho dele e decepcionou bastante a quem é aliado do presidente."

Segundo o professor, "é preciso lembrar das cagadas que o Moro fez". "Deu tablet para presos, chegou a nomear a Ilana Casoy (suspenderam a tempo!) e ficou em silêncio diante das medidas autoritárias dos governadores, quando mandaram prender pessoas por simplesmente andarem na rua."

Deturpação semântica

A coluna pergunta se Conceição cumpre o isolamento social determinado pelas autoridades de saúde do mundo todo, e se usa máscara na eventualidade de ter de sair à rua. Ele diz: "A voz da ciência sempre deve ser ouvida. Mas aqui, mais uma vez, a deturpação semântica da esquerda é posta em prática para sustentar suas narrativas. Ela diz se basear na ciência. Mas o que é a ciência?"

Ele responde: "Em sua essência, ela é plural e se compõe de um colegiado. No Brasil, temos 460 mil médicos, segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM). Em sua maioria, eles aconselham o isolamento vertical. O que mais temos são vídeos voluntários desses profissionais explicando a situação sob uma ótica médica que corrobora ao que vem solicitando o Presidente da República Jair Bolsonaro."

Consultado, o CFM não confirma a informação.

O professor atribui à "mídia convencional" a "não divulgação" de dados: "As Organizações Globo até sabem, mas fingem não saber que hoje acontece o inverso: são eles que buscam notícias nas redes sociais. E publicam o que a população já sabe há 4 horas."

Mandetta irresponsável

Aparentemente, admite-se tudo quando se trata de defender o presidente. Os ministros que deixaram o governo, por mais que fossem enaltecidos antes, passam a ser desqualificados à saída. Para o enfermeiro mineiro Robinson Batista, 25 anos, que votou no presidente por se sentir identificado com um "modo de pensar e de ser", a posição do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta sobre a epidemia de covid-19 foi "irresponsável": "A imprecisão dele sobre o período de pico da doença e a oposição a testes com medicamentos como a cloroquina tornaram a demissão justa", diz Batista.

Apesar de cumprir o isolamento social e usar máscara, o enfermeiro não acha que Mandetta deveria ter se mostrado em desacordo em relação à postura do presidente da República, que não evita aglomerações nem usa proteção. "Um ministro não pode estar tocando uma música, e o presidente, outra. É preciso haver sintonia para alcançar resultados."

Direita manchada

Batista afirma que atualmente sua militância "se restringe à rede social", mas, se fosse preciso, "participaria de atividades na rua". Ele declara o seu repúdio à agressão de bolsonaristas a enfermeiros que promoviam um ato no dia 1º de maio, na praça dos Três Poderes, em Brasília, em memória dos 55 profissionais da área que morreram em decorrência da covid-19: "É uma atitude que mancha a direita, e os responsáveis devem ser punidos", acha.

O enfermeiro Robinson Batista acredita que a agressão a profissionais da saúde em ato na praça dos Três Poderes "mancha a direita"  - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
O enfermeiro Robinson Batista acredita que a agressão a profissionais da saúde em ato na praça dos Três Poderes "mancha a direita"
Imagem: Arquivo Pessoal

Solteiro no momento, o enfermeiro acredita que "existe muita hipocrisia no mundo gay". Para ele, "se Bolsonaro se declarou homofóbico, foi contra a sexualidade como ideologia". "O posicionamento do presidente é contra o ódio dos movimentos sexuais aos valores familiares, religiosos, sociais e estatais, no que eu concordo inteiramente."

Coisa do passado

O eleitor gay de Bolsonaro costuma defender a tese de que a postura do presidente hoje, em relação à homossexualidade, é outra. Há cerca de dois anos, o engenheiro Junior Smith Hays, 30, declarou à coluna que o desprezo do então candidato pela comunidade gay era "coisa do passado". "Como qualquer outro ser humano, ele evoluiu", disse Hays, que à época contava 53 mil seguidores nas redes sociais.

Em sua temerária evolução, Bolsonaro volta e meia dá uma escorregada no caqui. No fim do ano passado, o presidente disse a um repórter que o entrevistava à saída do Palácio da Alvorada que ele tinha "uma cara de homossexual terrível". "Nem por isso eu te acuso de ser homossexual. Se bem que não é crime ser homossexual".

Hays permanece não ouvindo tais declarações.

Sobre democracia

A preocupação maior do engenheiro é com o que considera "tentativa de sabotagem da democracia", ou aquilo que os analistas políticos das mais variadas tendências preferem chamar de "grave crise no governo". Diz Hays: "O projeto eleito para o governo federal foi o do Bolsonaro, não o do Doria, o do Maia, nem de qualquer ministro do STF (Supremo Tribunal Federal)."

Para o engenheiro, os analistas investem "mais uma vez na tentativa da destruição do governo do presidente Bolsonaro". "É a síndrome de abstinência do roubo do dinheiro público batendo com força em alguns."

Hays renova seu discurso "evolucionista": "Está na hora de evoluirmos. Não é só a esquerda, a OMS (Organização Mundial de Saúde) e sua 'ciência' que são democracia."

Defensor incondicional de Bolsonaro, o engenheiro Hays acredita que existe uma tentativa de "sabotar a democracia" - Paulo Sampaio/UOL - Paulo Sampaio/UOL
Defensor incondicional de Bolsonaro, o engenheiro Hays acredita que existe uma tentativa de "sabotar a democracia"
Imagem: Paulo Sampaio/UOL

Um meio podre

Não, nem tudo são flores entre os homossexuais que elegeram Bolsonaro. O auxiliar administrativo Carlos Athila, 32, que há dois anos afirmava: "Minha primeira opção é Bolsonaro presidente, e a segunda, intervenção constitucional militar", agora se mostra amargurado. Chegou à conclusão de que "a política é um meio podre".

Para Carlos Athila, que já foi apoiador de Bolsonaro, "política é um meio podre" - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Para Carlos Athila, que já foi apoiador de Bolsonaro, "política é um meio podre"
Imagem: Arquivo Pessoal

Se na época sua sintonia com Bolsonaro o levava a afirmar que "nunca houve ditadura no Brasil, o que houve foi um regime militar muito elogiado pelas pessoas de bem, um regime que nos livrou do comunismo", Athila agora faz severas críticas ao presidente.

"Ele não tem de interferir na polícia de jeito nenhum, nem tinha de ter trocado o Mandetta em meio à pandemia. O Bolsonaro tem perdido milhares de seguidores nas redes sociais, eu já não o sigo faz muito tempo."

Athila também considerou "desnecessária a forma como ele [presidente] se referiu aos mortos" por covid-19 ("Sou Messias mas não faço milagre"): "Só depois que ele viu as câmeras ligadas, se solidarizou."

A favor do debate democrático, a reportagem não propôs reunir Áthila e os três outros entrevistados, por respeito ao isolamento social.