Como se comportam os manifestantes em atos pró e contra Bolsonaro
Os participantes de uma pequena manifestação pró-Bolsonaro e anti-Dória ocorrida ontem na Avenida Paulista ovacionam alegremente um ônibus cinza-chumbo que passa no local, em cujas laterais se lê CHOQUE.
Êêêêêê!
Estão ali cerca de 100 pessoas, a maioria com idades acima dos 40 anos. Sempre que o sinal fecha, dois homens vão para o meio da pista e estendem uma faixa verde com as inscrições: "Nós exigimos intervenção militar já, com Bolsonaro no poder".
Apesar do conteúdo tonitruante da mensagem, os dois não parecem muito entusiasmados. A impressão é a de que estendem e dobram a faixa mecanicamente, sem ter muita ideia de como a intervenção vai se dar na prática. Tento saber, mas eles não falam com a "imprensa vendida".
Não muito deprimida
Ali perto, um grupo de mulheres afirma que está no ato para reafirmar seu apoio a Bolsonaro, mas principalmente para protestar contra o governador e o prefeito. "Quero o Covas debaixo da cova! É um safado, adestrado pelo Dória", diz a cabeleireira Maria Lúcia Xavier, 58 anos.
Elas clamam pela abertura do comércio: "Olha o meu cabelo que mal cortado! Tô horrorosa", diz a enfermeira Lourdes Dudus, 68, virando para mostrar o rabo de cavalo. "Coloca aí que eu estou com depressão. E estou mesmo. Não muito, mas estou."
Para a professora Fátima Souza, 65, que veio de Sorocaba, "o Dória tem de ir para a cadeia". "Quem votou nele vai pegar covid!"
Pela democracia
A cerca de 6 km da Paulista, no Largo da Batata, em Pinheiros, zona oeste, por volta de 3 mil pessoas estão reunidas em uma outra manifestação, antifascista, antirracista, antigoverno e pela democracia. Acompanhado de quatro amigos, o mecânico Johnny Alves, 21 anos, conta que eles não conseguiram chegar no início, como haviam planejado, porque um grupo de policiais os deteve. "Fomos enquadrados, e por isso perdemos meia hora da manifestação."
Comento a ovação ao ônibus do CHOQUE, na Paulista, e Johnny diz sem raiva: "Lá eles fazem selfie com a polícia, aqui a gente é revistado."
De acordo com a PM, as duas manifestações se realizaram pacificamente. Na Paulista, os manifestantes respondiam raivosamente a motoristas enfurecidos, que gritavam "Fascistas!" e "Fora Bolsonaro!". Em Pinheiros, alguns jovens quiseram exibir sua valentia, mas não conseguiram atenção.
Diversidade exaltada
A princípio, os dois protestos ocorreriam na Paulista, mas como eram antagônicos, os organizadores do ato pela democracia acabaram concordando em migrar para Pinheiros, a fim de evitar conflitos. Ali, o público é majoritariamente jovem. A faixa etária estimada está entre 20 e 30 anos. Diferentemente da Paulista, onde o grupo é mais homogêneo, composto basicamente por pessoas brancas, de classe média, em Pinheiros a diversidade é orgulhosamente exaltada.
"Somos três movimentos muito unidos, aqui cabe todo mundo. Você vai ver preto, branco, LGBT, gente da periferia, de Pinheiros, do Centro, só fazemos restrição a antidemocratas", diz o professor Adilson Matos, 31.
Corpos, não pensatas
Segundo a advogada Aline Tibério, 33 anos, "o mérito da manifestação (de Pinheiros) é do movimento estudantil de 2015". "Isso que você está vendo aqui não surgiu do nada. É consequência da ação de estudantes de escolas públicas da periferia."
Para a advogada, a presença física de manifestantes é fundamental. "A pessoa escreve aquele textão nas redes sociais, acho lindo, mas o que a gente precisa é de corpos, não de pensatas. Não existe morte pior do que a do esquerdista de boteco."
Máscaras e quarentena
No ato da Paulista, muitos participantes não usam máscaras, o que parece coerente com as ideias do personagem que defendem. Bolsonaro chegou a rir da pandemia. Agora que ficou mais complicado ajustar o desprezo do presidente com o crescimento exponencial do número de vítimas, o Ministério da Saúde tem divulgado dados divergentes a respeito de novos casos e óbitos.
No Largo da Batata, a grande maioria usa máscara. Mesmo que não usasse, diz o assessor jurídico Henrique Novaes, 21 anos, ninguém estaria "furando a quarentena".
"Não existe quarentena para quem vive na periferia. As pessoas que trabalham naquilo que o próprio governador considera serviços essenciais, como supermercados, farmácias, padarias, moram longe, em bairros populosos, pegam ônibus cheios e atendem muita gente todo dia. São elas que fazem tudo funcionar."
Queima rosca!
Boa parte dos manifestantes da Paulista rejeita jornalistas e demonstra isso em um linguajar olaviano. Um manifestante que se identifica apenas como Carlos, e se arrepende de ter falado seu nome quando eu digo que trabalho para o UOL, passa a me perseguir como uma assombração. "Vagabundo, maconheiro, queima rosca!", repete ele. "Vai puxar um!"
Um casal na faixa dos 60 vocifera que não dá entrevistas para quem cria fake news. Não insisto, porque ambos estão sem máscara, e, em sua fúria verborreica, o marido lança perdigotos.
Como em um filme da "Sessão da Tarde" para adolescentes, em que o vilão da escola é denunciado e expulso, o casal passa a anunciar em voz alta a "presença de um repórter da mídia suja": "Gente, cuidado! Não dá entrevista pra ele não!"
Analfabeta burra!
De repente, no canteiro central da avenida, uma senhora de estimados 80 anos passa a gritar com outra, de uns 60: "Sua analfabeta, filha da puta! Burra!". Sem revelar nome nem idade, apenas a profissão, professora aposentada, a octogenária diz que a sexagenária empurrou um jovem que, de passagem, gritou "Fora Bozo!"
"Se ele é um menino mal educado, e empurra essa idiota de volta, vão dizer que ele bateu nela!", diz a professora, que tira a máscara várias vezes para xingar, e a recoloca, como se o vírus respeitasse sua indignação.
A "analfabeta burra", segundo relatos, é a enfermeira Lurdes Dudus, que no sexto parágrafo pede a flexibilização da quarentena para salões de beleza. Sobre o empurrão no jovem, Dudus argumenta: "Se ele era petista, o que estava fazendo aqui??"
Aquariano falso
Em uma aparente contradição, a senhora que xinga os bolsonaristas revela que votou em Bolsonaro. Porém: "Quando estourou aquela bomba do Coaf, eu vi que vinha muita sujeira. Eu fui criada na política, meu filho."
Ela diz que não votaria no candidato do PT, Fernando Haddad, porque ele é "falso". "O Haddad é aquariano, você nunca sabe o que ele está pensando."
Diversidade x Humor
Apesar da considerável diversidade na manifestação de Pinheiros, é preciso reconhecer que nada se compara ao humor dos personagens que participaram do miniato da Paulista.
Um dos poucos a falar com a reportagem, o administrador Marcos Menezes dá um conselho valioso: "Não entendo porque vocês, jornalistas, brigam tanto com Bolsonaro. Ele é tão fácil de levar. Se você publicar a verdade, ele vai até dar dinheiro para a sua revista."
Para justificar eventuais "falhas" de Bolsonaro, o administrador afirma que, sendo o Brasil um país muito grande, "não dá para tomar conta de tudo".
"Mas pode anotar aí: o dia em que pegarem o presidente fazendo coisa errada, acabou o tempo dele."
Bem informado
De calça e camiseta com estampa de camuflagem, Menezes acena para o ônibus do CHOQUE e diz: "O comando da polícia nos dá respaldo contra os terroristas da manifestação que se opõe ao governo. Não sei se você sabe, mas o Trump qualificou os manifestantes daqueles protestos nos Estados Unidos assim mesmo: terroristas."
Ele dá uma risada com o canto da boca e finaliza: "Viu como eu estou bem informado?"
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