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Plínio Fraga

Bolsonarista que duvida de mudança no clima teme por futuro de pecuaristas

Diretora do Departamento de Produção Sustentável e Irrigação, Mariane Crespolini colocou em xeque existência de mudanças climáticas - Reprodução/Facebook
Diretora do Departamento de Produção Sustentável e Irrigação, Mariane Crespolini colocou em xeque existência de mudanças climáticas Imagem: Reprodução/Facebook

Colunista do UOL

10/12/2019 04h00

A diretora de departamento do Ministério da Agricultura que colocou em dúvida as mudanças climáticas só é alarmista quando se trata do futuro dos pecuaristas e segue a cartilha dos fazendeiros americanos para tratar do aquecimento global.

Criadora de gado em Mato Grosso, Mariane Crespolini assumiu em abril passado como diretora do Departamento de Produção Sustentável e Irrigação do Ministério da Agricultura. Na primeira quinzena de maio, ao participar de um seminário sobre desenvolvimento sustentável, disse: "De cada dois pecuaristas, um vai desaparecer nos próximos dez anos". Argumentou que, se em um prazo de dez ou vinte anos a arroba do gado não bater valores recordes de preço, metade dos pecuaristas brasileiros não terá condição de ter sustentabilidade financeira em sua propriedade. Reclamou que a soja dava muito mais lucro que a carne.

O recorde de preço clamado por Crespolini começou a se materializar entre setembro e dezembro deste ano. O preço da carne atingiu seu maior nível nos últimos 30 anos, com aumento de 50% e perspectiva de que se mantenha em alta por pelo menos mais quatro meses. [Os economistas explicam que o preço alto reflete movimento dos produtores nacionais que trocaram o mercado interno pela exportação para a China, cuja produção própria foi dizimada por uma peste.]

Crespolini, formada em gestão ambiental, viveu em 2010 em Ohio, nos Estados Unidos, prestando serviços para The National Future Farmers of America (FFA), a organização lobista dos agricultores e pecuaristas americanos, um dos fortes cabos eleitorais do presidente Donald Trump nos cinturões agrícolas dos EUA.

Durante encontro com o presidente Jair Bolsonaro nesta segunda-feira, Crespolini disse: "E aí, presidente, mudanças climáticas existem? Acho que a gente está em uma discussão radinho de pilha. Tem muito pesquisador bom, de credibilidade, que mostra que não existe. Mas o barulho que a opinião pública e alguns jornalistas estão fazendo é quase um Rock in Rio."

Seu raciocínio segue a cartilha preparada pela FFA com orientações sobre como os fazendeiros americanos devem tratar o aquecimento global: "O mundo está cheio de tópicos controversos. De fato, às vezes a única coisa com que as pessoas podem concordar é que elas discordam. As mudanças climáticas se enquadram solidamente nesta categoria", informa a cartilha da FFA.

O momento alto do texto é a resposta à pergunta se a mudança climática é normal. "Sim e não. As mudanças climáticas são moldadas pelos seres humanos e pela natureza".

O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, órgão das Nações Unidas responsável por produzir informações científicas sobre o aquecimento global, afirma que há 90% de certeza que o aumento de temperatura na Terra está sendo causado pela ação do homem. Entre as principais atividades humanas que causam o aquecimento global _ e consequentemente as mudanças climáticas _, estão a queima de combustíveis fósseis (derivados do petróleo, carvão mineral e gás natural) para geração de energia, a agropecuária, as atividades industriais e de transportes, o descarte do lixo e o desmatamento. Todas estas atividades emitem grande quantidade de gases formadores do efeito estufa.

No mesmo dia em que a assessora de Bolsonaro lançava dúvidas sobre as mudanças climáticas, foi divulgada pesquisa realizada em 22 países, entre eles o Brasil, que mostrou que essa é a questão mais importante que o planeta enfrenta para 41% dos jovens entrevistados. Eles fazem parte da geração Z, aquela que tem entre 18 e 25 anos, e preocupam-se mais com o aquecimento global do que com a corrupção, que lidera o ranking dos temas nacionais mais importantes com 36% das menções.

A referência ao radinho de pilha _ um provecto senhor de 61 anos de idade _ é simbólica por mostrar quanto o governo Bolsonaro está dissociado dos temas que importam para os jovens e para o futuro.