O novo papa e os desafios de redenção do cristianismo
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A escolha do papa Leão 14, anunciado no dia 8 de maio, gerou expectativas em relação ao perfil de atuação do novo pontífice em torno da urgente continuidade de mudanças humanitárias na Igreja e no mundo, diante do recrudescimento do conservadorismo.
Durante a vigência de seu antecessor, papa Francisco, falecido em 21 de abril, acenos importantes, embora tímidos, foram dados. O noticiário destacou posicionamentos que confrontavam posturas fundamentalistas do catolicismo, como o acolhimento à comunidade LGBTQIAPN+, a defesa do meio ambiente e uma maior aproximação ao que o Concílio Vaticano 2º defendeu, na década de 1960, como "opção preferencial pelos pobres". Transformações importantes, como a possibilidade de ordenamento de mulheres no sacerdócio ou admissão do casamento religioso a homossexuais, seguem inacessíveis.
De todo modo, Francisco viajou ao Canadá e oficializou o pedido de perdão aos indígenas locais por abusos cometidos pela Igreja Católica contra seus antepassados. A solicitação feita em 2017 pelo primeiro-ministro Justin Trudeau ao papa, inicialmente rejeitada, foi aceita em abril de 2022.
Entre os anos 1880 e 1990, um genocídio foi imposto aos indígenas locais canadenses por meio das "escolas residenciais" - instituições administradas por diferentes igrejas cristãs, dentre elas a Católica. Durante o período, cerca de 150 mil crianças indígenas foram separadas de suas famílias e distribuídas nas tais escolas, sendo impedidas de manter seus costumes, estudar sua cultura originária ou falar em idiomas nativos. Muitas jamais retornaram às suas famílias e foram tidas como desaparecidas. Em 2021, uma vala comum com restos mortais de 215 delas foi encontrada, evidenciando o genocídio.
Ações de genocídio cultural similares foram perpetradas pela Igreja, no passado colonial brasileiro, e seguem em curso, atualizadas por algumas práticas neopentecostais.
Não por acaso, assistimos estupefatas a recente aprovação pela Câmara Municipal de Belo Horizonte, no dia 8 de abril, do Projeto de Lei 825/24 - o PL da Bíblia na Escola -, de autoria de uma vereadora que se autodenomina cristã, defendendo o uso da Bíblia como recurso paradidático nas escolas públicas e particulares.
Nas Américas abundam casos que demandam, no mínimo, o mea culpa do Vaticano. Dentre elas, as ações do Santo Ofício contra as existências e o sagrado da diversidade de povos africanos submetidos ao regime escravista, como ocorreu com as sacerdotisas da nação courá e outras, que viveram nas Minas, no século 18.
Além da repressão aos cultos africanos, os massacres de muitas comunidades indígenas, entre os séculos 18 e 19, com a expansão da colonização agrícola e minerária do atual território de Minas Gerais, foi acompanhado de aldeamentos e catequização forçada dos povos que se rebelavam e fugiam dos ataques letais do colonizador.
Por volta de 1875, no Vale do Jequitinhonha, por exemplo, o Agostinho Francisco de Mendonça Paraíso foi designado para a catequese dos indígenas - em grande medida pertencentes a grupos falantes de línguas do tronco Macro-Jê; envolvendo, posteriormente, no trabalho forçado em sua fazenda de cacau, às margens do rio Marambaia, no atual município de Caraí (MG).
A violência da colonização sustentada pelo esforço de aniquilamento das culturas milenares desses povos resultou na dificuldade de autoidentificação das gerações subsequentes com o pertencimento indígena, a despeito dos traços culturais que constituem os modos de vida locais, ainda hoje, manifestos em práticas como a arte da cerâmica, a benzeção e as festas religiosas, fortemente entrelaçadas a elementos afrodiaspóricos.
Violência que segue perpetuada na atualidade do racismo contra comunidades como a dos xakriabás, ameaçadas em diversos municípios pela discriminação, insegurança alimentar, ausência de atendimento médico e por assassinatos, em face de interesses econômicos sobre seus territórios.
Em nome de Cristo
Os tempos são outros, a despeito da lentidão com que vão se processando, no tempo cíclico da história e no rastro da continuidade das violências, as mudanças necessárias. De todo modo, e mesmo com a quebra da hegemonia do Catolicismo no mundo, a repercussão do evento da sucessão de líderes do Vaticano demonstra a força política que ainda detém a Igreja no mundo secular.
Resta saber a serviço de quê, e de quem, ela seguirá exercendo esse poder. O agostiniano Leão 14, próximo a Francisco e ao peruano Gustavo Gutiérrez - um dos criadores da Teologia da Libertação -, tem a oportunidade de radicalizar o reconhecimento de erros e a correção de caminhos em favor de uma justiça alinhada ao exemplo daquele que é sua alegada razão de ser.
Afinal Jesus, o judeu nascido no que é hoje a Palestina, e que praticava o amor indistinto aos mais necessitados, segue sendo crucificado por algozes que se dizem seus seguidores.
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