Raul Juste Lores

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Opinião

Sauna paulistana implora por injeção de árvores em todas as calçadas

Menos de 12% das ruas de São Paulo são arborizadas, algo tristemente detectado por qualquer um que saia da rica zona oeste. Em Curitiba, 75% das ruas têm arborização. São Paulo, com 11,9 milhões de habitantes, tem 650 mil árvores urbanas. Curitiba, com 1,7 milhão de almas, tem 400 mil.

O plantio é mais lento que um paulistano a 40 graus sem sombra. Em 2024, foram plantadas 46 mil mudas, segundo a Divisão de Arborização Urbana — o maior número em dez anos. A média tem sido 20 mil.

Singapura, com metade do território paulistano, plantou 100 mil por ano desde 2020. Quando Doria se vestiu de gari, em 2017, foram 19 mil. No último ano de Haddad, foram menos de 13 mil. No primeiro ano de Nunes, em 2022, foram 20 mil. Mas falo de Singapura mais adiante.

O ano de 2026 certamente será mais quente que 2025. São Paulo descuida do cinturão verde ao norte (pobre Serra da Cantareira) e ao sul, na área dos Mananciais, onde o crime organizado atua. A elite vilamadalener não frequenta esses lugares, então não há mobilização.

Mas é perto de onde o grosso da população paulistana mora, na esquina de cada um, que o verde raramente dá as caras. Especialmente no centro, na zona leste e na zona sul. Mesmo onde existem calçadas largas, da Rebouças à Celso Garcia, da Consolação às Marginais, árvores têm a modéstia da tundra polar.

Até em dias sob 36 graus Celsius de sofrimento, não se vê a menor cobrança. O sonífero site da Secretaria Municipal do Verde quase esconde as campanhas desidratadas de plantio na capital.

A antiga secretaria estadual do Verde e do Meio Ambiente virou Secretária do Verde, da Infraestrutura e da Logística, sob Tarcísio. Alguma dúvida que a secretária Natalia Resende gaste mais tempo com concessões de rodovias e ferrovias do que em programas de despoluição dos rios e de criação de parques?

Nunca ouviu falar dela? E quem é o secretário municipal do Verde? Se tampouco sabe o nome, parte da responsabilidade é sua.

No nível federal, nem precisamos criticar o presidente anti-Ibama e pró-petróleo na Amazônia que se diz progressista. É preciso vasculhar 500 discursos de Marina Silva para achar uma ou duas citações ao meio ambiente urbano.

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Cidades abrigam 86% dos brasileiros. Para a ministra e muitos e muitos ambientalistas, meio ambiente se resume a selva, floresta. É como europeus veem o meio ambiente no Brasil: muita Amazônia, zero rio Tietê. Reciclagem de lixo, cidades compactas, limpeza de rios e arborização são tão presentes quanto o litoral da Guiana Francesa no imaginário ecologista.

Políticos, ministros, empresários e nepobabies em geral só conhecem o ar-condicionado na paisagem urbana brasileira. Raramente caminham. Não sentem a falta da sombra das árvores no seu dia a dia. Assaltos em vias congestionadas para quem vive dentro do carro, emitindo CO2 sem parar, merecem cem vezes mais atenção.

Sauna verde

Em Singapura, a temperatura média anual é de 28 graus Celsius. É fácil chegar a 31 graus em pleno inverno na ilha-Estado equatorial. A umidade ultrapassa facilmente os 80%. É uma espécie de Cuiabá com umidade de Manaus. Mas os asiáticos não lamentaram a injustiça da Natureza. Plantar árvores é política de Estado há seis décadas.

Em 1971, quando Singapura ainda era um favelão, recém-independente da Malásia, o primeiro-ministro Lee Kuan Yew começou a celebrar o "dia nacional de plantar árvores". Todo primeiro domingo de novembro, com muita adesão, artistas e esportistas convidados, festas e marketing. Nem era ainda consciência ecológica.

Lee dizia invejar Paris, achava que Singapura ficaria mais bonita e agradável com verde. Tanto que os primeiros cinturões verdes foram plantados do aeroporto de Changi até o centro da cidade. Era um verde cartão de visitas, meio que o oposto da bucólica recepção para quem sai de Cumbica via Marginal Tietê.

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Mas o comprometimento é sério no pequeno país asiático. Em 1967, foram criados os enormes viveiros de onde saem as árvores crescidas para as ruas de Singapura. Não colocam mudinhas nas calçadas prontas a serem pisoteadas como é comum em São Paulo. Elas só saem depois de dois anos nos viveiros, que ocupam o equivalente a 20 campos de futebol. Tal técnica é usada em cidades mais secas ou altas, como na Cidade do México.

A partir de 1980, as superquadras da Cohab local, o HDB, tiveram que ser mais e mais arborizadas por lei. Hoje em dia, hospitais, escolas, prédios de escritórios e residenciais precisam alcançar uma cota de verde mínima em terraços, cobertura, jardins verticais e praças anexas aos empreendimentos. Vários prefeitos pelo mundo têm copiado as campanhas de Lee. De Paris a Dhaka, de Atenas a Freetown, na Serra Leoa, prefeitos têm descoberto a importância de mobilizar a sociedade.

No desânimo paulistano de sempre, campanhas publicitárias espalham faixas no Centro para falar que a avenida Santo Amaro está pronta. Ou comemorando mais asfalto pelas ruas. É o dinheiro do marketing do retrovisor. Que fala do que já foi feito, com números a esmo, sem olhar para o que precisa ser feito à frente.

Cidades realmente inteligentes estão ficando mais verdes. Nova York transformou os piers de seu antigo porto em parques lineares. A Cidade do México transformou a outrora árida avenida Chapultepec em um bulevar. Buenos Aires ampliou a reserva ecológica no árido Puerto Madero. Seul transformou seu maior lixão em parque, além de recuperar as margens do rio Han. Madrid enterrou as marginais e fez do rio Manzanares um parque linear.

Singapura tem 4 milhões de árvores urbanas (seis vezes mais do que São Paulo) e não tem problemas com a queda. As árvores são substituídas antes de cair, as mais velhas recebem atenção especial e todas têm sua saúde monitorada por técnicos em campo, inteligência artificial e uso de drones para detectar patologia nas copas.

Existe o fundo "Cidade Jardim", que recebe doações de grandes empresas e cidadãos para aumentar em um milhão o número de árvores de Singapura até 2030. Somando parques e vias públicas, chegarão em 2028 a 8 milhões de árvores para um território de 734 km² e 6 milhões de habitantes. São Paulo tem quase 12 milhões em 1500 km². Mas apenas 650 mil árvores urbanas.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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