Trump e a caça às universidades: o povão contra a bolha esnobe
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Trump escolheu um adversário fácil: cortar verbas e ameaçar as universidades de maior prestígio nos EUA. Análises preguiçosas resumem as chantagens do presidente populista à sua "guerra contra o saber" ou à "perseguição cultural antiwoke".
Mesmo com todo o ressentimento de Trump com as elites e sua preferência por Big Mac do que por boa cozinha, a educação superior americana se tornou nos últimos 20 anos uma bolha bastante esnobe.
Nem precisa do Mano Brown para constatar isso. Como qualquer vendeta populista, à direita ou à esquerda, os esnobes, sejam Faria Limers, sejam atores globais, são alvo vulnerável. Trump sabe que seus eleitores, e até muitos democratas, pegaram birra da elite universitária.
Cerca de US$ 250 bilhões saem por ano do orçamento federal americano para a educação superior. Ou 80 vezes mais que todo o orçamento de USP, Unicamp e Unesp juntas. Sem contar as inúmeras doações de ex-alunos, o dinheiro privado, o valor caro das anuidades e o esforço para atrair receitas de fora, o que dá para imaginar a conta bancária das principais instituições. A injeção federal representa apenas 15% do total, em média.
Ao contrário das nossas universidades monoglotas (corpos discente e docente), as americanas atraem estudantes do mundo inteiro, pagando anuidade integral. Lá, até as públicas cobram mensalidades —só pessoas de baixíssima renda ou alta performance ganham bolsa.
Nos EUA, 40% da população com mais de 25 anos de idade tem diploma universitário (contra 18% no Brasil). Cerca de 60% chegam à universidade (no Brasil, 27%). Mas o topo do ranking das melhores universidades americanas é cada vez mais inatingível para quem já não pertence ao 1% mais rico do país mais rico do mundo. Entre 2006 e 2018, a taxa de admissão entre candidatos a uma vaga entre as 50 melhores universidades americanas foi reduzida em 36%.
Nepobabies e meritocracia
Com tanto dinheiro, era de se esperar que as universidades fizessem um esforço de inclusão, aumentando o número de turmas e a capacidade das salas. Facilitar a entrada da classe média ou de quem não tem notas espetaculares no ensino médio de lá.
Nada disso. O valor da anuidade cresce muito acima da inflação, o número de candidatos selecionados só encolhe, enquanto o número de candidatos por vaga, vindos do mundo inteiro, só cresce.
Segundo pesquisa da US News and World Report, responsável por um famoso ranking das universidades, nos últimos 20 anos a anuidade cobrada pelas universidades aumentou 41% em média acima da inflação (ou 126% em valores absolutos). Até nas universidades públicas, a anuidade aumentou 32% acima da inflação.
A universidade estadual da Califórnia em Los Angeles, UCLA, cobra em média uma anuidade de US$ 68 mil para alunos que não sejam da própria Califórnia. Mesmo para quem é local e paga os impostos que a financiam, a anuidade é de US$ 13.500. Contando os gastos de dormitório no campus e livros, o valor salta para US$ 38 mil. Em 1990, era de US$ 1.780 (ou US$ 4.450 hoje). Um terço do que uma universidade pública no estado mais à esquerda do país cobra agora.
Em Harvard, Princeton ou Yale, bastiões do pensamento à esquerda do Partido Democrata, a inflação foi pior. Progressismo na retórica, bolha privilegiada e ultracapitalista na prática.
De ser o elevador mais rápido para a mobilidade social nos EUA, a universidade americana foi se metamorfoseando em uma escada com degraus estreitos. Para uma minoria.
É muito mais confortável, dentro do pensamento acrítico de quem vive falando de pensamento crítico, culpar o patriarcado, o neoliberalismo, o colonialismo, o fascismo, do que tentar descobrir como e quando a universidade progressista se distanciou tanto da sociedade (que paga, veja só, parte do orçamento dela).
Até porque muitos dos maiores defensores da universidade e antagonistas de Trump são eles próprios nepobabies, que só andam com outros nepobabies e que ironicamente atacam a palavra "meritocracia" há anos. Não são os melhores cabos eleitorais da causa. Nem experts em autocrítica.
O popular economista Scott Galloway, mestre em economia pela Universidade da Califórnia de Berkeley e professor da NYU (New York University), eleitor democrata, já comparou as universidades americanas a marcas de luxo, como Louis Vuitton e Chanel. Fazendo de tudo para serem mais inacessíveis ao grande público, e mais desejadas.
Em Harvard apenas 5% dos candidatos são aceitos. Em Stanford, 4%. Quase a porcentagem dos americanos que podem comprar algo na Gucci. Como os condomínios cafonas que abundam no Brasil, autointitulados "exclusivos".

Progressismo woke
Para aumentar a bronca popular de quem fica de fora do clube do 1%, abunda nas universidades americanas tudo aquilo que irrita profundamente quem está mais preocupado com o preço da banana, do café e do ovo. Dentro do campus, o que causa mais indignação é não acertar o pronome correto de um aluno não binário ou pressões para expulsar colegas judeus de sala de aula, únicos acusados pela violência em Gaza. Ou cancelar convites a palestrantes que podem proferir palavras ou expressões ofensivas a mentes muito fragilizadas.
Assim como muito americano votou em um desclassificado como Trump por achar que ele "entende" mais da cabeça do trabalhador que o californiano ou nova-iorquino elitista, não são poucos os americanos que acham que o dinheiro público é mal gasto com mordomias universitárias.
Esse embate entre populismo oportunista e esnobismo inclusivo-só-na-retórica vai atrasar o conhecimento em alguns anos. As maiores universidades dos Estados Unidos foram criadas por cidadãos, muito antes de governo nacional e até o país existirem. Ao contrário do Brasil, onde até os mais ricos esperam que o Estado faça tudo, lá a iniciativa da educação superior partiu da sociedade (no Brasil, universidades só surgiram no século 20, já na República, depois da longa soneca monárquica com a educação).
A aliança entre governo federal americano e universidade cresceu muito durante a Segunda Guerra Mundial. Por meio de investimentos muito específicos —prêmios para formação de tradutores de idiomas antes ignorados, tecnologia de radares, sensores, para o desenvolvimento de materiais para botas e uniformes resistentes, comprimidos e um longo etc.
Têm finalidade de pesquisa, que beneficiam a universidade, o governo americano e a sociedade como um todo. O hipócrita Elon Musk já se aproveitou bastante desse dinheiro público em pesquisa e desenvolvimento para seus negócios. O risco agora é o bebê e a banheira serem jogados no Golfo do México.
Trump 2, o vingador, é bastante pior que Trump 1. Ele era bastante mais oportunista que sua versão brasileira mal-acabada. Tanto Jair Bolsonaro quanto Trump menosprezaram vacinas e o vírus da covid. Mas o americano autorizou o investimento de bilhões na corrida para se criar uma vacina. Ele mesmo se formou em 1968, em Wharton, a faculdade de Economia da prestigiada UPenn, a Universidade da Pennsylvania. Sua vingança está apagando os melhores cálculos e freios de seu primeiro mandato.
Pior: já ficou claro que as universidades vão capitular à chantagem e deportar suas políticas de inclusão, contra racismo, transfobia ou machismo para a Groenlândia, ou lugar mais longe. Assim como o mundo corporativo já está matando o ESG. Esperava-se mais da academia.
Há um outro efeito colateral terrível dessas picuinhas. Como a esquerda-teen brasileira, da qual fazem parte professores e universitários em partes iguais, adora pagar de antiamericana, mas copia sem tropicalizar cada slogan, pauta ou sandice que venha dos EUA, todas essas tendências esnobes-engajadas já chegaram por aqui. Não será surpresa uma reação, ou caça, parecida.