Raul Juste Lores

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Opinião

Os 10 grandes vencedores do Trump Game Show na Casa Branca

1. Maria da Conceição Tavares e seus discípulos desenvolvimentistas

Depois de décadas defendendo economias fechadas, tarifas de importação e a indústria nacional, finalmente o barulhento setor de economistas admirado apenas em centros acadêmicos e por jornalistas consegue algum reconhecimento. O presidente do país mais poderoso do mundo seguiu seus conselhos. Como ele recuou rapidamente e não deve colocar isso em prática, Maria da Conceição e seus herdeiros não passarão por mais um vexame planetário. Ninguém conhece um país que tenha crescido sendo fechado nos últimos cem anos, e os EUA dificilmente serão a cobaia.

A economista que apoiou o congelamento de preços do Plano Cruzado, que jurou que o Plano Real não funcionaria e que chamou o Bolsa Família de "neoliberal", precisa ter alguma vitória, mesmo que efêmera —nem que seja in memoriam.

2. Faria Limers do Twitter e bolsonaristas que juram saber usar talheres

Também conhecidos como vendedores de carros usados do mercado financeiro, urram que Trump tem uma enorme estratégia geopolítica na manga. Identificam-se com a masculinidade caricata do presidente de topete e bronzeamento artificial pronunciados.

"Ele vai destruir a China", exultam os com menos milhagem, que nunca passaram mais de uma semana em Pequim. Ao punir com altas tarifas países como Vietnã, Camboja, Tailândia, Sri Lanka e Indonésia, Trump reforça o campo de influência dos chineses.

Até anteontem, países asiáticos tinham mais confiança nos EUA do que no gigante comunista. Vários governos americanos tentaram isolar a China. Mas o pouco lido Trump não pensou nessa estratégia ao tentar taxar em mais de 40% o Vietnã. Como as tarifas não devem acontecer, os tuiteiros de colete acolchoado irão dizer que só a ameaça deu grandes resultados. Parecem ignorar que confiança e credibilidade levam décadas para se forjar, mas podem ser destruídas em um soluço.

3. Brasil

A extrema direita brasileira está defendendo a política industrial e o protecionismo americanos, enquanto a esquerda brasileira agora quer "livre comércio". Depois de anos de modorra intelectual, pelo menos as birutas do pensamento nacional mudaram de posição. Chega de rotina. Esperam-se comitivas de acadêmicos e economistas americanos para visitar o Rio de Janeiro e Salvador (claro). Vão pesquisar os efeitos de uma economia fechada e com tarifas altíssimas e permanentes contra importados, para defender hipotéticos concorrentes. Talvez os americanos aprendam que economia fechada não necessariamente gera industrialização ou reindustrialização.

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"Como será pagar pelo iPhone mais caro do mundo? Será que dificultam tanto os importados para que a Gradiente possa crescer?", vão questionar na Fiesp. Também estranharão a ausência de lojas da Apple, Ikea, Uniqlo, Muji, Tesco e Best Buy por aqui.

4. China e BYD

Com a economia desacelerando, milhares de milionários se mudando de vez para Singapura, Europa ou EUA graças ao fechamento do regime, Xi Jinping precisava mesmo de um inimigo externo espalhafatoso para unificar seus camaradas. Como Putin faz, Xi vai poder culpar a desaceleração doméstica no inimigo americano.

Como até o menos viajado dos consumidores precisa de confiança em marcas e países na hora de comprar um bem durável, a BYD pode agradecer à Tesla a confusão entre seu proprietário e o governo americano. Muita gente não vai querer depender de manutenção e autopeças de um fornecedor que possa dar WO sem aviso prévio.

Até mesmo as dezenas de vezes que a China desrespeitou regras de comércio e propriedade intelectual alheias (vide a maneira como a Embraer foi enganada pelos sócios em Harbin, no norte da China) vão ficar em segundo plano quando os EUA não sabem respeitar seus maiores aliados, do Canadá ao México.

6. Diplomacia

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Para cada vez que a força bruta se impõe —seja para brecar Hitler ou expulsar Saddam do Kuwait— há outras cem oportunidades para fazer diplomacia. Negociar, combinar estratégias com aliados, discutir com adversários (e até aprender a se colocar no lugar deles). Trump ficou falando sozinho e, ao contrário do que a seita anda dizendo, não há dezenas de países querendo "livre comércio" com os EUA. Desde os anos 1980, quando atacava o Japão, Trump tem obsessão por tarifas.

A estratégia do "cachorro louco", de botar medo até em aliados para obrigá-los a negociar, pode até funcionar em um primeiro momento, mas cria alianças de céticos por todos os lados, que não confiarão na Casa Branca tão cedo.

Até os esquimós da Groenlândia, que sonhavam com independência, vão se sentir mais seguros agora sob a proteção da Dinamarca (e da União Europeia). Povos originários e meio ambiente não combinam com a retórica trumpista.

Com o discurso caótico e ameaçador de Trump, até pode ser que Alemanha e Japão, pacificados à força nos últimos 80 anos, passem a gastar mais na área da defesa, e a gastar mais em geral. Os EUA até podem economizar algo no policiamento do planeta. Mas não vai conseguir novos clientes para seu armamento se for considerado um parceiro pouco confiável.

7. Mercado de ações no Brasil

Quando os minoritários da Petrobras reclamavam da lambança da estatal em Pasadena e afins, por razões petistas-éticas, muitos "intelectuais" brasileiros diziam que os mercados mereciam uma banana, que a Petrobras não precisava dar explicações, que era soberana. Não entenderam até hoje que, quando uma empresa não quer ou não pode tomar pesados empréstimos para investir, vende parte de sua propriedade em ações para se capitalizar. Quando seu gerente decide botar parte da sua poupança em fundos imobiliários, em ações da Petrobras ou em uma empresa de varejo, você também vira acionista e quer acreditar no futuro da companhia e em sua boa governança.

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60% dos americanos têm parte da sua poupança em ações. As brincadeiras de Trump empobreceram muito esse contingente, que vai de professores a aposentados do Kentucky. Quando o Brasil for menos pobre, saberemos bem o preço da imprevisibilidade.

8 e 9. Warren Buffett e Michael Bloomberg

Ao contrário de Elon Musk, Jeff Bezos e 9 entre 10 bilionários americanos que bajularam e até fizeram doações para a festa da posse de Trump, esses dois não têm a coluna vertebral tão flexível. Não curtem a genuflexão. Buffett já havia vendido boa parte de suas ações antes da posse de Donald. Bloomberg já disse que vai patrocinar diversos candidatos contrários a Trump em eleições estaduais. Muita gente vai procurá-lo para se somar ao esforço.

10. Direitos humanos e democracia

Grandes empresários americanos estavam hibernando diante da prisão de imigrantes sem processo, da perseguição a militares trans —que dão o sangue pelo país no Pentágono—, da chantagem às universidades onde eles próprios se formaram e da revogação de credenciais para a imprensa crítica (ou seja, quem faz jornalismo) na Casa Branca. Mas Trump deu um passo em falso e empobreceu essa turma. Prejudicou diversas empresas que dependem de ingredientes que vêm de fora ou de mercados consumidores além-mar.

Mesmo que volte atrás, vá para o lado e dê mais uma pirueta, o empresariado do país perdeu bilhões com o game show. Ideologia é diversão só dos pobres. Os ricos já perceberam que não podem confiar no ex-presidente do mercado livre. Talvez passem a se preocupar com democracia.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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