Governo tem relação abusiva com arquitetos, mas militância é domesticada

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Imagine se Jair Bolsonaro ignorasse o resultado de um concurso de arquitetura para o pavilhão do Brasil na Feira Universal de Osaka e escolhesse um projeto simplesinho, sem dar explicações a ninguém? Seria chamado, é claro, de inimigo da cultura e da arquitetura (o que, é bom frisar, sempre foi).
Mas o desplante aconteceu no governo Lula. A Agência de Promoção de Exportações (Apex), do ex-governador do Acre Jorge Viana, ignorou o vencedor do concurso, o escritório MK27, do premiado arquiteto Marcio Kogan, em parceria com o curador Marcello Dantas. Rebaixaram a representação nacional para se instalar num caixotinho bem insípido. Um puxadinho emprestado pelo governo japonês.

As reações negativas têm sido sussurradas. Nenhum grande protesto, nenhuma mobilização nas redes ou pedido de explicações. Se fosse Bolsonaro, ou mesmo um tucano como Eduardo Leite, ou Geraldo Alckmin em sua vida passada, já estariam sendo chamados de fascistas. Mas, infelizmente, alguns arquitetos tiktokers, com microfone desproporcional a seu portfólio, sempre colocam a política partidária por cima da arquitetura. E se calam para não melindrar o partido do coração.

Feiras universais competem pela atenção de milhões de turistas, de chefes de Estado a megaempresários, de investidores a artistas de todo o mundo. É um desfile. O pavilhão precisa sapatear e sambar para se destacar entre 80 pavilhões nacionais. Não só por fora. Seu conteúdo precisa surpreender, e a circulação e cenografia têm de encantar. Uma fila na entrada ajuda. Para chamar atenção, alguns países sacrificam até o nacionalismo. Portugal e Qatar recorreram ao japonês Kengo Kuma para fazer seus incríveis pavilhões.
Outros países, mais espertos, da Espanha ao Japão, do Chile à China, recorrem a seus melhores arquitetos. A arquitetura ajuda na balança comercial quando grandes escritórios começam a trabalhar no exterior. Significa exportação de serviços. Quando um escritório americano de segundo time projeta os espelhados inodoros da Faria Lima, os EUA ganham muitos dólares com isso. Trump e os desenvolvimentistas brasileiros acham que bons negócios se resumem a chaminés.

A arquitetura tem sido rifada por governos petistas há décadas. Com exceção da rara voz do arquiteto João Filgueiras de Lima, o Lelé, a inexistência de preocupação com arquitetura ou urbanismo no Minha Casa Minha Vida só produziu cochichos de lamento. Quando Dilma entregava conjuntos habitacionais, e só reclamava da falta de porcelanato, ninguém ironizava a ignorância da mandatária. Há uns 50 pecados maiores nesses conjuntos habitacionais que eram despercebidos pela suposta gerentona.

A farra dos estádios de Copa e Olimpíada, com predomínio de escritórios alemães de arquitetura, também não encontrou oposição. Quando estádios históricos como Maracanã, Mineirão e Mané Garrincha foram ao chão, idem. O medíocre legado urbanístico daqueles eventos bilionários tampouco.
Nenhum arquiteto ou urbanista ocupou o cargo de ministro das Cidades desde 2003. Nos últimos vinte anos, quase sempre a pasta foi entregue pro centrão. Só houve escândalo quando Bolsonaro extinguiu esse ministério, um dos balcões favoritos das empreiteiras de conjuntos populares. Quando Bolsonaro xingava o Iphan, causava revolta. Quando Lula disse ter "bronca de tombamento" e perguntou "Pra que serve o Iphan?", apenas rolaram algumas lágrimas, em silêncio. Isso se chama relação abusiva. Calam-se, sem se defender.
Rui Costa, o todo-poderoso ministro de Lula, fez um hospital com cara de castelo da Disney na cidade de sua mulher porque assim a primeira-dama sugeriu. A ironia de um governo de esquerda que se inspira na Cinderela de um parque de Orlando não pode passar barato. O Brasil não teria cultura infantil autóctone, sem castelos? Um governador direitista de Santa Catarina faria o mesmo, não duvido, mas seria ridicularizado imediatamente. Em quase vinte anos, nenhum governo petista baiano produziu um simples conjunto habitacional com boa arquitetura. Ninguém liga.

Brasil já foi vanguarda
Militantes que sempre acatam ordens, de adesão automática, perdem qualquer poder de barganha. Certamente, na Belém da COP, aquela com árvores artificiais sendo instaladas. Na terra do irmão do ministro das Cidades de Lula. Não temos paisagistas? Ou faltam árvores na Amazônia?
O Brasil já foi destaque em feiras universais, de Nova Iorque, em 1939, com a chegada de Niemeyer e Lucio Costa ao cenário internacional, a Osaka, com Paulo Mendes da Rocha, em 1970. Este último foi feito após um concurso durante a ditadura militar, revelado em 17 de abril de 1969, em pleno AI-5.
Agora, o concurso para Osaka 2025 exigia parceria com um escritório japonês, o que limitou a participação de escritórios mais jovens, mais modestos ou com arquitetos que não se comuniquem em inglês. Só os grandes participaram. O segundo lugar foi de Thiago Bernardes, que tem um enorme escritório.
Nos corredores da Apex, diz-se que o projeto de Kogan e Dantas era "caro". Para um governo petista achar algo caro e não querer gastar, é porque o pavilhão deveria ser considerado irrelevante pela agência de promoção. Bom lembrar que Lula pessoalmente escolheu a sem estrutura Belém para sediar a COP da ONU, e Cuiabá, Manaus e Natal para ganharem monumentais estádios para a Copa. Escolheu as cidades onde esbanjaria recursos para deixar legados magros. Austeridade econômica para prevenir inflação nunca esteve no léxico do petista.
Os novamente falidos Correios continuam patrocinando turnês de músicos alinhados com o regime. A Itaipu bancou o chamado Janja-palloozza no já esquecido G20 no Rio. Não havia nenhuma estatal amiga, bem aparelhada, que pudesse dar uma ajudinha pro pavilhão de Osaka?
Se Jorge Viana fosse fluente em inglês (não é, e assumiu o cargo de presidente da Apex depois de mudarem o estatuto da agência para poder ser aceito), poderia acompanhar a cobertura de diversas publicações americanas, europeias e asiáticas, enumerando os pavilhões obrigatórios para os milhões de visitantes. Nenhuma cita o Brasil.
Concursos e Ásia

Concursos de arquitetura são pouco levados a sério no país. Dois terços dos vencedores jamais saem do papel. Júris que preferem panelinhas e colegas do seu próprio estado, da sua cidade ou até da mesma faculdade são comuns. Editais pouco específicos ou projetos que não obedecem às regras, idem.
Os institutos de arquitetura que organizam tais concursos cobram caro, o que impede prefeituras menores de promover tais competições. O IAB organizou o concurso agora engavetado, mas difícil encontrar alguma cobrança oficial. O informativo da entidade se chama "Voz Ativa". Mas todo mundo fica rouco de vez em quando. Será que vão continuar calados com a desfeita?
A classe política brasileira, talvez, só valorize a arquitetura em sua casa de fim de semana ou na decoração de seu apartamento. No governo, a direita costuma se emocionar com arranha-céus de Dubai e condomínios fechados horizontais, inspirados em Orlando. A esquerda fala, fala, fala, mas não consegue desagradar às empreiteiras do peito. O resultado está à mostra em qualquer cidade brasileira.
Graças ao protecionismo antiglobalização de Trump, pauta sempre defendida no Brasil pelos discípulos de Maria da Conceição Tavares, a Ásia está debatendo seriamente reforçar seu livre comércio. Mesmo com todas as desconfianças e rivalidades, Japão, China e Coreia começaram a discutir na semana passada um possível acordo entre as três potências industriais do Extremo Oriente.
A representação apagada do Brasil em Osaka 2025 demonstra que, além de continuarmos sem investir na Ásia, não entendemos arquitetura como investimento. E, sim, como gasto. Pena que os militantes pareçam não julgar isso relevante.
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