Raul Juste Lores

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Opinião

Vulgaridade maior de BC, Senna Tower merece deboche superlativo

Nem Alain Prost aprovaria algo tão fuleiro quanto a Senna Tower. A parceria entre a Havan, a incorporadora FG e a família Senna consegue ser pior que a sofrível média de Balneário Camboriú.

Promovido como o "residencial mais alto do mundo", terá 157 andares e mais de 200 unidades entre 400 e 900 m². Cada apartamento terá piscina no terraço e estacionamento para carro NA SALA.

Como nenhum morador terá biblioteca ou estantes com livros, a estrutura não precisará ser reforçada.

O material promocional jura que a torre foi projetada por uma sobrinha de Ayrton Senna, sem experiência em arquitetura. Ou seja, o Brasil e BC serão cobaias da jovem inexperiente.

O stand de 30 milhões de reais apenas mostra um espectro gasoso. Os 150 andares mais altos parecem ser espelhados na maquete, sem maior detalhamento. Com muito LED. Quem vai morar em uma árvore de Natal?

Onde ficarão as janelas? Ou você não conseguirá ver a cor autêntica do mar mesmo da sala?

A arquitetura é o tempero secreto que impressiona visitantes e investidores em qualquer cidade do mundo, de Nova York a Tóquio.

Mas a elite de BC ainda está no ketchup na pizza. Prova são as lojas da Havan, com seu Partenon de papelão e as estátuas da Liberdade de patriotismo alheio.

Mau negócio

Warren Buffett fez fortuna ao ser o gênio da alocação de recursos. Olhava décadas à frente. O que ele acharia desse pirulão arquitetônico que só deve ficar pronto depois de 2031? E o que ele pensaria do futuro de BC?

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A Senna Tower deve consumir 464 mil litros de água por dia. Segundo projeto protocolado na Prefeitura de BC, a torre vai produzir 2,5 toneladas de lixo diariamente. Como BC recicla 5% de seu lixo, boa sorte aos vizinhos.

O estacionamento terá mil vagas (ou mais de 4 carros por apartamento), sem contar a garagem do restaurante previsto no térreo. Se não fizerem um Minhocão na Atlântica de BC, a Tower vai transformar a praia em uma sucursal da Rebouças.

O "projeto" do prédio é requentado. Foi protocolado na Prefeitura de BC em 2021. Chamava-se então Triumph Tower. A cafonice já tinha começado antes de qualquer escavação.

A nova embalagem do prédio inclui apenas uma "experiência imersiva", tipo exposição de shopping, com memorabília do piloto. Até devem convidar algum decorador de São Paulo para emprestar um pedigree e espalhar algumas almofadas douradas no hall.

Mas a clientela se educa mais rápido que o mercado imobiliário. E deixa incorporadoras que só olham pra trás com muito imóvel encalhado.

Até 2031, alguns desses compradores ricos terão viajado pelo mundo, de jogadores de futebol e cantores sertanejos às bombonzinhos se bronzeando. Mesmo Miami já possui residenciais de John Pawson, Kengo Kuma e Herzog & De Meuron.

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Warren Buffett dificilmente entraria nessa.

Mas alguns corretores e influencers que têm o mesmo conhecimento de arquitetura que eu tenho de badminton, vão dizer que é um "luxo". Voltando a uma máxima de Buffett: "Jamais pergunte a um barbeiro se já é hora de cortar o cabelo. A opinião dele não é desinteressada".

Temos que protestar e debochar agora. A chance de João Pessoa, Goiânia, Sinop, Fortaleza e São Paulo quererem imitar BC é maior que o Empire State. Maus exemplos precisam ser atacados no nascedouro.

Arquitetura de fachada

A Senna Tower mostra que jamais desperdiçamos as oportunidades de deixar nossas cidades mais jecas.

Perguntei no meu Instagram quem seria o misterioso arquiteto da torre, invisível no material de divulgação. Recebi a resposta da engenheira Stephane Domeneghini, que se apresentou como a "responsável técnica". Voltei a lhe perguntar: quem projetou?

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Muito educada comigo, mas sem esconder seu desprezo pela palavra "arquitetura", disse que o projeto "foi elaborado por mim e com conceitos vindos da família Senna". E me questionou: "Precisa ser arquiteto famoso? Precisa ser arquiteto pra significar algo de valor?". Posto aqui algumas das barbaridades construídas pela FG. Só iletrados em arquitetura podem ver alguma qualidade no copia e cola de espelhados à beira-mar.

Família Senna achou que estes prédios combinam com a marca do piloto
Família Senna achou que estes prédios combinam com a marca do piloto Imagem: Divulgação

Domeneghini prosseguiu: "É uma torre de 500 metros de altura, então o estrutural é mandatório. Houve contribuição de estudos de fachadas de vários arquitetos, pensando na representação da jornada do herói".

Até Homero sentiu uma pontada na alma com essa explicação.

Em um vídeo no Instagram, ela declara que foram "quatro anos de design" do prédio.

Em contraste, o marketing da empresa usa o termo "arquitetura moderna" em cada postagem. Não seria caso de Procon?

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Senna Tower em Balneário Camboriú
Senna Tower em Balneário Camboriú Imagem: Divulgação
Maquete do Senna Tower, em Balneário Camboriú (SC)
Maquete do Senna Tower, em Balneário Camboriú (SC) Imagem: Hygino Vasconcellos
Maquete da Senna Tower, em Balneário Camboriú (SC)
Maquete da Senna Tower, em Balneário Camboriú (SC) Imagem: Divulgação
Moradores dos primeiros andares do Senna Tower vão ter elevador privativo para carros
Moradores dos primeiros andares do Senna Tower vão ter elevador privativo para carros Imagem: Divulgação/FG

A ausência de conhecimento sobre arquitetura da engenheira, dos seus chefes, dos investidores e dos futuros compradores é a mais perfeita tradução do porquê da vulgaridade das cidades brasileiras.

Imagina como é a reunião do conselho da Havan? Do Instituto Ayrton Senna, que se prestou a isso? Ninguém avaliou o portfólio da FG?

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Riqueza sem beleza

Nunca um arranha-céu desses foi construído no Brasil, e prédios com mais de 200 metros de altura no país são ainda mais raros que boa arquitetura no mercado imobiliário. Não é como condomínio fechado horizontal, que se prolifera pelo país. Era de se esperar um pouco de vaidade e ambição.

Quando Steve Jobs quis criar lojas da Apple, chamou o britânico Norman Foster. Não quis misturar sua marca com o visual de uma Havan. Quando Londres autorizou o prédio mais alto do Reino Unido, recorreu ao franco-italiano Renzo Piano. O mesmo na Cidade do México, com o mestre Benjamin Romano . A pequena Punta del Este tem de Isay Weinfeld a Rafael Viñoly (incorporadores brasileiros não alcançam essa liga).

BC até poderia entrar no mapa da arquitetura com esse prédio. O investimento anunciado é de 3 bilhões de reais. Estão pedindo 300 milhões pela cobertura.

6% irá pro corretor, uns 4% para o marketing. E nem 1% para arquitetura (nota-se). Criar ícones, entretanto, requer mais que dinheiro, demanda referências.

Pra quem se impressiona com Dubai, Claudia Leitte é mais apropriada que Marisa Monte ou Monica Salmaso.

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Os cafonas andam produzindo muito, e ninguém os incomoda. Os que se consideram amantes da arquitetura nada fazem para virar essa onda. Vivem em sua bolha passiva, enquanto debatem que arquiteto estrelado vão contratar pra sua casa de fim de semana.

A riqueza no Brasil raramente se traduz em beleza. Só uma MacKenzie Scott sonharia em termos mais preocupação social com mais mobilidade, sustentabilidade, beleza ou menos ostentação. Mas, pelo menos, poderia se esperar que aqueles no topo da pirâmide financeira produzissem beleza pra si próprios.

Recentemente, um documentário feito por e para gente estacionada no século 19, chamado "O Fim da Beleza", fez sucesso entre bolsonaristas. Feito pela produtora Brasil Paralelo, com vários padres e teólogos entrevistados— nenhum arquiteto importante foi ouvido. Sem exceção, todos manifestavam saudades de cidadezinhas medievais ou da arquitetura de catedrais e palácios. O sonho deles exigiria mandar de volta pra enxada os bilhões de pessoas que trocaram o campo pelas cidades no último século, para que encolhêssemos à escala de vilarejos renascentistas. E contar com batalhões de servos ou escravos pra recriar os castelos de antanho, sem pressa.

Mas esses mesmos bolsonaristas chorosos pelo "fim da beleza" jamais investem em arquitetura ou arte quando têm a oportunidade e o orçamento para construir. Detratores do "comunista" Niemeyer e de seus prédios "pouco funcionais e repetitivos", só conseguem erguer espelhados na praia, com massa corrida branca frente à maresia.

Discutir arquitetura no Brasil é ingrato. A esquerda no poder público produz os condomínios do Minha Casa Minha Vida com incorporadoras amigas. A direita do mercado faz horrores no país inteiro, não só na pobre BC. Não adianta ser cético e desprezar o Estado, e só produzir mediocridades privadas. Os dois lados têm como regra a vulgaridade arquitetônica, com indignação seletiva.

Dinheiro novo pode se aculturar. O Texas tem algumas das maiores universidades, óperas e museus do mundo. Até a Florida já progrediu nesse quesito. Mas do interior de São Paulo ao Mato Grosso, décadas de desenvolvimento econômico não produziram nenhum boom cultural.

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Pobre Senna. O piloto era paixão, obstinação, risco. Não só técnica. Ele não se limitava ao "estrutural". Senna queria ser o melhor e se superar sempre. Ou seja, a Senna Tower nunca será uma legítima Senna.

Opinião

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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