Raul Juste Lores

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Opinião

Parada LGBT+ precisa prestar atenção nos retrocessos nos EUA

O secretário de Defesa americano, Pete Hegseth, que serviu nas guerras do Iraque e do Afeganistão, foi forçado a deixar o Exército depois de incidentes com suas tatuagens — muito usadas por nacionalistas brancos de extrema direita. No país da KKK, isso provoca arrepios. Foi chamado de "ameaça interna". Acusações de alcoolismo e de assédio sexual também abundavam quando era comentarista da Fox News.

Harvey Milk lutou na Guerra da Coreia pela Marinha americana, resgatando submarinos. Foi forçado a abandonar o uniforme quando seus superiores descobriram que era gay. Foi o primeiro homem abertamente homossexual a ser eleito nos Estados Unidos, como vereador de San Francisco. Foi assassinado por outro vereador em 1978. Sean Penn o interpretou lindamente no oscarizado filme "Milk".

As histórias do suspeito e do valente discriminado se cruzaram. O Pentágono vazou para a mídia americana que um navio em manutenção batizado em homenagem a Harvey Milk terá seu nome trocado por ordem de Hegseth. Não se sabe que nome vai ganhar. Será que algum governador segregacionista do Alabama vai pro lugar?

Simultaneamente, a poderosa Igreja Batista do Sul anunciou que vai patrocinar uma emenda cancelando o casamento gay nos EUA, aprovado pela Corte Suprema em 2015.

Trump ainda não se pronunciou a respeito. Mas sua tática de factoides ruidosos diários para mascarar tropeços na economia e o desastroso orçamento deficitário pode também recorrer à homofobia explícita.

Junho é considerado o mês do orgulho LGBTQIA+ em diversos países do mundo desde os protestos no bar Stonewall Inn em Nova York, em 28 de junho de 1969. O bar sofria batidas rotineiras da polícia, com achaques e humilhação da clientela. Mas naquela semana, a diva gay Judy Garland tinha acabado de morrer e os frequentadores não estavam nem passivos nem no melhor humor. E revidaram. Foram viaturas apedrejadas e policiais corruptos colocados pra correr. No ano seguinte, na mesma data, surgiu a primeira parada gay.

Mesmo nos EUA, direitos conquistados na porrada podem ser revertidos. "O conto de Aia", a distopia da escritora Margaret Atwood em que mulheres viram escravas parideiras ao perderem direitos em uma teocracia, já não parece mais tão distante. A saúde reprodutiva das mulheres americanas voltou a ser decidida por homens por decisão da Corte Suprema de lá.

Não é impossível que gays voltem pro armário. Que voltem as surras dentro de casa, a aguentarem calados as piadas no ambiente de trabalho, a se esconderem da família, sofrerem a cada "cadê a namorada" que a tia pergunta, ou pra vida dupla e exclusivamente noturna.

Muitas gays novinhas não assistiram a Fellow Travelers, How to Survive a Plague ou Normal Heart para terem uma ideia do que era ser gay há vinte, trinta ou cinquenta anos atrás.

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Parada festiva

A Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo se gaba de ser a maior do mundo, mesmo com aqueles números que desafiam a física (2 milhões ou 4 milhões de pessoas jamais caberiam na Paulista). Mas que é enorme, é. Mas também é um grande carnaval para a imensa maioria dos presentes. Para o turista que vem de algumas das regiões mais conservadoras do Brasil (do Nordeste ao Centro Oeste, do Sul ao interior de São Paulo), a Paulista é a Marquês de Sapucaí para o gay reprimido ao longo do ano.

Mas o prefeito e o governador de São Paulo, Ricardo Nunes e Tarcísio de Freitas, acharam de bom tom se ausentarem do evento no ano passado, enquanto marcaram presença na Marcha para Jesus na mesma semana. Ironicamente, Tarcisio e Nunes colaboram com verbas para a realização dos eventos do orgulho. Porém, na encolha, fora do meio.

Políticos rifam facilmente causas históricas, e muitos militantes se calam — o partido e estar no poder parecem mais importantes que a causa. Trocam tudo por uma verba, especialmente em momentos de crise. Dilma Rousseff mandou engavetar o "kit gay" do então ministro da Educação Fernando Haddad, dizendo que o governo "não deveria fazer propaganda de opção sexual". Nem o letramento básico do que seja "orientação" sexual ela tinha.

Ambientalistas se calam diante da enorme vontade do governo de explorar petróleo na Amazônia. E um sem fim de empresários bolsonaristas que amam Trump perderam a língua quando o presidente americano virou protecionista com tarifas altíssimas contra produtos estrangeiros.

Os LGBT+ devem aproveitar a festa de domingo, mas alguma consciência política, de poder de lobby e pressão de suas próprias igrejas não iria mal. Atenção para o que está acontecendo nos EUA.

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Até políticos LGBT+ no Brasil ignoram o básico de economia, de política, de estratégia. Em vez de conquistarem aliados, criam rachas desnecessários dentro da própria comunidade. Em um concurso de "quem sofreu mais", amam criticar quem julgam privilegiado. Ainda que, na nossa minoria, mal se sabe o que cada um sofreu no quarto ou na sala de casa.

Invisibilidade brasileira

Tim Cook, CEO da Apple, é assumidamente gay
Tim Cook, CEO da Apple, é assumidamente gay Imagem: Reprodução

Que os EUA nos sirvam de alerta. Mesmo com uma comunidade infinitamente mais influente e fora do armário que no Brasil. Nos EUA, os CEOs da Apple, Dow Química, Macy's são homens gays; a CEO da Coty, é uma trans. De Sam Altman a Barry Diller, o mundo da inteligência artificial à mídia, gays são poderosos e não escondem sua sexualidade. Até o ministro da Fazenda de lá, o banqueiro Scott Bessent, é o gay mais poderoso do governo Trump (mas que pode ser rifado a qualquer momento). Biden teve ministro gay (Pete Buttigieg) e estados poderosos como Colorado, Massachusetts e Oregon são governados por líderes da comunidade.

Os principais telejornais americanos são apresentados por âncoras gays e lésbicas, da CNN à MSNBC, do 60 Minutes ao Good Morning America. Imagina um gay no lugar do William Bonner? Parece distante.

No Brasil, nenhum CEO de grande empresa é gay de forma pública. Nenhum ministro do governo Lula. Nem do Bolsonaro, claro. Eduardo Leite, no Rio Grande do Sul, e Fátima Bezerra, no Rio Grande do Norte, ainda são as saudáveis exceções entre os governadores. Fabiano Contarato é a solitária voz no Senado. E há quatro LGBT+ na Câmara com 513 deputados. Menos de 1%. Que em 2026, a campanha presidencial não passe a varrer a comunidade para debaixo do tapete.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.