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Reinaldo Azevedo

Bolsonaro quer brincar de jogos vorazes? Ok. Comecemos por cassar os filhos

O presidente Bolsonaro e três dos seus filhos: Flávio (à esquerda), Eduardo e Carlos. O clã protagoniza algumas das maiores baixarias da política brasileira, mas se quer uma espécie de nova aristocracia - Roberto Jayme/Ascom/TSE
O presidente Bolsonaro e três dos seus filhos: Flávio (à esquerda), Eduardo e Carlos. O clã protagoniza algumas das maiores baixarias da política brasileira, mas se quer uma espécie de nova aristocracia Imagem: Roberto Jayme/Ascom/TSE

Colunista do UOL

27/02/2020 05h46

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Como é mesmo aquela máxima? O diabo é diabo porque é velho, não porque é sábio. Posso não ser muito sabido, não sou o tinhoso, mas já sou maduro o bastante.

Na minha coluna na Folha de sexta passada, posterior ao "foda-se" do general Augusto Heleno, defendi que o Congresso desse uma resposta vigorosa ao Planalto: convocar Heleno para dar explicações e tomar as providências para a cassação do deputado Eduardo Bolsonaro e do senador Flávio Bolsonaro. Sob qual acusação? Ora, a óbvia: quebra do decoro parlamentar.

E, como resta evidenciado sem sombra para dúvidas, eles o quebraram. "Ah, mas tudo o que há contra Flávio remete a quando era deputado estadual..." Ainda que a questão possa gerar um bom debate, estou me referindo ao cadáver que ele apresentou como sendo o do miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega. Uma aberração.

Já Eduardo dispensa maiores considerações. É aquele deputado que acha que ninguém reclamaria se uma bomba atômica explodisse no Congresso...

Mas a cassação também teria um outro objetivo, considerei: mandar um recado a Jair Bolsonaro; estabelecer uma linha, deixando claro que ele não poderia atravessá-la.

E não é que ele atravessou o samba institucional durante o Carnaval?

Pois é... As duas cassações nunca foram tão necessárias. E, claro!, não tivessem quebrado o decoro, eu não faria tal defesa. Mas quebraram. Eduardo faz isso todo o dia. Seu mandato é uma soma espetacular de atos indecorosos nos sentidos estrito e regimental.

Se Bolsonaro pai está a fim de brincar de jogos vorazes, é preciso topar a parada.

Vamos ver com quantos tanques, se os tiver, ele pretende governar o Brasil.

Segue na íntegra da coluna de sexta passada. Amanhã, vem a nova.
*
Câmara e Senado, como entes e pilares fundamentais da democracia, têm de cassar os respectivos mandatos do deputado Eduardo Bolsonaro e de seu irmão, o senador Flávio. Imputação: quebra do decoro. A imunidade parlamentar prevista no artigo 53 da Constituição não existe para acobertar crimes, assim como as prerrogativas do artigo 86 não podem servir de instrumentos para que o presidente da República manche a própria Carta que lhe franqueia tais garantias.

Essas são tarefas inafastáveis dos senhores deputados e senadores enquanto ainda podem andar com a coluna ereta. Em primeiro lugar, serão justos com a obra dos depredadores da ordem institucional. Em segundo, mas não menos relevante, enviarão um recado ao Fanfarrão Minésio que ocupa o Palácio do Planalto.

Por que as democracias morrem ou involuem para monstrengos híbridos, de sorte que instrumentos de uma sociedade de direito, como as eleições, são empregados em favor de vários graus de autoritarismo? Com frequência, porque os democratas permitem. Pecam por omissão ou ilusão nefelibata. Costumam ser tolerantes com quem sabota o regime na crença ingênua de que, mais dia, menos dia, a civilização vence a barbárie. Morrem com o clichê na mão.

Essa crença é filha de uma espécie de racionalismo da negação, abastardado pela era das redes sociais, transformadas em hordas de assalto aos direitos individuais e públicos. Esses democratas assistem inermes à eclosão de fanatismos vários e, no máximo, engrolam ladainhas em favor da tolerância e da convivência dos contrários, como se os fascistoides não fossem hábeis em usar as garantias do regime democrático contra a própria democracia.

Proponho não o irracionalismo, mas a racionalidade afirmativa da ordem, que dispensa instrumentos de exceção. Não dá mais! É chegada a hora de dizer "daqui não passarão".

Os democratas têm de convocar a coragem contra os ladrões de institucionalidade, contra os milicianos que assombram a vida democrática, contra os pistoleiros que miram a sociedade de direitos. É preciso cassar Eduardo e Flávio porque, reitero, incorreram, sim, em quebra do decoro parlamentar, mas também para evidenciar que a democracia não aceitará que licenças civilizatórias se convertam em inimigas da civilização.

Foi a ausência do devido "não" dos que poderiam, a seu tempo, pronunciá-lo a criar um Chávez na Venezuela, um Erdogan na Turquia, um Putin na Rússia. Não é preciso que se imponha uma ditadura em sentido clássico para pôr fim à sociedade livre.

Em novembro do ano passado, ao comentar uma entrevista em que Eduardo — sempre ele! — especulou sobre a conveniência de um novo AI-5, o general Augusto Heleno ficou longe de repudiar a estupidez. Comentou: "Tem de estudar como vai fazer, como vai conduzir". Expressando insatisfação com o Congresso, afirmou: "O projeto do Moro, fundamental para conter crime, não passa. Fazem de tudo para não passar".

Defendi que fosse convocado pelo Congresso a dar explicações. O general se zangou comigo e escreveu no Twitter: "Convocação inócua. Os parlamentares têm mais o que fazer. Eu e as Forças Armadas somos inteiramente vacinados contra a ditadura, petismo, autoritarismo, peronismo, getulismo ou azevedismo. Mais ainda, contra o socialismo da corrupção, da bandidagem e da incompetência".

Não foi convocado. Passados três meses, ele premia o Congresso, que tem segurado na unha o destrambelhamento do governo Bolsonaro, com um "foda-se" — em mensagem soprada aos ouvidos de Luiz Eduardo Ramos, coordenador político do governo, mas também militar da ativa, o que é sinônimo de voz que ecoa na tropa. O "azevedismo" recomenda outra vez: Heleno tem de ser convocado.

O dito "parlamentarismo branco", que tem impedido o país de mergulhar no caos, tem de se levantar contra os arreganhos autoritários em curso e dizer "não" às tentativas de "milicianizar" a política. Tem de expulsar de seus quadros os que usam prerrogativas do regime democrático contra a própria democracia e fazer com que vocações autoritárias recalcitrantes se sentem no banco da subordinação à ordem legal.

E já.