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Reinaldo Azevedo

Explique a seu colega ou familiar a mentira essencial contada por Bolsonaro

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

26/03/2020 07h35

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Como sabe apenas o mundo inteiro, a quarentena contra a expansão do coronavírus não é um ponto de chegada ou uma teoria desenvolvida sobre um modo de acabar com um vírus. Esses patógenos saem de circulação ou deixam de ser um problema de saúde pública quando a maioria da população já desenvolveu os anticorpos —e isso pode se dar à custa de muitas mortes a depender da letalidade da doença que provocam — ou quando as populações são imunizadas com vacina.

Desconheço quem tenha defendido a seguinte tese: "Olhem, há um vírus novo matando aí. Vamos todos ficar em isolamento, sem sair de casa, até ele desistir e bater em retirada". Ocorre que, infelizmente, alguns gênios de si mesmos ou filósofos do próprio boteco andam soprando essas ideias aos ouvidos do presidente. Fica parecendo que há duas formas, então, de combater o vírus:
a: o isolamento social, até que, de tédio, o vírus decida ir fazer tricô e pare de encher o nosso saco;
b: a exposição ampla, geral e irrestrita para desenvolver os anticorpos e, assim, pôr fim ao problema.

ISOLAMENTO COMO FIM? NUNCA!
A Alternativa A não é uma alternativa. O isolamento social não tem o propósito de pôr fim ao vírus ou de zerar as mortes. Isso é uma estultice. Todos os 158 países do mundo que adotaram formas de confinamento -- a que vigora no Brasil é branda perto do que fazem a Índia e a França, por exemplo -- buscam tão-somente amansar a curva dos contágios, alongando-a no tempo e evitando um pico explosivo porque isso levaria ao colapso o sistema de saúde, elevando dramaticamente o número de óbitos tanto por Covid-19 como por outras doenças, uma vez que os pacientes de enfermidades distintas não teriam como ser tratados.

Na média, os governos dos Estados têm feito um bom trabalho e têm usado esses dias de quarentena para adquirir respiradores, para construir hospitais de campanha, para aumentar o número de leitos em hospitais. Em suma, à revelia do que quer Bolsonaro e contra o seu discurso irresponsável, o Brasil parou para se preparar para o pior. E é consenso que esse pior ainda está longe. Quando ele chegar, tudo indica, mesmo as medidas preventivas devem se mostrar insuficientes. Imaginem sem elas. Ou, então, especulem sobre uma contaminação em larguíssima escala, com os doentes correndo todos aos hospitais ao mesmo tempo.

É lamentável que até médicos, alguns deles infectologistas, abusem da sua condição e especialidade para mentir à opinião pública. Sim, é verdade, o isolamento por si não põe fim ao vírus. Mas quem disse ser essa a pretensão? Quem disse ser esse o objetivo?

A TESE DO "VIVA O VÍRUS"
Já a segunda tese, a da ampla exposição que leva à imunização, deriva, quero crer, de concepções e mentalidades que ou têm um pé, quem sabe dois, na sociopatia, sendo vocalizada por psicopatas morais, ou esconde interesses puramente argentários, na certeza de que a grandeza e a pujança do Brasil podem muito bem conviver com a morte de alguns milhares. Os que se querem mais sofisticados argumentam que a crise econômica pode matar muito mais.

Havendo alguma sombra de eficácia no argumento, trata-se de uma falácia escandalosa — coisa que, aliás, uma falácia nunca deveria ser porque ela tem a obrigação de ao menos se fingir de verdade, de simular a verdade. A contaminação ampla, que levaria ao caos o sistema de saúde, provocando a morte de muitos milhares — de Covid-19 e de outras doenças — provocaria o mesmo desastre econômico que, em tese, procurava evitar, com a diferença de que, nessa perspectiva, os humanos nem tratados como gado seriam, não é mesmo? Afinal, gado tem valor de mercado. E, para essa gente, a vida de milhões de pobres não vale um tostão furado.

SANIDADE MENTAL
O absurdo pronunciamento do presidente da República na noite de terça-feira, o espetáculo grotesco que protagonizou na reunião com os governadores do Sudeste e a entrevista coletiva concedida às portas do Palácio da Alvorada na manhã desta quarta indicam que o presidente da República não entendeu nem mesmo a natureza de uma quarentena. Conseguiu, com seu discurso, ser notícia no mundo inteiro na categoria "governante celerado". E virou tema na entrevista coletiva concedida pela cúpula da Organização Mundial da Saúde.

Acreditem: aquele discurso doidivanas custa dinheiro. Bolsonaro sustenta que não queria parar a economia. Sua fala, no entanto, fez do Brasil uma espécie de Findomundistão, de onde investidores querem fugir e para onde não querem vir. Afinal, fica difícil convencer os donos do dinheiro de que há por aqui um presidente capaz de bater no peito e dizer que ele tem uma solução que contraria a decisão de 157 outros países. Não convém que o mundo comece a pôr em dúvida a sanidade clínica de quem governa o Brasil. E, na imprensa internacional, foi o que se viu nesta quarta.

"Ah, Reinaldo, mas você não acha que Bolsonaro pode mudar?"

Não!