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Reinaldo Azevedo

Liminar de ministro do STF diz por que atuar contra quarentena agride Carta

Luiz Roberto Barroso, do Supremo: ministro deixou claro que expor a população ao vírus não é uma das opções de que dispõe o presidente da República. Barroso concedeu liminar contra campanha publicitária. O fato deveria servir de advertência a Bolsonaro - Foto: Carlos Moura / STF
Luiz Roberto Barroso, do Supremo: ministro deixou claro que expor a população ao vírus não é uma das opções de que dispõe o presidente da República. Barroso concedeu liminar contra campanha publicitária. O fato deveria servir de advertência a Bolsonaro Imagem: Foto: Carlos Moura / STF

Colunista do UOL

03/04/2020 08h51

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Na tal live-entrevista, o presidente Jair Bolsonaro admite ainda que usa o seu cargo para, na prática, incitar o desrespeito à decisão judicial. Explico.

O ministro Roberto Barroso, do Supremo, concedeu liminar, em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental impetrada pela Rede Sustentabilidade, proibindo a veiculação da propaganda "O Brasil não Pode Parar". Lembram-se? A Secom produziu uma peça publicitária -- depois negou que o objetivo fosse levá-la ao ar -- que incitava os brasileiros a desrespeitarem a quarentena. Na sua decisão, escreve Barroso:
Nessa linha, uma campanha publicitária, promovida pelo Governo, que afirma que "O Brasil não pode parar" constitui, em primeiro lugar, uma campanha não voltada ao fim de "informar, educar ou orientar socialmente" no interesse da população (art. 37, §1º, CF). Em momento em que a Organização Mundial de Saúde, o Ministério da Saúde, as mais diversas entidades médicas se manifestam pela necessidade de distanciamento social, uma propaganda do Governo incita a população ao inverso. Trata-se, ademais, de uma campanha "desinformativa": se o Poder Público chama os cidadãos da "Pátria Amada" a voltar ao trabalho, a medida sinaliza que não há uma grave ameaça para a saúde da população e leva cada cidadão a tomar decisões firmadas em bases inverídicas acerca das suas reais condições de segurança e de saúde. O uso de recursos públicos para tais fins, claramente desassociados do interesse público consistente em salvar vidas, proteger a saúde e preservar a ordem e o funcionamento do sistema de saúde, traduz uma aplicação de recursos públicos que não observa os princípios da legalidade, da moralidade e da eficiência, além de deixar de alocar valores escassos para a medida que é a mais emergencial: salvar vidas (art. 37, caput e §1º, CF)

Com acerto, Barroso observa o que já afirmei tantas vezes neste blog e vivo repetindo no rádio: inexiste uma dicotomia entre salvar vidas e preservar a economia. Escreve:
Vale assinalar, ainda, que não há efetivamente uma dicotomia entre proteção à saúde da população e proteção à economia e aos empregos da mesma população, tal como vendo sendo alegado. O mundo inteiro está passando por medidas restritivas em matéria de saúde e pelos impactos econômicos delas decorrentes. Caso o Brasil não adote medidas de contenção da propagação do vírus, o próprio país poderá ser compreendido como uma ameaça aos que o estão combatendo, passando a correr o risco de isolamento econômico. Não bastasse isso, a supressão das medidas de distanciamento social levará inevitavelmente à propagação do vírus, conforme ampla experiência internacional, e, em algum momento do futuro, a medida de restrição da população será ainda mais grave. Portanto, a demora na tomada de medidas de contenção da propagação do vírus tende a aumentar os riscos também para a economia. Nota-se, portanto, que a economia precisa que a saúde pública seja protegida para que volte a funcionar em situação de normalidade.

No trecho mais importante de sua decisão, Barroso nota que não se trata de tolher uma escolha legítima do presidente da República. Como nota o ministro, uma decisão política que atenta contra a saúde dos brasileiros decisão política não é. E acrescento: além de não ser escolha possível a um chefe de estado, também é crime. Reproduzo mais um trecho:

É igualmente importante ter em conta que não se trata aqui de uma decisão política do Presidente da República acerca de como conduzir o país durante a pandemia. Haveria uma decisão política, no caso em exame, se a autoridade eleita estivesse diante de duas ou mais medidas aptas a produzir o mesmo resultado: o bem estar da população, e optasse legitimamente por uma delas. Não é o caso. A supressão das medidas de distanciamento social, como informa a ciência, não produzirá resultado favorável à proteção da vida e da saúde da população. Não se trata de questão ideológica. Trata-se de questão técnica. E o Supremo Tribunal Federal tem o dever constitucional de tutelar os direitos fundamentais à vida, à saúde e à informação de todos os brasileiros.

Entenderam? Aquilo que quer Bolsonaro agride direitos que são tutelados pela Constituição.

Se a campanha não pode ser veiculada em razão dos motivos apontados pelo ministro — e não pode mesmo! —, é evidente, pois, que o presidente da República confessa crimes ao admitir que atua com a propósito de mobilizar a população contra a quarentena.