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Reinaldo Azevedo

Sem apoio de cúpula militar para autogolpe, Bolsonaro quer agitar quartéis

Bolsonaro entre apoiadores às portas do Palácio da Alvorada. Presidente aproveita ocorrência, parte de sua rotina diária, para disparar impropérios contra a ordem democrática e o estado de direito - Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
Bolsonaro entre apoiadores às portas do Palácio da Alvorada. Presidente aproveita ocorrência, parte de sua rotina diária, para disparar impropérios contra a ordem democrática e o estado de direito Imagem: Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Colunista do UOL

03/04/2020 09h20

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Aquela que pode ser a crise mais grave de nossa história pediria, já escrevi aqui, a clareza de um estadista. Em vez disso, temos um presidente que divulga um vídeo, recomendando que seja replicado, em que uma sua admiradora cobra um golpe de Estado. Ou seja: é o próprio Jair Bolsonaro quem está a dizer que um golpe militar, de que ele fosse o beneficiário, seria a saída para os problemas do país. Olhem a enormidade do que tem de ser feito na Saúde, na economia, na gestão das múltiplas crises. Em vez do estadista, temos um líder aturdido, incapaz de sustentar na quinta-feira o que disse na terça. Não lidera.

Endossar um vídeo com a exortação golpista é de extrema gravidade. É certamente coisa inédita no Brasil e, creio, no mundo. Expressa a alma profunda do presidente. Gostaria de ser um Viktor Orbán, o tirano que faz da Hungria o seu enclave ditatorial na Europa, mas sabe que não dispõe de meios para isso. Aquele se fez ditador corroendo pelas bordas o sistema político, cooptando-o. Bolsonaro, desde sempre, se fiou nas suas milícias digitais e na crença de que, em havendo uma convulsão social, não importa sua causa ou natureza, as Forças Armadas lhe dariam a devida guarida.

Não darão. Orbán é uma figura asquerosa, mas é um truculento hábil na manipulação das instituições. Bolsonaro se deixa cercar por meia-dúzia de fanáticos e, em vez de conquistar aliados no terreno neutro ou mesmo adversário, consegue criar dissensões no seu próprio quintal. Desde que assumiu a Presidência, conseguiu operar um verdadeiro milagre às avessas: com todos os poderes objetivos que lhe garante o cargo, tem menos aliados agora do que em janeiro de 2019. E notem que isso independe da crise provocada pelo coronavírus. Ora, até em razão da dimensão mundial desse mal, poderia estar efetivamente liderando os esforços para que o país enfrentasse o desastre com o menor sofrimento possível. Mas ele faz justamente o contrário.

Desde o princípio, deu ouvidos a desclassificados morais e intelectuais, inclusive do mundo empresarial, que criaram a falsa dicotomia entre "quarentena e economia". Trata-se de uma mentira sórdida. O chamado distanciamento social é o preço a pagar para evitar o caos. É um esforço temporário. O que angustia, e a angústia é de todos, é não sabermos exatamente quanto tempo vai durar essa espera. Mas pouco se pode fazer a respeito.

O presidente deveria estar empenhado, agora, em cobrar de seus homens na economia que agilizem as operações para o dinheiro chegar logo aos pobres e às empresas. Quanto antes, melhor. Ocorre que, também da área de gestão, a turma é ruim de serviço. Felizmente e por enquanto, não há sinais de distúrbio social provocado pela crise. Sei lá se há feiticeiros sonhando com isso para justificar medidas de força. O que sei é que se podem evitar outros desastres liberando logo os recursos.

Quando o presidente endossa e divulga, pedindo que outros o espalhem, um vídeo com a pregação golpista, está, obviamente, tentando provocar agitação nos quartéis, à revelia dos comandantes das Forças Armadas. Trata-se de mais um crime de responsabilidade, previsto no Artigo 85 da Constituição, devidamente tipificado na Lei 1.079.

Não obstante, a política oficial do governo na área da Saúde é aquela liderada pelo ministro Luiz Henrique Mandetta, que conta com o apoio dos governadores, dos militares e, segundo pesquisas, da maioria dos brasileiros.