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Reinaldo Azevedo

Números de Bolsonaro ainda não estão à baixura de sua gestão; chegarão lá?

Datafolha/Folha
Imagem: Datafolha/Folha

Colunista do UOL

06/04/2020 02h33

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Embora os números colhidos pelo presidente Jair Bolsonaro não sejam bons para quem está no 16º mês de mandato, é preciso admitir: eles não estão à altura ou, para ser mais exato, à baixura de sua atuação à frente da Presidência da República, em especial nestes tempos de coronavírus. É tal a sequência de desastres, misturada à inação, que índices muito mais amargos encontrariam justificativa na ordem dos fatos. Isso significa que o presidente ainda tem, sim, capital político. E o está empregando de modo desastrado: contra os fatos, contra a ciência, contra noções mínimas de bom senso. Isso quer dizer que está flertando com o perigo.

Neste domingo, a Folha trouxe a público dados da pesquisa Datafolha feita por telefone entre os dias 1º e 3 de abril. Uma leitura apressada ou desatenta poderia levar Bolsonaro a achar que a população está, como ele já tonitruou, do seu lado na absurda peleja que decidiu travar contra a razão. Por que digo isso? Vamos lá.

Indagados se o presidente deve renunciar, 59% dos entrevistados disseram "não", contra o "sim" de 37%. Não sabem 4%. Pergunta-se: isso significa uma ampla aceitação do modo como o presidente vem, digamos, enfrentando a crise? Não! Nada menos de 44% dos brasileiros acham que Bolsonaro não tem condições de governar o Brasil, contra 52% que ainda dizem que "sim". São números perigosamente próximos para quem tem menos de um ano e quatro meses de mandato. A pesquisa, feita por telefone, tem margem de erro de três pontos percentuais para mais ou para menos.

Fossem boas as perspectivas, vá lá. Mas a crise econômica, que pode ter severidade inédita, mal começou. Vêm por aí recessão, desemprego e empobrecimento generalizado da população, em meio a milhares de contaminados e a um número enorme de mortos. A crise será enfrentada com um fortalecimento brutal, ainda que temporário, do Estado. O presidente até poderia ser seu beneficiário político, mas, como vemos, ele faz questão de atuar como o líder de seus seguidores e robôs nas redes sociais.

Mais alguns dados do mesmo levantamento: consideram seu desempenho "ótimo ou bom" durante a crise 33%; para 39%, é ruim ou péssimo, sendo regular para 25%. Já o Ministério da Saúde, cujo titular é Luiz Henrique Mandetta — ameaçado de novo pelo presidente neste domingo —, é distinguido com um "ótimo ou bom" por 76%, contra apenas 18% que o consideram ruim ou péssimo. Governadores também são amplamente aprovados, com 58% de "ótimo e bom", ante apenas 16% de "ruim e péssimo".

Vamos ver: Bolsonaro está muito longe daquele estágio em que o governante passa à sociedade a impressão de que existe uma rejeição unânime à sua conduta tão diminuta é a parcela dos que o apoiam. Mas notem: as crises econômica, social e de saúde e os estragos provocados pela Covid-19, infelizmente, estão apenas no começo. Há indicadores otimistas que podem estar a apontar que o chamado "isolamento horizontal" já está achatando a curva de contaminados, mas isso terá efeitos bem mais adiante.

Infelizmente, o país vive a fase de ascensão dos contágios e das mortes: neste domingo, os números oficiais apontam para 11.130 doentes, com 486 vítimas fatais. Em 24 horas, foram registrados 852 novos casos em todo o país, e 54 pessoas morreram. Todos sabemos, dadas as características da contaminação e a impossibilidade de obter resultados imediatos na detecção do vírus e da doença, que esses números são brutalmente maiores.

A APOSTA
Ainda que, em documentos oficiais, o governo diga apoiar as medidas de isolamento horizontal em curso, Bolsonaro decidiu optar pelo absurdo: opor-se àquela que é a orientação oficial da sua gestão, atribuindo as consequências negativas -- e é claro que as há -- da quarentena aos governadores. Havia uma aposta, vinda sabe-se lá de onde, de que o impacto da pandemia, entre os brasileiros, seria pequeno. Não será.

O presidente incentiva, na prática, uma quebra desordenada da quarentena. Ele não ignora que isso levaria o sistema de saúde ao caos — com o isolamento social, a perspectiva já é bastante ruim. Parece que sua aposta única é jogar a responsabilidade pela crise nas costas dos governadores que, segundo essa leitura insana — mas que ele pretende politicamente eficaz para si mesmo —, não teriam conseguido evitar as mortes e ainda contribuído para levar a economia à lona.

Não temos um presidente empenhado em produzir no país o menor número possível de doentes e mortos. É o que fazem os chefes de Estado, com raríssimas exceções — o ditador Daniel Ortega, da Nicarágua, é um deles —, no mundo inteiro. Sua pretensão é sobreviver politicamente à crise, abrindo mão da parte que lhe cabe na contenção do mal, jogando a responsabilidade no colo dos outros políticos — até de aliados seus. Deve achar que os números ainda lhe são favoráveis. De fato, não são desastrosos.

Mas cumpre lembrar: faz apenas três semanas — 16 de março — que a Covid-19 produziu o primeiro cadáver. Já temos 486. No trimestre encerrado em fevereiro, pré-crise do vírus, o desemprego voltou a crescer, chegando a 11,6%. O resto ainda é escuro, com um governo que está se mostrando espantosamente incompetente para fazer o dinheiro chegar a quem precisa.

De resto, que fique claro: renúncia é ato unilateral. Muita gente pode se opor ao governo Bolsonaro, mas não quer nem sua saída voluntária nem seu impeachment, hipótese em que assumiria a Presidência o vice, general Hamilton Mourão. Erro de leitura ou não, prefere que ele fique até o fim. Ninguém viu, por exemplo, Lula ou Dilma tocar nesse assunto, certo? Ainda voltarei ao tema. .