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Reinaldo Azevedo

Moro fala em paridade de armas? O irredimível tenta se erguer dos escombros

Moro cochicha com Bolsonaro nos bons tempos. O inaceitável entre atos inaceitáveis aconteceu quando decidiu ser ministro. Não lhe cabe nem o papel de vítima nem o de traído - Foto Evaristo Só/AFP
Moro cochicha com Bolsonaro nos bons tempos. O inaceitável entre atos inaceitáveis aconteceu quando decidiu ser ministro. Não lhe cabe nem o papel de vítima nem o de traído Imagem: Foto Evaristo Só/AFP

Colunista do UOL

15/05/2020 08h57

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Tem lá a sua ironia, ainda que um tanto trágica para o país, o ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro reclamar da "disparidade de armas", por intermédio de sua defesa, na comparação com a Advocacia Geral da União.

Explica-se. A expressão foi empregada por Rodrigo Sanchez Rios, advogado de Moro, depois que veio a público a petição da AGU. Disse ele:
"A transcrição parcial revela disparidade de armas, pois demonstra que a AGU tem acesso ao vídeo, enquanto a defesa de Sergio Moro não tem".

Que se note: o próprio Moro assistiu ao vídeo, além de ter sido personagem da reunião. De todo modo, que fique o registro. Este jornalista vai defender sempre, também para Moro, o que Moro nunca defendeu quando juiz: paridade de armas.

Quantas foram as vezes em que o vimos, na 13ª Vara Federal de Curitiba, a negar a advogados acesso a peças que estavam nos autos, dificultando o trabalho da defesa? Como estava navegando na crista da onda da opinião pública, ninguém dava a mínima.

Acima, há um vídeo com alguns flagrantes do modo como tratava, por exemplo, Cristiano Zanin, um dos advogados de defesa de Lula: grosseiro, intolerante, olímpico.

Os diálogos revelados por The Intercept Brasil evidenciariam muito mais: o juiz que atuava em parceria com a acusação.

Observem que Moro nem réu é, mas já está a reclamar da "disparidade de armas". Como o Luiz 14 da 13ª Vara, tudo lhe era permitido — o que incluiu saltar dali para a cadeira de ministro da Justiça de Jair Bolsonaro. Uma vergonha sem par a evidenciar que uma grande disfuncionalidade estava — como está — em curso.

Sentado na dita-cuja, mexeu os pauzinhos para tentar mudar a Constituição por meio de projeto de lei — refiro-me à aberração de tentar tornar sem efeito o Inciso LVII do Artigo 5º — execução da pena depois do trânsito em julgado — por meio de legislação infraconstitucional.

E essa foi apenas uma de suas agressões à ordem legal.

Moro tenta agora reescrever a sua biografia. Ainda conta com admiradores em penca na imprensa. Vai tentar se reinventar com o candidato de centro, depois de ter se tornado o Zero Dois da extrema direita no Brasil, endossando, por exemplo, a campanha de Bolsonaro em favor do armamento da população — endossou pelo silêncio, embora venda a versão de que resistiu nos bastidores.

É esperto. Seu adversário de agora, antes amigo de cochichos e óbvio conluio político, vai ter de cair no colo do Centrão para se manter no governo. Moro continuará com sua ladainha de combate à corrupção, agora mirando os aliados do ex-chefe. A Lava Jato continua na retaguarda, ainda que um tanto retraída. Mas notem que já tenta dividir a cena em tempos de Covid-19.

Desmoralizando a política, a boa e a ruim, sob o pretexto de caçar corruptos, ajudou a eleger Bolsonaro. Tentando pavimentar a sua própria carreira, achou que poderia quebrar as pernas do presidente e ser o condestável do reacionarismo nacional. Falhou.

Tenta agora reposicionar a imagem. Busca recuperar a voz de arauto da moralidade, mas também se faz de vítima da estrovenga que ele mesmo ajudou a construir.

Cai na conversa quem quer. Não caio, não.

Mas farei sempre o que ele nunca fez: defender a paridade de armas no processo legal.

Ah, claro! É evidente que Bolsonaro se referia à Polícia Federal quando falou sobre a sua família e amigos. Isso não faz de Moro um santo. Era apenas alguém que servia de esbirro do bolsonarismo. Saiu atirando.

Não custa lembrar: se indicados de Bolsonaro vão aparelhar a Polícia Federal, isso significa que ela é aparelhável. Cabe perguntar: deve-se concluir que os indicados de Moro faziam o mesmo, mas a seu serviço? Ou poderiam, ao menos, fazê-lo?

Acho, sim, que Bolsonaro cometeu crime, embora Augusto Aras não vá mexer uma palha. Mas isso não quer dizer que Moro seja redimível. Comigo não, violão!