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Reinaldo Azevedo

Juíza e Lava Jato não podem "doar" dinheiro que já pertence à União

Juíza Gabriela Hardt: entre as suas heterodoxias, está doar para a União o que é da União. E sem lei que lhe permita direcionar o dinheiro... - Enéas Gomez/Divulgação
Juíza Gabriela Hardt: entre as suas heterodoxias, está doar para a União o que é da União. E sem lei que lhe permita direcionar o dinheiro... Imagem: Enéas Gomez/Divulgação

Colunista do UOL

13/07/2020 09h07

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Na sua colunade domingo na Folha e no Globo, Elio Gaspari escreveu:

No dia 21 de maio, quando já se estava no patamar de mil mortos por dia pela Covid e a pandemia já havia matado 20 mil pessoas, a juíza Gabriela Hardt, da 13ª Vara Federal de Curitiba, mandou um ofício à Casa Civil, oferecendo R$ 508 milhões dos cofres da Lava Jato para remediar a situação. Pedia apenas que lhe dissessem para onde o dinheiro deveria ir. Nada.

Hardt reiterou a oferta a 17 de junho e a Casa Civil respondeu apenas que havia recebido os dois ofícios. No dia seguinte o Ministério da Saúde informou que estava estudando o caso. Nessa altura batera-se a marca do milhão de infectados e 48 mil mortos.

Na semana passada o dinheiro continuava esperando um destino. Os mortos chegam a 70 mil.

VAMOS VER
Como Gaspari escreveria com mais estilo, ganha uma bolsa de estudos em direito em Harvard quem encontrar a lei que autoriza a juíza Gabriela Hardt a oferecer o dinheiro para o combate à Covid-19. Ou para construir casas. Ou para fazer pontes. Ou para matar a fome. Ou para comprar Chicabon para os pobres -- já que eles também direito a iguaria tão simples, não?

O dinheiro que o governo gasta pertence à União. E à União pertence o dinheiro amealhado pela Lava Jato, decorrente de multas e recuperação de ativos.

Os recursos não são propriedade das respectivas varas federais. A doutora não tem o poder de escolher onde aplicar a grana, por mais nobre que ela pretenda ser.

É a mesma juíza, já abordei o caso em outro post, que decidiu entregar à vontade da força-tarefa de Curitiba o destino de bem mais do que 20 e poucos ou 500 e tantos milhões.

A doutora homologou um acordo que destinava metade (R$ 1,25 bilhão) de multa aplicada pelos EUA à Petrobras, mas paga no Brasil (R$ 2,5 bilhões), para a criação de uma fundação destinada ao combate à corrupção. E a sede deveria ser em Curitiba, claro! Outro tanto ficaria à espera de eventuais ressarcimentos a grupo de acionistas minoritários da Petrobras, mas sob a vigilância da força-tarefa.

Naquele caso como agora, pergunta-se: ela o fez com base em que lei? Resposta: em nenhuma! A força-tarefa de Curitiba praticou o despropósito de combinar com órgãos americanos a destinação do dinheiro aqui no Brasil, ao arrepio da legislação, e a doutora Hardt assinou embaixo. A própria PGR recorreu contra a aberração, suspensa pelo Supremo.

RECLAMAR NO LUGAR CERTO
Quem disse que o combate à Covid-19 precisa do dinheiro sob a custódia da 13ª Vara Federal de Curitiba?

Dos R$ 40 bilhões do Orçamento da Saúde destinados a esse fim, o governo havia gastado menos de R$ 12 bilhões até a semana passada. O Ministério da Saúde sabe dar bronca em garçom preto, mas não sabe como usar — ou não quer fazê-lo — os recursos no combate à pandemia que mata mais os pretos e os pobres.

Se o dinheiro que a doutora Gabriela julga lhe pertencer for entregue ao Ministério da Saúde, lá ficará parado. Mas, claro!, servirá para a Lava Jato posar para a fotografia.

Mas esperem: Hardt é Lava Jato? Desde quando juiz pode integrar força-tarefa? Nunca pôd!. Nem com Sergio Moro. Se integra, já não pode julgar...

CARREIRA BULIÇOSA
A simples oferta desse dinheiro deveria ser recebida pela imprensa como um escândalo em si.

Não demora, e a 13ª Vara Federal de Curitiba, em associação com a Lava Jato, resolve fundar a sua própria República, não é? Aí, sim, poderá realizar o seu sonho de se comportar como Executivo, Legislativo e Judiciário. Enquanto Sergio Moro não conquista toda Banânia.

Fica o pedido: se alguém souber que lei autoriza a doutora Hardt a doar o dinheiro, peço que me envie.

A juíza não se fez notar apenas por esses dois procedimentos envolvendo destinação de recursos sobre os quais não tem domínio.

Fez fama numa audiência, em que reagiu com extrema agressividade a uma fala do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante depoimento. Se alguma contenção poderia ser necessária, vá lá, ela exagerou na dose. Os holofotes brilharam, e ela se tornou ídolo da extrema direita.

Depois, fez história na sentença em que condenou o mesmo Lula no caso do sítio de Atibaia. Ela copiou um trecho da sentença redigida por Moro na condenação sem provas no caso do tríplex de Guarujá. Cópia que, pelo visto, nem passou por releitura. Afinal, ela se referiu ao imóvel alvo da ação como "apartamento" em vez de "sítio".

Não contente, escreveu que duas pessoas atestavam evidências contra Lula: José Adelmário e Léo Pinheiro. Ocorre que não são duas, mas uma: José Adelmário Léo Pinheiro são uma pessoa só.

Sua sentença, com cópia e tudo, não só foi referendada pelo TRF-4 nos fundamentos como o tribunal ainda majorou a pena.

É esse direito ao vale-tudo, e do vale-tuto, que a Lava Jato e seus defensores tentam resgatar na cruzada contra Augusto Aras, sob o pretexto agora de resistir ao bolsonarismo. É uma falácia monumental.

Doutora Hardt, responda a esta questão, por favor, que desafia tanto os críticos como os adoradores da Lava Jato: em que lei a senhora se baseia para oferecer o dinheiro? Ou, a exemplo da fundação, de novo, a meritíssima não se baseia em lei nenhuma?

Ah, sim: se o governo aceitasse o dinheiro, estaria incorrendo em improbidade administrativa.

E fica aqui a minha pergunta: o Conselho Nacional de Justiça não tem ao menos a curiosidade de saber em que documento legal se ampara a juíza a para a oferta?