Topo

Reinaldo Azevedo

Witzel é detestável, mas foi monocraticamente afastado sem depor. Não dá!

Benedito Gonçalves, ministro do STJ, que determinou o afastamento de Wilson Witzel do governo do Rio - Divulgação/STJ
Benedito Gonçalves, ministro do STJ, que determinou o afastamento de Wilson Witzel do governo do Rio Imagem: Divulgação/STJ

Colunista do UOL

28/08/2020 09h01

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Wilson Witzel, agora governador afastado do Rio, é a expressão de tudo o que mais execro na política. Eu o considero truculento e incompetente. A sua gestão da Segurança Pública, por exemplo, é detestável. Escrevi há pouco um post apontando o mau cheiro que exala a desordem vivida pela capital na quarta e na quinta. Witzel emitiu uma nota absurda, acusando o Supremo pelo descalabro. Autoridades da área fizeram o mesmo.

Encantado com os tiros que disparava, surfando na onda da extrema-direita bolsonarista, tentou ser mais detestável do que aquele no qual se escorou para ser eleito, buscando emular com o presidente da República no que este tem de pior.

Seis dias antes do primeiro turno, como sabem, Sergio Moro, então titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, liberou trecho da delação picareta de Antonio Palocci com pesadas acusações contra os petistas. Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio, não se fez de rogado. A três dias do pleito, o juiz e então amigão de Witzel (um ex-juiz federal) colheu um depoimento de Alexandre Pinto, ex-secretário de Obras da Prefeitura na gestão Eduardo Paes, acusando o ex-prefeito e candidato ao governo de ter recebido propina da Odebrecht. Sim, Bretas tornou público o conteúdo.

Nota: em dois depoimentos anteriores, Pinto não havia feito acusação nenhuma contra Paes. Mais: os delatores da Odebrecht negaram o seu envolvimento com irregularidades. Assim, entendo que a gestão de Witzel, além de desastrosa, traz uma mácula de origem. E eu poderia escrever milhares de linhas dando exemplos de por que a maioria do eleitorado do Rio fez a escolha errada. Como esquecer, por exemplo, a sua participação no evento indecente e filo-homicida da placa rasgada com o nome de Marielle Franco?

Não me peçam para escrever alguma coisa positiva sobre Witzel. Não lembro de nada. Dito isso, vamos ao evento do dia.

Não me peçam para endossar o afastamento de um governador por uma decisão monocrática de um ministro do STJ — no caso, Benedito Gonçalves. O afastado nem sequer foi ouvido. Mais: a defesa não tinha tido até havia pouco acesso aos autos. Pior: a Procuradoria Geral da República havia pedido a prisão do governador. Se o afastamento já é excessivo, a prisão, dado o que se tem, era um despropósito absoluto.

Sim, eu confesso: caso se comprovassem as suspeitas contra Witzel, eu ficaria muito satisfeito se ele fosse impichado. Nessa hipótese, pois, as provas seriam contundentes. Do ponto de vista político e moral, seria um destino justo — e justiça histórica não tem sido uma constante no país. Aliás, costuma ser coisa rara, infelizmente. Os dias andam amigáveis com os picaretas.

Não dá para endossar o afastamento, nos termos em que vem, ainda que a imprensa esteja coalhada de acusações e vazamentos de informações. Não me parece que estão sendo seguidas as regras estritas do devido processo legal.

Mais: um afastamento cautelar — que me parece bastante exótico — vale, no caso em tela, por uma condenação antecipada, antes que a defesa tenha apresentado seus argumentos, certo? Ou alguém tem alguma dúvida de que ele não volta mais ao governo? Parece-me que isso sela deu destino na Assembleia.

PRESTEM ATENÇÃO AO QUE VOU DIZER: É MERECIDO. MAS, POR ENQUANTO AO MENOS, NÃO É JUSTO — PORQUE ME PARECE EM DESCONFORMIDADE COM A JUSTIÇA, QUE TEM DE SE TRADUZIR PELO DEVIDO PROCESSO LEGAL.

ENDOSSANDO FALÁCIAS
Estou pouco me importando com o destino de Witzel em si. O que me importa é o procedimento. Acho que se passa uma espécie de recado aos outros 26 governadores: "A depender do que tenhamos aqui, e vocês não sabem, qualquer um de vocês pode ser afastado do cargo por uma decisão monocrática".

É claro que, nessas horas, aderir ao linchamento — especialmente de uma figura como Witzel — é uma posição que rende mais aplausos.

Evoco o comportamento detestável de Jair Bolsonaro na pandemia. Uma das falácias que seus milicianos virtuais inventaram é que o coronavírus era só uma desculpa para a roubalheira. Essa ação fulminante contra Witzel endossa a mentira ainda que motivada por fatos verdadeiros.

Reitere-se: tudo contra Witzel, nada a favor! Um dia antes de ser afastado, ele deu provas evidentes de sua inapetência para o cargo. Mas a democracia tem também de zelar pelos procedimentos. Um único juiz afastar um governador, nas circunstâncias dadas, não é prudente para a higidez do regime.