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Reinaldo Azevedo

Parlamentares e STF não soltaram André do Rap. Um ministro e o MP soltaram!

Corvos metafóricos estão patrulhando o Supremo; o de verdade, que se vê acima, não representa nenhuma ameaça. Já os outros...  - Foto: Dida Sampaio/AE
Corvos metafóricos estão patrulhando o Supremo; o de verdade, que se vê acima, não representa nenhuma ameaça. Já os outros... Imagem: Foto: Dida Sampaio/AE

Colunista do UOL

14/10/2020 06h40

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O que a fuga de André do Rap tem a ver com o cumprimento da pena só depois do trânsito em julgado? Nada! A não ser na cabeça da extrema direita, da extrema ingenuidade e da extrema burrice. Ah, sim: acrescentem aí a extrema demagogia e a imprensa, ou quase isso, extremamente morista.

Pela ordem: não foram seis dos onze ministros do STF que decidiram, em novembro do ano passado, que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", como está no Inciso LVII do Artigo 5º da Constituição. Essa decisão foi tomada pelos constituintes em 1988. E se trata de cláusula pétrea. Havendo vergonha na cara, não se pode mudar a escrita nem por emenda, conforme dispõe o Artigo 60.

"Então um traficante perigoso ou o quadro de uma organização criminosa só poderão ir para a cadeia depois de esgotadas todas as instâncias?" Eis uma pergunta ignorante. Mas é, ao menos, pergunta. Operadores do direito, jornalistas desinformados e prosélitos mixurucas afirmam isso por aí com o desassombro dos tontos.

Esse e outros bandidos podem ter prisão preventiva decretada antes mesmo da instauração do inquérito policial desde que esteja presente ao menos um dos quatro requisitos previstos no Artigo 312 do Código de Processo Penal. O Inciso LVII do Artigo V só vale para o cumprimento da pena.

Espelhado com ele, existe um dos artigos mais bem redigidos do Código de Processo Penal: o 283. Reproduzo também:
"Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva."

Estão aí todas as possibilidades de prisão no país. E cada uma delas tem o seu devido título legal, com as condições em que pode ser realizada. Quando, em novembro do ano passado, seis dos 11 ministros declararam esse artigo constitucional, estavam apenas dizendo o óbvio. Li os cinco votos daqueles que, incrivelmente, preferiram declarar a sua não-constitucionalidade. Nenhum deles enfrentou o que está escrito.

Nem é possível. Como não estavam se opondo às prisões em flagrante ou temporária, então negaram a constitucionalidade deste trecho: "[preso] em decorrência de sentença penal condenatória". Mas como poderia não ser constitucional aquilo que traz o mesmo conteúdo da Constituição?

Também não há nada de errado, em essência, com o Parágrafo Único do Artigo 316 do CPP, que impõe que as prisões preventivas sejam revistas a cada 90 dias — mantidas ou não. Concordo com o argumento de Fernando Mendes, ex-presidente da Associação dos Juízes Federais, de que é preciso, no entanto, especificar com mais clareza as competências.

Ou bem se recusa o espírito dessa lei — e eu o apoio — ou bem se lamenta que existam no Brasil 253.963 encarcerados provisórios, fora outros 15 mil a 16 mil em delegacias, em números de junho do ano passado. São todos uns pobres desgraçados, que o Estado, por intermédio de um de seus braços policiais, decidiu tirar de circulação para esquecê-los em masmorras. Tornam-se a mão de obra barata dos partidos do crime.

Assim, os ministros que declararam em novembro do ano passado a Constitucionalidade do Artigo 283 do CPP fizeram o óbvio. Nada têm a ver com a fuga de André do Rap. Afinal, existe a preventiva. Os parlamentares que aprovaram o pacote anticrime, com a mudança do Artigo 316, nada têm a ver com a fuga de André do Rap. Afinal, existe a preventiva. O presidente Jair Bolsonaro, com tantos pecados nas costas, nada tem a ver com a fuga de André do Rap. Afinal, existe a preventiva.

Já o Ministério Público Federal, que não se manifestou a tempo para pedir a manutenção da preventiva, ah, esse tem, sim, a ver com a fuga. O mesmo vale para a PGR, que, visivelmente, se atrapalhou. E, claro, há o autor do despacho, o ministro Marco Aurélio. Já demonstrei aqui. O Artigo 316 não lhe impõe a concessão de habeas corpus. Se não lhe cabe aplicar o Artigo 312 do CPP — decretando a preventiva —, nada o obriga a ignorá-lo, suspendendo-a. Da mesma sorte, o Artigo 315 o obriga a uma disciplina que não foi seguida.

O Supremo começa a votar hoje a questão. Parece-me evidente que cabe um disciplinamento da questão. Espero que os ministros não se esqueçam daqueles que não são protegidos hoje nem pela Lei Sansão, que pune quem maltrata cães e gatos.

Sim, Miguilim, um gato, me prova todos os dias por que os bichos são dignos de amor. Mas convém olhar para aqueles que, sendo humanos, Miguilim não são. Há milhares de vidas desgraçadas que não cabem nos delírios persecutórios da estupidez lavajatista.