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Reinaldo Azevedo

Que política mande milicos para quartel e reaças para catacumba da história

Ricardo Salles e Luiz Eduardo Ramos: eis faces distintas e combinadas de um mesmo mal. É besteira tentar ver oposição onde não há - Marcelo Camargo/Agência Brasil; Antonio Cruz/Agência Brasil
Ricardo Salles e Luiz Eduardo Ramos: eis faces distintas e combinadas de um mesmo mal. É besteira tentar ver oposição onde não há Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil; Antonio Cruz/Agência Brasil

Colunista do UOL

25/10/2020 20h33

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Como política é coisa cá da Terra, que se dá entre humanos, descarte-se de saída o Bem Absoluto. Isso é coisa de fanáticos. Não raro, de homicidas em massa — potenciais ao menos. Gente com os meridianos ajustados vive compelida a escolher o mal menor. Se você tiver um grãozinho de loucura e for do tipo otimista, escolherá o que julga ser, na comparação, o bem maior, sabendo, no entanto, que conta aos outros uma mentira para que não desanimem... Será sempre... o mal menor!

Mas atenção! É preciso que seja realmente o mal menor, e não faces do mesmo mal. "Não entendi, Reinaldo, está abstrato demais!" Pois não! Então vamos dar materialidade, fumaça e fogo à conversa. Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, certamente em coordenação com o presidente da República, chutou o traseiro e a honra do general Luiz Eduardo Ramos, chefe da Secretaria de Governo e coordenador político do Palácio do Planalto.

Ramos, não custa lembrar, era Comandante Militar do Sudeste quando foi guindado à posição de... articulador político. Alguém já disse que, se um troço só dá no Brasil, ou é jabuticaba ou é besteira. Huuummm... Há jabuticabeiras em outras partes do mundo. Besteiras também. Creio, no entanto, que não há outro país tão prolífico em jabuticabas e besteiras ao mesmo tempo.

Síntese rápida. Em sua coluna no jornal O Globo, a jornalista Bela Megale escreveu que Salles, ao anunciar que o Ibama suspenderia suas atividades contra queimadas e desmatamento por falta de recursos, estava esticando a corda com a ala militar do governo, que não gosta dele. O ministro do Meio Ambiente Tóxico foi para o Twitter e mandou bala contra o general:
"@MinLuizRamos não estiquei a corda com ninguém. Tenho enorme respeito e apreço pela instituição militar. Atuo da forma que entendo correto. Chega dessa postura de #mariafofoca".

Em mais uma evidência de que, com efeito, é a voz e o braço de Bolsonaro na Amazônia, no Pantanal e onde mais exista mata queimada e terra crestada, Salles chamou o ex-Comandante Militar do Sudeste de "Maria Fofoca".

A dita "ala ideológica" do governismo, a começar do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), se juntou a Salles. Outros parlamentares da extrema direita bolsonarista fizeram a mesma coisa. Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, hoje uma espécie de Ministro da Sensatez, mas sem pasta — sensatez entre insensatos? É a missão impossível... — defendeu o general, que tem sido, acrescente-se, eficaz em manter o apoio do Centrão. E como!

Há uma execução vultosa de emendas parlamentares, informa a Folha. Foram pagos até meados deste mês R$ 17,2 bilhões — um crescimento de 67% em relação a todo o ano passado. É recorde da série compilada pelo Senado, com início em 2015, em valores atualizados pela inflação. Ramos se tornou popular entre políticos de vários partidos. Os tarados da extrema direita reclamam porque acham que os militares obstam a pauta ultrarreacionária que defendem.

Ah, sim, caros: antes que questionem, admito: é evidente que existe mais racionalidade no Partido do Uniforme — o das Forças Armadas —, também conhecido como Partido da Boquinha, do que nos celerados empenhados na tal "guerra contra o marxismo cultural" ou na atuação piromaníaca e ecocida do tal Salles, que merece o apreço de Bolsonaro, de madeireiros e garimpeiros ilegais e de reacionários de qualquer extração.

Julgar, no entanto, que exista uma contradição importante entre Ramos e Salles -- ou, mais amplamente, entre o Partido Militar e a extrema direita -- é falso como nota de R$ 89 mil. Tanto é assim que a "Maria Fofoca" e o piromaníaco já se entenderam. Salles escreveu neste domingo nas redes:
"Conversei com o ministro Ramos, apresentei minhas desculpas pelo excesso e colocamos um ponto final nisso. Estamos juntos no governo, pelo Pres. Bolsonaro e pelo Brasil. Bom domingo a todos".

Só faltou dizer que perdoava o ofendido pela ofensa. Ramos aceitou as desculpas e manteve o emprego. E Salles sai um pouco mais forte do que estava, porque agora já sabe que pode dar pé em traseiro de general — que, afinal, está fora do lugar. Quem se alinhou com Ramos acabou, sem querer, colaborando para o fortalecimento de Salles, que ganhou uma faixa a mais de terreno (desmatado e queimado).

Na condição de instituição de Estado, trata-se de mais uma mancha na reputação das Forças Armadas, só superada pelo enxovalho a que foi submetido o general Eduardo Pazuello no caso da vacina do Butantan. Essas humilhações, no entanto, só existem porque as Forças Armadas — militares da ativa ou da reserva — estão fora do lugar. O Partido Militar, tornado o Partido da Boquinha, disputa espaços de poder. E, claro, para todos os efeitos, está apenas atuando em defesa da pátria.

Ramos e Salles, Forças Armas e súcias reacionárias... Vênia máxima, não há contradição nenhuma aí. São apenas males distintos e combinados. Espero que a política ainda devolva uns para os quarteis e os outros para as catacumbas da história.